Enfermeiros e professores. "Eles" e "nós"

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Professores e enfermeiros voltam nesta semana à mesa das negociações. Talvez seja um "como quem diz" este "voltar à mesa de negociações". Aquilo a que os portugueses que não são professores nem enfermeiros têm assistido é, pelo contrário, ao extremar de posições - com as classes profissionais a não dar sinal de terem nenhum braço disponível para torcer. E o governo na retranca dos números.

Obviamente, o tempo a que estamos das eleições será inversamente proporcional aos sinais de pacificação nestas duas áreas. Porque para não ser assim era preciso que estas não fossem as duas greves mais politizadas dos últimos anos. E é nisso que tudo se jogará nos próximos meses. Quanto menos faltar para as eleições mais hipóteses haverá de que ninguém se entenda. Sendo esse, a partir de agora, o fundo de comércio das greves e a dor de cabeça dos governos. Aos que protestam, a escassez do tempo fortalece a luta - com os votos no horizonte. Os que negoceiam do outro lado, e têm o poder de ceder ou não, devem medir esse horizonte e tirar conclusões.

Até agora, tanto no caso dos enfermeiros como no dos professores, têm faltado as verdadeiras consequências políticas. Os partidos acanham-se. Uns, como os da geringonça, porque querem manter o parceiro em lume brando - guardando a arma de arremesso para quando for mesmo precisa, não desperdiçando munições. Os outros, porque a luta interna os baralha e impede uma definição mais clara, que, aliás, os colaria a campos de que não lhes interessa aparecer perto. Embora o ziguezague de Rui Rio contraste com o voluntarismo de Assunção Cristas, a verdade é que o efeito prático tem sido o mesmo.

Sendo assim, ficam o governo e os sindicatos livres para jogar a mais velha arma política, a demagogia - com o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa a assistir de longe. Os professores estarão na segunda-feira novamente reunidos com o ministério. Os enfermeiros irão a seguir - com os seus. Mas a verdade é que, ameaças de um lado e intransigência do outro, ninguém acredita que nesta semana alguma coisa fique decidida.

Nesta guerrilha percebemos quem está a ganhar a batalha da opinião em qualquer consulta das redes sociais e comentários dos jornais - que é o equivalente a ir à tasca, mas do ponto de vista tecnológico. Dantes andávamos de táxi, mas agora o silêncio dos uber impede-nos de fazer esta sondagem mais profunda. Medimos a temperatura dos argumentos e raramente chegamos a uma conclusão que não seja a de que este conflito criou mais um campo de batalha onde o endurecimento de posições é regra, a crueldade se solta rápida e a falta de empatia reina. Onde ninguém sabe da vida de ninguém, mas opina. Onde a solidariedade não existe.

Diz-se que em Portugal não há populismo como outros povos o conhecem, mas os conflitos laborais vieram desembocar num perigoso tribalismo de consequências ainda não conhecidas para a sociedade como um todo. Um mundo de eles e nós - em que a vitimização dá origem ao ressentimento e à esterilidade das discussões, porque não levam a lado nenhum. E, entre argumentos simplórios, no melhor dos casos, ou total falta de argumentos, assistimos à divisão da opinião pública, à sua manipulação - que, a ser voluntária é muito perigosa, e a ser involuntária é simplesmente estúpida. Ambos os lados destas mesas de negociações desta semana deviam estar conscientes disto.

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