1. Pedrógão, Castanheira de Pera, Figueiró dos Vinhos. O coração da zona Centro ardeu a 17 de Junho de 2017 com uma intensidade nunca vista. Parecia impossível um desastre assim repetir-se num país desenvolvido, incluindo o absurdo número de vítimas..Errado..No dia de 16 de Outubro de 2017, o meu telemóvel tocou de manhã muito cedo. Era um amigo. "Ardeu tudo. Foi uma noite como nunca vi na minha vida"..Até aqui nada de novo. Só que morreram 115 pessoas em 2017 e estas vítimas merecem a nossa memória e reflexão..Na tarde de domingo, 15 de Outubro, o furacão Ofélia elevou a temperatura acima dos 30 graus, trouxe vento escaldante e à sua espera estava uma secura extrema no solo e na vegetação. Arderam 220 mil hectares num só dia, um recorde absoluto. Morreram mais de 50 pessoas, um terço das quais dentro das suas casas. Portugal viveu neste dia o maior massacre territorial desde as invasões napoleónicas..O relatório encomendado pelo Governo ao Centro de Estudos dos Incêndios Florestais, divulgado ontem, aponta as típicas queimadas de Outono como uma das causas para os fogos. Ou, dito de outra maneira, eis o brutal impacto das alterações climáticas: seca extrema, calor extremo em Outubro e... desinformação extrema dos portugueses sobre alterações climáticas. Ainda esta semana uma sondagem assinalava Portugal como um dos países europeus mais desinteressados no tema..Queimadas: sempre se fizeram. Mas nunca com estas consequências. É escandalosa a falta de alerta público para o perigo que aí vinha. Ninguém no Estado/Governo somou 1+1 no antes do dia 15 de Outubro. O clima mudou!!! Pedrógão não foi um epifenómeno localizado!!! 30 graus em Outubro, num ano em que não choveu, é receita para desastre. Talvez agora já não haja dúvidas..2. Na manhã seguinte ao dia 15 de Outubro, a viagem entre Porto e Castelo de Paiva era de arrasar a alma e cortar a respiração (literalmente) devido aos fumos e incêndios ainda ativos. A partir da saída da A32, em Canedo, os 30 quilómetros até Castelo de Paiva eram um mini-retrato da tragédia demencial que em poucas horas incendiou o Norte e o Centro. No caso de Castelo de Paiva, mais de 60% do concelho ardeu em menos de 24 horas..No dia 15 de Outubro, tal como em Pedrogão a 17 de Junho, aconteceu apenas o que se esperava. Mais tarde ou mais cedo, arde tudo. As pessoas vivem cada vez menos por ali, as propriedades são ocupadas por mato ou plantações de crescimento rápido (pinheiro e eucalipto) e sobra aquele barril de pólvora..É por isso absolutamente inconsequente julgar comandantes de bombeiros ou responsáveis da Proteção Civil - tal como está a suceder neste momento no Tribunal de Leiria. Sendo ou não competentes para a função, a verdade é depois de 50 anos a despejar apoios nas indústrias da floresta, o brutal "sucesso" económico desta política tem uma fatura. E agora é tarde, sendo o mais fácil culpar quem estava sentado nesse dia no lugar fatal - o do combate ao incêndio no paiol..É indiscutível que a indústria do papel - a que maior valor acrescentado bruto gera nas exportações e emprega milhares de pessoas, direta e indiretamente - tem uma competência técnica apreciável. Mas a rentabilidade deste negócio só acontece de forma tão milionária porque o país é um viveiro-lixo e a gestão do risco é paga pelo dinheiro público para o combate a incêndios todos os anos..Todos os dias, a monocultura do eucalipto (como espécie que mais consequências gera por ser não-autóctone) reduz biodiversidade de avifauna e flora. Prejudica o nível de água nos solos a longo prazo e faz perder matéria orgânica no topo dos montes e montanhas - o eucaliptal é um deserto de árvores..Centenas de milhões de euros são gastos todos os anos no combate aos incêndios. Não é novidade termos bombeiros mortos (a sociedade portuguesa já tinha interiorizado esse custo a bem do conforto das nossas exportações). Agora também há o cidadão comum que morre nas chamas. Sobretudo os portugueses que restam em terra de ninguém..3. Regresso de novo a 15 de outubro de 2017. Não é admissível que a esmagadora maioria da nova área arbórea plantada em 2017 tenha sido eucalipto, assente na flexibilidade de plantação potenciada pela "Lei Cristas". E este Governo está a assobiar para o lado..Exemplo: o Jornal de Notícias dizia, na semana passada, que os Planos Regionais de Ordenamento Florestal, publicados este mês em Diário da República, não limitam o crescimento das espécies que mais têm contribuído para este caos - o pinheiro-bravo e o eucalipto - e mantêm um rácio entre 60 a 90% dos terrenos para estas espécies..O presidente do Observatório Técnico Independente para os Incêndios Florestais, Francisco Castro Rego, sublinha que há muitos concelhos com floresta totalmente dominada por pinheiro-bravo e eucalipto, o que abrirá espaço a novos incêndios de grande dimensão. No caso do eucalipto, são definidos limites "iguais ou superiores" aos estabelecidos em 2010 como referência - note-se. Quando o objetivo destes Planos Regionais era do reduzir essas áreas combustíveis de forma "absolutamente necessária", diz aquele Observatório..Os Planos Regionais, assinala o artigo de Alexandra Figueira, contradizem inclusive a legislação publicada pelo Ministério da Agricultura. Entretanto, o Ministério respondeu às perguntas do JN? Não. Dá-se ao luxo de nem sequer justificar o que se passa..Repito uma ideia que já aqui escrevi: há pelo menos 30 anos que estamos a acelerar na direção errada. Se não invertermos de imediato este colossal equívoco (que vai perdurar ainda por décadas), são as pessoas que estão a mais neste Portugal de natureza industrializada. Portanto, na próxima tragédia, para sermos coerentes, não devemos ser todos julgados em tribunal?
1. Pedrógão, Castanheira de Pera, Figueiró dos Vinhos. O coração da zona Centro ardeu a 17 de Junho de 2017 com uma intensidade nunca vista. Parecia impossível um desastre assim repetir-se num país desenvolvido, incluindo o absurdo número de vítimas..Errado..No dia de 16 de Outubro de 2017, o meu telemóvel tocou de manhã muito cedo. Era um amigo. "Ardeu tudo. Foi uma noite como nunca vi na minha vida"..Até aqui nada de novo. Só que morreram 115 pessoas em 2017 e estas vítimas merecem a nossa memória e reflexão..Na tarde de domingo, 15 de Outubro, o furacão Ofélia elevou a temperatura acima dos 30 graus, trouxe vento escaldante e à sua espera estava uma secura extrema no solo e na vegetação. Arderam 220 mil hectares num só dia, um recorde absoluto. Morreram mais de 50 pessoas, um terço das quais dentro das suas casas. Portugal viveu neste dia o maior massacre territorial desde as invasões napoleónicas..O relatório encomendado pelo Governo ao Centro de Estudos dos Incêndios Florestais, divulgado ontem, aponta as típicas queimadas de Outono como uma das causas para os fogos. Ou, dito de outra maneira, eis o brutal impacto das alterações climáticas: seca extrema, calor extremo em Outubro e... desinformação extrema dos portugueses sobre alterações climáticas. Ainda esta semana uma sondagem assinalava Portugal como um dos países europeus mais desinteressados no tema..Queimadas: sempre se fizeram. Mas nunca com estas consequências. É escandalosa a falta de alerta público para o perigo que aí vinha. Ninguém no Estado/Governo somou 1+1 no antes do dia 15 de Outubro. O clima mudou!!! Pedrógão não foi um epifenómeno localizado!!! 30 graus em Outubro, num ano em que não choveu, é receita para desastre. Talvez agora já não haja dúvidas..2. Na manhã seguinte ao dia 15 de Outubro, a viagem entre Porto e Castelo de Paiva era de arrasar a alma e cortar a respiração (literalmente) devido aos fumos e incêndios ainda ativos. A partir da saída da A32, em Canedo, os 30 quilómetros até Castelo de Paiva eram um mini-retrato da tragédia demencial que em poucas horas incendiou o Norte e o Centro. No caso de Castelo de Paiva, mais de 60% do concelho ardeu em menos de 24 horas..No dia 15 de Outubro, tal como em Pedrogão a 17 de Junho, aconteceu apenas o que se esperava. Mais tarde ou mais cedo, arde tudo. As pessoas vivem cada vez menos por ali, as propriedades são ocupadas por mato ou plantações de crescimento rápido (pinheiro e eucalipto) e sobra aquele barril de pólvora..É por isso absolutamente inconsequente julgar comandantes de bombeiros ou responsáveis da Proteção Civil - tal como está a suceder neste momento no Tribunal de Leiria. Sendo ou não competentes para a função, a verdade é depois de 50 anos a despejar apoios nas indústrias da floresta, o brutal "sucesso" económico desta política tem uma fatura. E agora é tarde, sendo o mais fácil culpar quem estava sentado nesse dia no lugar fatal - o do combate ao incêndio no paiol..É indiscutível que a indústria do papel - a que maior valor acrescentado bruto gera nas exportações e emprega milhares de pessoas, direta e indiretamente - tem uma competência técnica apreciável. Mas a rentabilidade deste negócio só acontece de forma tão milionária porque o país é um viveiro-lixo e a gestão do risco é paga pelo dinheiro público para o combate a incêndios todos os anos..Todos os dias, a monocultura do eucalipto (como espécie que mais consequências gera por ser não-autóctone) reduz biodiversidade de avifauna e flora. Prejudica o nível de água nos solos a longo prazo e faz perder matéria orgânica no topo dos montes e montanhas - o eucaliptal é um deserto de árvores..Centenas de milhões de euros são gastos todos os anos no combate aos incêndios. Não é novidade termos bombeiros mortos (a sociedade portuguesa já tinha interiorizado esse custo a bem do conforto das nossas exportações). Agora também há o cidadão comum que morre nas chamas. Sobretudo os portugueses que restam em terra de ninguém..3. Regresso de novo a 15 de outubro de 2017. Não é admissível que a esmagadora maioria da nova área arbórea plantada em 2017 tenha sido eucalipto, assente na flexibilidade de plantação potenciada pela "Lei Cristas". E este Governo está a assobiar para o lado..Exemplo: o Jornal de Notícias dizia, na semana passada, que os Planos Regionais de Ordenamento Florestal, publicados este mês em Diário da República, não limitam o crescimento das espécies que mais têm contribuído para este caos - o pinheiro-bravo e o eucalipto - e mantêm um rácio entre 60 a 90% dos terrenos para estas espécies..O presidente do Observatório Técnico Independente para os Incêndios Florestais, Francisco Castro Rego, sublinha que há muitos concelhos com floresta totalmente dominada por pinheiro-bravo e eucalipto, o que abrirá espaço a novos incêndios de grande dimensão. No caso do eucalipto, são definidos limites "iguais ou superiores" aos estabelecidos em 2010 como referência - note-se. Quando o objetivo destes Planos Regionais era do reduzir essas áreas combustíveis de forma "absolutamente necessária", diz aquele Observatório..Os Planos Regionais, assinala o artigo de Alexandra Figueira, contradizem inclusive a legislação publicada pelo Ministério da Agricultura. Entretanto, o Ministério respondeu às perguntas do JN? Não. Dá-se ao luxo de nem sequer justificar o que se passa..Repito uma ideia que já aqui escrevi: há pelo menos 30 anos que estamos a acelerar na direção errada. Se não invertermos de imediato este colossal equívoco (que vai perdurar ainda por décadas), são as pessoas que estão a mais neste Portugal de natureza industrializada. Portanto, na próxima tragédia, para sermos coerentes, não devemos ser todos julgados em tribunal?