O cheiro a bifanas e sardinhas assadas espalhava-se pelo ar. Os cravos vermelhos e as bandeiras com a mesma cor, as da CGTP, inundaram a Alameda D. Afonso Henriques ontem, no 1.º de Maio liberto da pandemia. O ambiente era de festa, de descontração, mas as reivindicações sérias partiram do palco junto à Fonte Luminosa. A secretária-geral da central sindical exigiu "resposta imediata" ao Governo para enfrentar a inflação. Isabel Camarinha pediu o aumento de salários e de pensões e até colocou fasquias bem precisas..Perante centenas de pessoas, muitas sindicalistas vindos de vários pontos do país, que encheram metade da Alameda, a líder da CGTP insistiu na ideia do poder de compra atingido pelo inflação. Os aumentos de preços que já "comeram" nestes primeiros meses do ano 7% nos salários e pensões. Com um Orçamento de Estado acabado de aprovar no Parlamento, Isabel Camarinha rejeitou a "patranha" dos que dizem que os aumentos de salários provocam uma espiral de inflação..E apresentou o caderno reivindicativo da CGTP: aumento dos salários de todos os trabalhadores em 90 euros em 2022; aumentos dos salários mesmo os que já foram atualizados e do salário mínimo nacional para os 800 euros a partir de 1 de julho; e o aumento das pensões e reformas num mínimo de 20 euros.."O aumento dos salários já era uma emergência nacional, mas a evolução da situação económica e social torna essa exigência uma questão central", afirmou a sindicalista. Prometendo "luta" - e com o PCP liberto da geringonça e do apoio ao governo -, Isabel Camarinha ainda reivindicou o combate pelas 35 horas semanais de trabalho em todos os setores..No Twitter, o primeiro-ministro já tinha prometido, neste Dia do Trabalhador, a adoção da Agenda do Trabalho Digno e "prosseguir o objetivo do reforço do peso dos salários no PIB para a média europeia"..Na Alameda, as palavras da líder da CGTP mostraram que o comprometimento de António Costa não chega para os sindicatos..No relvado, Lucinda Alves, reformada, 69 anos, lembrava ao DN que um "governo de maioria absoluta não tem desculpa para não melhorar a vida dos portugueses". De cravo na mão, lamentava que "48 anos após o 25 de Abril sejamos ainda tão pobrezinhos", porque "não há ambição na governação"..Mais jovem, 33 anos e um filho, Beatriz Nunes, "apartidária" como se classificou, apontou para a necessidade de revisão do OE para responder à inflação e combater a pobreza. "O aumento do custo de vida vai prejudicar novamente os mais pobres e os que têm salários médios que são baixíssimos", disse e defendeu a resposta pela via fiscal..Beatriz conhece bem a tão famigerada "precariedade", a palavra mais plasmada nos cartazes do 1.º de Maio, ela que trabalha na música, e que por isso gostaria de ver "efetivado o Estatuto do Trabalhador Cultural"..Do palco, Isabel Camarinha também falou de "solidariedade", dos que "dizem não à guerra na Europa", mas estendeu-a ao continente americano, em África, no Médio Oriente, na Ásia e "em todos os territórios onde os interesses de exploração são levados ao extremo da destruição". Tal como o PCP, e como não podia deixar de ser, a condenação à Rússia pela guerra na Ucrânia não existiu nas palavras da secretária-geral da CGTP..Num das bancas dispostas na calçada lateral ao relvado da Alameda, a da Associação de Amizade Portugal/Cuba - onde proliferavam várias frases de condenação ao bloqueio económico àquele país -, Rui Ferrugem, economista e militante do PCP, insistiu na ideia de que "nesta guerra não há bons e maus", apenas "povos que estão a sofrer com as decisões de Putin e Zelensky". Embora tenha feito questão de dizer que "nada justifica uma guerra" e se "Putin é um ditador, coordenado por oligarcas; Zelensky tem a cultura nazi e também ele manobrado por oligarcas ucranianos". Rui Ferrugem admitiu que parte dos portugueses podem "não perceber" a posição do PCP, mas se "tivessem a informação dos dois lados" talvez as coisas fossem diferentes.."Abril continua, Maio na rua!" deu o mote para o início do desfile da central sindical do Martim Moniz em direção à Alameda..O secretário-geral adjunto do PS, João Torres, chegou à manifestação acompanhado das dirigentes nacionais Vera Braz e Susana Amador e foi cumprimentar Isabel Camarinha, com quem conversou durante cerca de cinco minutos para os microfones da comunicação social. "O PS está comprometido com a valorização do trabalho no nosso país e estou convencido que haverá muitos pontos de vista convergentes", afirmou o dirigente socialista, manifestando a disponibilidade do partido para dialogar em sede de concertação social..Logo ali, Isabel Camarinha pediu "mudança de rumo" para acabar "com a política de baixos salários". "Sempre disponíveis para dialogar, mas o diálogo tem de ter consequências e o que está em cima da mesa não o garante", defendeu..Como sempre a UGT, central sindical afeta ao PS, fez o seu 1.º de Maio à parte. O secretário-geral da central sindical disse que o aumento do salário médio é fundamental e que o próximo 1.º de Maio poderá ser de luta caso as condições dos trabalhadores piorem até lá.."A nossa comemoração desta efeméride tão querida aos trabalhadores poderá decorrer sob o signo da luta, mas se tal acontecer não será certamente por nossa vontade, porque a preferência pelo diálogo está na génese da UGT", disse Mário Mourão."A luta [no próximo 1.º de Maio, na rua] acontecerá se os governos e patrões fizerem orelhas moucas aos salários dignos que exigimos para a administração pública, para o setor privado e para o setor empresarial do Estado", disse, elencando algumas das exigências que os trabalhadores vão fazer durante os próximos meses..A precariedade, a reposição do poder de compra devido à subida da inflação, os "despedimentos selvagens e injustificados, denominados hipocritamente de rescisões por mútuo acordo" e o impacto das fusões, concentrações ou vendas de grandes empresas foram alguns dos temas passados em revista pelo sindicalista, que alertou também para o "círculo vicioso" que existe na emigração..Também presentes nas celebrações do Dia do Trabalhador estiveram o secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, e a líder do BE, Catarina Martins, e com mensagens idênticas. A coordenadora do Bloco colocou a atualização dos salários pela inflação e o respeito pelos horários dos trabalhadores como as exigências que considera transversais a todos os trabalhadores..Já Jerónimo de Sousa assegurou que "em relação a esses objetivos o PCP fará tudo para conseguir essa valorização que é devida aos trabalhadores". O secretário-geral comunista admitiu que será "difícil" introduzir muitas alterações no OE já aprovado na generalidade e, questionado se essa luta poderá passar por mais manifestações na rua, respondeu afirmativamente..paulasa@dn.pt