Os partidos estão partidos para sempre?

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O PSD dilacerado por uma luta interna que as últimas eleições não sanaram - havemos de ter notícia disto em breve, é garantido. O CDS a ver atingir a liderança uma fação que em nada se reconhece na anterior, e em que a anterior nada se reconhece. O Livre a retirar a confiança política à sua única deputada - porque ela foi independente e não respeitou as indicações do partido. A Iniciativa Liberal a trocar de liderança depois de um resultado diferente do que ela indicava, nas eleições.

Tudo isto são sintomas de uma democracia madura, em que os partidos já não são monolíticos, até porque não têm razões para ser, mas aceitam as diferenças sem muitos problemas? É certo. Mas até onde poderá ir a elasticidade? Até quando pode alguém esticar a corda ideológica e pensar que ainda faz parte do mesmo agregado? Quais são os mínimos denominadores comuns que permitem que alguém fique ou saia de um coletivo, sobretudo quando esse coletivo lida com ideias?

De entre os vários exemplos a que temos assistido, do ponto de vista ideológico - o mais interessante é o do CDS. Ainda antes das eleições, era possível prever que se Assunção Cristas e o seu CDS moderno e liberal nos costumes perdesse muito, ia acontecer uma mudança de rumo. Mas se a mudança for no sentido exatamente contrário, no sentido de um conservadorismo arreigado, cujas bandeiras se confundam com as do extremismo à direita - poderão continuar os mesmos que levaram o CDS até aqui num percurso de democracia cristã moderada e aberta ao mundo, aos mundos? Quem dará voltas no caixão?

São tudo questões que veremos cada vez com mais frequência a aparecer na discussão partidária. Os partidos nasceram para desunir, unindo. Para agregar pessoas que pensavam da mesma forma entre si, diferenciando-se dos outros que pensam diferente e fazem parte da mesma comunidade. Para "ser partidário" de determinada ideia. Em inglês, idem. Mas em português, o que tem acontecido nos últimos tempos é a aproximação a outra etimologia da palavra - quebrado, fracionado. Os partidos estarão partidos para sempre?

Tudo isto diz muito, não só dos partidos, mas também da atualidade em que a política se faz: uma bolha alimentada, além dos meios de comunicação social, pelas redes sociais. Essa alimentação da informação política é praticamente uma retroalimentação - os destinatários finais são os mesmos que as fontes, e as fontes trocam de lugar com os destinatários. Neste processo, os jornalistas são correias de transmissão, claro, mas a comunicação também corre em pista própria, através dos meios de comunicação direta, que, claro, ganharam protagonismo nos últimos tempos. Em posts no Twitter (a rede social favorita dos políticos e jornalistas) e outras redes.

Não é só no Instagram que se assiste a autênticas bebedeiras de ego - todas as redes sociais as proporcionam. E embora o Twitter permita um passo em frente em termos de raciocínio, a verdade é que isso também contribui rapidamente para as chamadas ego-trips: viagens do ego de cada um aos píncaros das suas vaidades. Não é preciso grande sabedoria para dizer que sem redes sociais não haveria tantas lutas internas, tanto ego em colisão. E que isso tenderá a piorar, até porque escasseiam as vozes do meio, as que se levantam contra as colisões, e a favor da união, como a de Ricardo Sá Fernandes foi, no recente conflito no Livre.

Para quem não está na bolha, ou a observa de fora, tudo isto é um espetáculo a que se assiste com um abanar de cabeça, com palmas contidas ou com um bocejo... que cada vez mais vezes se transforma em abstenção. Que os novos partidos não tenham levado mais gente a votar, e se envolvam em polémicas tão velhas como as dos partidos tradicionais, obviamente também não ajuda nada.

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