À História o que é da História, à política o que é da política

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"Vírus" é algo infecioso e um microrganismo invisível a olho nu. Na informática, é uma instrução parasita capaz de minar computadores. Em sentido figurado, é algo a que recorremos, por exemplo, quando nos referimos a um preconceito (p. ex., o" vírus do racismo"). Por que razão é que escrevo aqui esta descrição? Porque a nossa sociedade, de tão polarizada, até parece que perdeu algum dicionário. São cada vez mais frequentes - inclusivamente em sede parlamentar - as polémicas que misturam e confundem conceitos e que buscam apenas visibilidade para quem as protagoniza. Porque recorri à palavra "vírus"? Porque polarizar é viral hoje em dia e o resultado da sua replicação é tão visível como o da própria gripe.

Abordar questões pela polémica nunca será útil. Sobretudo as que se prendem com a identidade coletiva. Para refletir sobre a questão do património das ex-colónias na posse de museus e arquivos nacionais, que veio nesta semana à baila, por exemplo, é preciso perceber, antes de mais, que é uma questão tão ampla como complexa. A começar pela dificuldade em delinear de forma precisa e consensual o conceito de "património cultural". Que "dicionário" vamos invocar? Em seguida, a que balizas cronológicas atenderia o necessário processo de inventariação? Por fim, como enquadrar todo o processo com as novas realidades da museologia moderna e como articulá-lo com as instituições e mecanismos de cooperação já existentes no espaço da lusofonia, como, por exemplo, a CPLP? Não somos donos da História, nem seus juízes. Quanto muito, poderemos ser seus alunos. Partir desta perceção e do princípio da reciprocidade não compromete em nada o debate parlamentar sobre estas e outras questões.

Esta semana assinalaram-se os 75 anos da libertação de Auschwitz, em plena onda de ressurgimento de movimentos antidemocráticos. Como enfrentá-la? A pior coisa a fazer é cair no impasse. Em Portugal, não podemos cair na tentação de acreditar que Abril nos tornou imunes ao fascismo. Não é saudável para um sistema democrático ficar refém de si mesmo e permitir a instrumentalização da liberdade de expressão para veicular valores que lhe são contrários. Temos de descobrir alternativas com capacidade de intervenção, que ultrapassem a hesitação que decorre da atitude de pensar que "ao condenar, damos também visibilidade". Eu recuso a instrumentalização. Em política, História, só a académica e a da democracia. Quando se referem ao Holocausto, os alemães dizem frequentemente "nie wieder" (nunca mais). Esse exercício de memória coletiva não basta para prevenir o fascismo. No entanto, como ponto de partida, é fundamental.

Deputada do PS

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