Ainda não é para baixar a guarda
O pior já passou? A resposta mais legítima hoje, para mim, é a de que podemos ter esperança que sim. Com toda a certeza, podemos afirmar que estamos numa fase diferente da reação à pandemia. No entanto, não é ainda altura de baixar as cautelas. Portugal tem tido um desempenho positivo, pela forma como nos temos defendido. Mostrámos grande capacidade de mobilização e de acatamento de medidas como o distanciamento social, o confinamento e a etiqueta respiratória. Agora, que iniciamos o desconfinamento progressivo, temos de manter o aprumo coletivo e socialmente responsável.
Os dados relativos à atual situação epidemiológica permitem a perceção clara de que há sustentabilidade quer a nível dos indicadores sanitários quer a nível da capacidade de resposta do SNS, para darmos um passo (um baby step) em direção à (re)abertura ao mundo. À preocupação com a saúde, podemos começar a reunir a do bem-estar. Em pleno, pode separar-se a saúde do bem-estar? Creio que não.
Durante a primeira fase tivemos de deixar a produção e a comunicação em casa. Agora, é altura de entreabri-las à economia. A nossa resposta à covid-19 tem-se pautado também pelo vetor não só da salvaguarda da vida, mas também pelo da adaptabilidade. Todas as soluções e medidas tiveram em consideração especificidades do tecido social e económico e da própria coesão territorial. Nesse espírito, esta primeira "liberdade" que nos é dada agora tem, claro, uma cláusula de responsabilidade e serenidade. As medidas de desconfinamento serão acompanhadas quinzenalmente e a um aumento injustificado do contágio será preciso fazer corresponder uma revisão da alforria...
Há tendência para considerar o que vivemos como uma guerra e já nos habituámos a associar ao vírus palavras como "combate", "defesa" ou "guarda" (como usei no título). No entanto, sendo indiscutível um cariz de luta, o que vivemos não tem nada de bélico. As nossas armas são a cooperação, a articulação e a solidariedade. Este vírus viaja, mais do que algum outro, pelo medo e pela vulnerabilidade. E o preconceito fá-lo pela ignorância e teorias da conspiração. Inimigos, a nível global, temos o individualismo e o isolacionismo nacionalista. A desvalorização da ciência, por Trump (valha-nos Nancy Pelosi) e a indiferença de Bolsonaro (não há quem valha no Brasil) perante a morte, mostram o malefício de uma atmosfera democrática envenenada.
O populismo radical chega ao ponto de, na espiritualidade, deturpar a fé e a meditação como fonte de esperança, para vendê-la como banha de cobra. A Páscoa foi em casa, o 25 de Abril à janela e o 1º de Maio à porta. Entretanto, a natureza e o mundo estão mais bonitos. Como para nos receber de novo. Temos, cada vez mais, de fazer mesmo por merecê-los.
Deputada do PS