A mais curta explicação da estupidez do Brexit

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Desculpa, André Carrilho, não vou falar de ti, os teus cartoons não precisam das minhas explicações. Vou falar do desenho de KAL que nesta semana ilustra a edição da revista The Economist - e a essa maravilha talvez nem todos os leitores tenham acesso.

Não sem razão, o cartoonista americano KAL - ele assina em maiúsculas como certas marcas que se nos tornaram pessoais - é o primeiro cartoonista exclusivo da revista inglesa que até é mais antiga (embora só 20 aninhos) do que o DN. Vou tentar com mil palavras valer tanto quanto a ideia radical e simples, traçada em imagem, que desnuda essa anedota anacrónica que é o Brexit.

KAL desenhou a sra. May com os habituais sapatos pintalgados de onça e a sua habitual atuação de amiga da onça. Pequeno parêntese, foi Péricles, um desenhador brasileiro, que deslumbrou a minha infância, que cunhou a expressão "amigo da onça", desenhando um fuinha com cabelo seboso de brilhantina, olhos de lula, bigode fino e smoking branco com laço negro, como símbolo do malandro: ele existia para enganar - por profissão e vocação. Tudo a ver com assunto que aqui trago.

Estava, então, essa anti-Brexit antes do referendo e depois improvável primeira-ministra por desistência generalizada de todos os outros, tão ambiciosos mas mais manhosos, estava ela agarrada, como único desígnio, ao cargo que lhe caíra nos braços. KAL desenhou-a, pois, agarrada ao último refúgio dos canalhas, agitando a bandeira do seu país para tentar refrescar o cheiro do mal que ela e os seus faziam ao país.

No cartoon, Theresa May cavalgava algo que não tinha cabeça. Ideia luminosa para retratar as ideias que não havia. O braço direito com a bandeira unificadora do Reino Unido, a cruz de São Jorge, de Inglaterra, a cruz de Santo André, da Escócia, e a cruz de São Patrício, da Irlanda, um encruzar que fez um país de séculos, e que os estúpidos políticos brexiteers insistem em fazer dele um beco sem saída para as próximas décadas. E/ou uma implosão para breve. A outra mão de May apontava, com a convicção dos que mandam os outros ir, mas sem conhecer o onde.

Se o indicador esquerdo era tão perentório quanto ignorante, a voz de May, apesar de engrossada pelo traço de KAL e do ponto de exclamação - CHARGE! [à carga!] - era simplesmente tola. O cartoonista, com crueldade, tratou de o demonstrar.

A cavalgadura montada por May não tinha cabeça, mas em vez dela tinha uma ficha inglesa de eletricidade. Aquela de três pinos chatos e retangulares, que fazem um triângulo, saliências excessivas e em posições esquisitas, feitas com o propósito de complicar e até impedir, se a função desejada for a simples de ligar à carga que pode dar uma tomada simples de dois simples e redondos buraquinhos.

Theresa May, recorda-se, depois da incompetência longa de já dois anos e meio, foi encarregada - em nome dos interesses da Inglaterra, da Escócia, da Irlanda do Norte e do País de Gales - de ir procurar uma solução necessária para os milhões de pessoas representadas na bandeira que ela abanava. E essa solução só pode ser encontrada com a União Europeia. Em conversas, discussões, trocas.

Solução que exige uma prévia ligação, vai de si - e não é preciso ter andado em Oxford ou em Cambridge, basta um eletricista polaco imigrado em Birmingham, para se saber que quem não consegue apresentar um plano, mas só a complicação da ficha elétrica britânica, ao menos devia precaver-se com um adaptador quando vai a Bruxelas, onde os orifícios só se deixam convencer com dois pinos e redondos.

Foi isso que KAL nos explicou num desenho de duas penadas, na brilhante, tradicional e tão inglesa revista The Economist. Peço desculpa por vos maçar com a longa tradução, mas estou indignado por tão grande país estar nas mãos de uma cambada de ursos.

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