Quem são os Proud Boys, a quem Trump disse para ficarem "a postos"?
"A minha mensagem para os Proud Boys e para todos os outros grupos supremacistas brancos é: parem e desistam." As palavras são de Joe Biden, na quarta-feira à tarde. "Não é isso que somos. Isto não é o que somos como americanos." Na noite anterior, foi o próprio quem no debate com Donald Trump deu a deixa para que este bando de extrema-direita ganhasse visibilidade.
Questionado pelo moderador Chris Wallace se iria condenar milícias e grupos supremacistas brancos, o presidente e candidato a novo mandato disse que estava disposto a fazê-lo, mas não o fez e de pronto afirmou: "Diria que quase tudo o que vejo é da esquerda e não da direita. Estou disposto a fazer qualquer coisa. Quero ver paz." Com Wallace e Biden a desafiá-lo a fazer a condenação, Trump virou o jogo: "Querem que os chame? Quem querem que chame? Deem-me um nome", ao que Biden lançou "Proud Boys."
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A resposta foi rápida e curta e pode ter passado despercebida a muitos espectadores, embrulhada que foi em ruído (em pouco mais de hora e meia o Washington Post contou as interrupções feitas pelos candidatos: 71 por Trump e 22 por Biden): "Proud Boys, recuem e estejam a postos." Em vez de condenar publicamente o racismo e o supremacismo, o presidente dos Estados Unidos acabara de piscar o olho a um grupo violento de extrema-direita.
E quem se assumiu como violento foi o próprio bando. Foi criado em 2016 "como uma piada" pelo canadiano Gavin McInnes, um dos fundadores do grupo de comunicação Vice Media. "A violência não me agrada, a violência justificada é ótima, e a luta resolve tudo", disse. "Eu quero violência. Eu quero murros na cara", afirmou, segundo a ABC News.
McInnes, como Trump, tem um discurso ambíguo no que respeita aos valores. McInnes, por exemplo, rejeitou publicamente pertencer à alt-right racista após a manifestação da supremacia branca em Charlottesville - onde uma pessoa foi assassinada depois de um indivíduo ter investido com um carro em alta velocidade contra um um grupo de opositores. Isto apesar da sua proximidade com o orador da manifestação Richard Spencer e de um Proud Boy, Jason Kessler, ter organizado o comício.
Nem Trump foi tão longe no recuo: ficaram famosas as suas palavras ao condenar os "dois lados".
Os Proud Boys contestam a classificações de supremacistas brancos, mas as suas ações são frequentemente veiculadas por supremacistas brancos e de franjas políticas de extrema-direita, além dos gestos, símbolos e linguagem que usam os denunciarem como tal.
O passado de comentador de McInnes em sites de extrema-direita e de teorias da conspiração, mas também como convidado regular de estações de TV como a Fox News desmentem essa suposta moderação. Fez a defesa do espancamento de Rodney King pela polícia (o caso que levou a enormes tumultos na Califórnia, em 1992), insultou negros, asiáticos, transexuais e muçulmanos, tem uma tatuagem com simbologia neonazi, faz a saudação nazi e defende a violência.
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Ao que consta, o aspirante a entrar no gangue tem de declarar: "Sou um chauvinista do Ocidente, e recuso-me a pedir desculpa por criar o mundo moderno". E para atingir a mais alta esfera, a prova de fogo do militante é "dar uma tareia num antifa".
Oficialmente, McInnes cortou laços com os Proud Boys depois de uma noite em que o bando mostrou a sua face. Em 2018, os republicanos convidaram-no como orador, no Metropolitan Republican Club, em Nova Iorque, onde no passado discursaram presidentes e senadores. McInnes, que também é ator, decidiu começar a sua performance com a reconstituição do assassínio com uma espada de samurai de Inejiro Asanuma, dirigente do Partido Socialista Japonês, por um nacionalista de extrema-direita. "Um momento inspirador", escreveu antes do evento no Instagram.
A coisa não se ficou por aí. À saída, os seus acólitos atacaram manifestantes que se encontravam à porta do clube. Alguns dos membros foram presos e dois deles condenados a quatro anos de prisão. O caso levou à saída de McInnes de líder do grupo.
Antes, o bando de "rapazes orgulhosos" tinha iniciado uma relação com o mundo de Trump. A ligação - pelo menos uma - foi através de Roger Stone. O antigo conselheiro e amigo de longa data de Donald Trump começou por contratar os Proud Boys para fazerem segurança. Quando Stone foi a julgamento por obstrução, falso testemunho e manipulação de testemunhas ao Congresso, os Proud Boys fizeram escolta e sentaram-se na sala de audiências.
Já na quarta-feira, perante a indignação crescente criada pelas suas palavras, disse: "Não sei quem são os Proud Boys, mas quem quer que sejam têm de se retirar", disse aos jornalistas na Casa Branca. "Retirem-se, deixem as forças da lei fazer o seu trabalho. Quem quer que sejam, que se retirem."
Roger Stone, que foi condenado a 40 meses de prisão por tentar atrapalhar a investigação a Trump, acabou por ser perdoado pelo amigo e presidente. Daí que a justificação de Trump, de desconhecer o grupo se assemelha, no gesto dúplice, a McInnes, ora dizendo uma coisa, ora outra.
O Facebook e o Twitter proibiram o bando por difundir uma mensagem de ódio em 2018, o YouTube fê-lo no ano passado.
Os militantes encontraram outras plataformas como o 4Chan, o Parler e o Telegram. Segundo o SITE Intelligence Group, que segue grupos de extrema-direita, a mensagem foi recebida em ambiente de festa e não faltou quem visse na mensagem um sinal para atacar.
"Ele legitimou-os de uma forma que ninguém na comunidade esperava. É inacreditável. A celebração é incrível", disse Rita Katz, diretora executiva do SITE, ao Washington Post. "Nos meus 20 anos de monitorização do terrorismo e do extremismo, nunca pensei ver algo assim de um presidente dos EUA."
Desde a chegada de Trump ao poder, 2017, ações violentas de simpatizantes da extrema-direita racista multiplicaram-se nos Estados Unidos. Um ataque a uma sinagoga de Pittsburgh matou 11 pessoas em 2018. Em agosto de 2019, um jovem norte-americano matou 22 pessoas, a maioria hispânicos, por motivos racistas, em um hipermercado em El Paso, Texas.
Perante o movimento de indignação contra o racismo sistémico e a brutalidade policial contra os afro-americanos que varre o país devido ao caso George Floyd, Trump nunca reconheceu o problema, preferindo criticar os tumultos e a violência que alega ser do movimento antifa, da extrema-esquerda.
Isso mesmo voltou a dizer no debate, após ter falado sobre os Proud Boys. "Digo-vos uma coisa: alguém tem de fazer alguma coisa sobre o antifa e a esquerda, porque isto não é um problema da direita, é um problema da esquerda."
Donald Trump tem vindo a ameaçar com a proibição do antifa e com a sua equiparação a grupo terrorista. Só que, ao contrário dos Proud Boys e de bandos semelhantes, como os Patriot Prayers, o antifa é um movimento e não um grupo, que tem como denominador comum a luta contra os grupos fascistas.