Quando da tremendíssima Segunda Guerra Mundial (1939-1945), que a muitos pareceu o fim dos tempos em vista da carnificina e destruição, que não apenas a Europa, mas o mundo, sofreu pela primeira demonstração catastrófica do que poderia ser o resultado de uma ciência sem consciência, um resultado a que pode levar o culto crescente da inteligência artificial, presente então na relação entre o aviso da ciência e o predomínio da real politik, subordinada ao invocado justificativo interesse nacional. Tratou-se da descoberta do uso da energia atómica para fins militares, que foi encargo de uma missão científica americana ao serviço do seu governo, envolvido este na guerra mundial e vítima do ataque surpresa japonês em Pearl Harbour. Tinha morrido Roosevelt, o fisicamente inválido presidente que se comportou como um heroico combatente infatigável, e sucedera-lhe, constitucionalmente, o vice-presidente Truman, que decidiu não seguir a opinião dos cientistas no sentido de que, a chamada arma absoluta, não podia ser usada por nenhum governo..Numa documentada reunião com Churchill, comunicou-lhe três definitivas conclusões: não seria informada a Rússia da posse de armas; comparando o resultado esperado do uso da arma, que era a rendição do Japão, evitaria a morte de pelo menos cem mil soldados americanos no combate exigível para dominar aquele adversário; perante um comentário do seu aliado, respondeu que o Japão não merecia qualquer consideração militar, visto o traiçoeiro ataque de Pearl Harbor. Conhecidos os resultados do tremendo bombardeamento, nomes como os de Bertrand Russel, George F. Kennan, Isaac Deutscher e Kissinger ficaram ligados à meditação da nova conjuntura criada pela chamada arma absoluta, sendo de recordar a carta de Russel aparecida no Statesman de 23 de outubro de 1957, dirigida a Eisenhower e Khrouchtchev chamando a atenção para o facto de que a limitação do controlo dos armamentos nucleares era de importância vital para a espécie humana..Os factos, no sentido desse controlo, foram absolutamente ineficazes, o pragmatismo que orientou sempre a luta pela proeminência na hierarquia das potências viciou a credibilidade humanitária de quem já possuía a bomba, e procurava limitar a emergência de poder internacional dos que ainda a não tinham. O resultado está hoje na ameaça de uma cascata nuclear causada por qualquer dos numerosos países que possuem a "arma absoluta", bastando a leviandade de irresponsáveis dirigentes internacionais que teimem em demonstrar que esse talento não lhes falta. E sobretudo não lhes falta então uma grande perigosidade, corolário da imprevisibilidade de impedir a ameaça atómica, que a chamada "teoria crítica de Habermas" volta a lembrar a inquietação de Tolstói ao afirmar que a ciência explica o trajeto causal dos fenómenos, mas não responde à questão de saber o que fazer feita pelos homens obrigados a escolher a ação..A festejada inteligência artificial leva hoje a avaliar o predomínio da ciência e da técnica, transformadas em "ideologia ao serviço da legitimação social e política". Acontecendo que se trata de "uma dissolução da filosofia (uma teoria de conhecimento) em metodologia e teoria da ciência". São palavras da sua Técnica e Ciência como Ideologia (Lisboa, Edições 70, 2014): na "consciência tecnocrática não se reflete a avaliação de uma conexão ética, mas a repressão da "eticidade" como categoria das relações vitais em geral". É por isso que o problema, do qual não se pode deixar de avaliar as consequências na vida das sociedades que mudam inevitavelmente de circunstância, não é o medo da ciência e da técnica, é sim a urgência de não permitir que se instale um corolário da real politik que orientou o uso, e incapacidade de impedir, pelos tratados, a ameaça em que o globo se encontra, ignorando o aviso de Russel, e dos que o acompanharam, advertindo contra os riscos para a espécie humana..A questão é pois não o avanço desejado da ciência e da técnica, mas a crescente limitação de reconhecer a importância da atenção à sabedoria das humanidades, facilitando assim uma "ciência" aplicada sem "consciência". O próprio Nietzsche se orientou pela igual convicção de Tolstói de que a ciência, a lidar com a natureza, não pode ordenar a conduta humana, assegurando que o "golpe de estado" dado, por exemplo, à religião foi utilizado pelo Estado e não pelo povo..Há um pessimismo que lamenta, por isso, a decadência do respeito pelos valores, admitindo que a sabedoria foi expressa em "cartas entregues a destinatários errados". Talvez um dos efeitos de as inidentidades serem tão frequentemente criadas pelas redes de comunicação, favorecendo a escolha errada de quem vai deter o poder..Professor universitário