Álvaro Santos Pereira, até agora economista-chefe da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE), foi indigitado pelo governo como sucessor de Mário Centeno à frente do Banco de Portugal (BdP). Será o 16º governador da instituição fundada em 1846.Seis anos mais novo que Centeno (Santos Pereira nasceu em 1972, em Viseu), o antigo ministro da Economia do tempo da troika e do programa de ajustamento de Pedro Passos Coelho (PSD) saiu a meio do mandato como governante, rumando a Paris.Regressa agora a Portugal, 12 anos depois, pela porta grande, para o cargo mais alto da supervisão bancária nacional e responsável no país pela implementação da política monetária definida em Frankfurt, designadamente os níveis de taxas de juro.Os desafios que se colocam ao novo governador (que deve assumir o cargo apenas em setembro porque ainda precisa de ser ouvido, avaliado e aprovado pelos partidos no Parlamento) são muitos, são diferentes e vêm servidos num tabuleiro de "incerteza excecional", como tem dito Christine Lagarde, a presidente do Banco Central Europeu (BCE), coisa nunca vista desde que o euro nasceu.Incerteza máxima e guerra comercialÉ talvez o maior desafio. A incerteza máxima que vem do ambiente de guerras militares, dos ataques comerciais dos Estados Unidos contra tudo e todos, os eventos climáticos extremos, tudo vem baralhar a tarefa primordial do banco central que é entregar estabilidade financeira e garantir que descidas ou subidas de taxas de juro têm o efeito pretendido.Com caos ao redor, o Banco de Portugal e os congéneres à mesa do BCE precisam de ter ainda mais informação e tomar decisões em cima do momento.No último e derradeiro editorial que assinou na OCDE (no outlook), Santos Pereira notou "o aumento significativo das barreiras comerciais, bem como da incerteza económica e das políticas comerciais". "Este aumento acentuado da incerteza impactou negativamente a confiança das empresas e dos consumidores e prevê-se que prejudique o comércio e o investimento", disse o ainda indigitado governador do BdP.E acrescenta: que o protecionismo comercial global traduz-se numa "pressão inflacionista", o que dificulta o trabalho do banco central em caso de travagem da economia. Porque o objetivo é deter e normalizar a inflação nos 2%, o banco central pode ter de lidar com níveis de juro que ajudam menos ou pouco a contrariar os efeitos recessivos do protecionismo global.Santos Pereira prefere taxas de juro baixasOutro desafio é como pode atuar o governador português para influenciar as decisões do conselho de governadores do BCE, que conta com 25 responsáveis de topo. Santos Pereira considera que a inflação normalizada nos 2% não está nada adquirida a curto prazo (Lagarde diz que "está numa boa posição".Na avaliação que faz aos principais bancos centrais do mundo, BCE incluído, Álvaro Santos Pereira defende que este processo de regresso à inflação de 2% pode levar mais tempo do que diz."Embora ainda prevejamos que a inflação atinja as metas dos bancos centrais até 2026 na maioria dos países, agora levará mais tempo para atingir essas metas. Nos países mais afetados pelas tarifas, a inflação pode mesmo subir primeiro, antes de descer", escreveu Santos Pereira há um mês, no estudo da OCDE.No entanto, também já tornou público que sempre que houver possibilidade, o português tende a advogar juros baixos. "Dadas as recentes pressões inflacionistas, a política monetária deve manter-se vigilante. Mas se as tensões comerciais não se intensificarem e as expectativas de inflação se mantiverem ancoradas, as taxas de juro podem ser reduzidas, desde que as previsões apontem para uma descida ou contenção da inflação", sustentou o economista no último outlook da OCDE.Um país endividado a taxas de juro variáveisO processo de desalavancagem e de desendividamento da economia portuguesa já vai longo, mas ainda nem a meio parece ter chegado. O Estado pensa entregar uma dívida de 90% do Produto Interno Bruto (PIB) este ano, mas este fardo continua muito acima dos 60% definidos nas regras europeias.As empresas continuam descapitalizadas e a preferir crédito para funcionar. Muitas famílias continuam a carregar as hipotecas da casas, a maioria contratada a taxas de juro variável (cerca de 70% do total dos novos contratos de crédito à habitação, 90% se considerado o stock total).Santos Pereira tem aqui um dilema difícil como tiveram os seus antecessores no BdP. Quando for necessário subir taxas de juro, até onde irá o novo governador, sabendo o dano quase imediato que provoca sobre famílias e empresas? E também Estado, por via das Obrigações do Tesouro, que costumam acompanhar as taxas de referência do BCE.Neste domínio, mas no crédito ao consumo, o novo governador tem algum poder discricionário. Como autoridade e regulador, define as taxas máximas aplicáveis aos contratos de crédito aos consumidores, uma forma de impedir os excessos do passado em cobrança de comissões pelos bancos. Mas não chega, o grosso do crédito vendido pelos bancos é hipotecário.O mesmo se passa com o incentivo à poupança, mercado onde o Banco de Portugal define juros mas deixa amplamente ao critério dos bancos as propostas comerciais e de remuneração dos depósitos por exemplo, normalmente com taxas de juro muito abaixo das da concessão de crédito.Previsões, ator político e proximidadeUma das características inovadoras da gestão de Mário Centeno, ex-ministro do PS, foi ampliar a intervenção "cívica" do governador, dando mais vezes a sua "opinião" em temas como as contas públicas e os potenciais efeitos de determinadas políticas para a sustentabilidade da dívida. Isso valeu-lhe a animosidade do governo do PSD-CDS, que talvez ajude a explicar a razão pela qual não foi reconduzido para um segundo mandato de cinco anos.Santos Pereira, mais próximo do PSD e do primeiro-ministro Luís Montenegro e do ministro das Finanças Joaquim Miranda Sarmento (foi escolha pessoal destes últimos), vai certamente tentar reparar a relação tensa de Centeno ao longo dos últimos dois anos, enviar menos críticas e recados, tentar parecer mais compreensivo com os desígnios da política económica, no fundo.Os banqueiros centrais estão sempre a pedir políticas boas e "prudentes" aos governos, mais reformas estruturais porque, alegam, só a política monetária sozinha não pode dar conta do recado. Nessas águas, Santos Pereira sabe navegar. Quando foi ministro da Economia de 2011 a 2013, tantas vezes acenou com a sua capacidade e o seu "ímpeto reformista".Outro desafio é saber se o novo governador dará continuidade ao estilo de proximidade. Centeno inaugurou a iniciativa "aula aberta", que levou o governador a dezenas de escolas secundárias e instituições de ensino de norte a sul do país. O contacto direto com milhares de jovens tem sido elogiado.Santos Pereira, professor de formação como Centeno e conhecido pela sua postura informal, podia facilmente continuar as voltas a Portugal. Sabe improvisar, é simpático e descomplicado no discurso.Não menos importante, as previsões. Quatro vezes por ano, o BdP publica o boletim económico onde atualiza previsões para a economia e, desde há poucos anos, para as contas públicas (saldo orçamental e dívida). Foi outro dos motivos de contenda de Centeno com este governo porque começou a apontar para o regresso dos défices e para riscos na sustentabilidade da dívida, que ainda é demasiado elevada, por exemplo.Pereira é economista-chefe, especialista em previsões, e poderá restabelecer uma narrativa mais unificada e próxima deste governo, seu anfitrião.Negócios bancários por fazerOs grandes negócios e reestruturações de bancos, que começaram com a grave crise de 2007/2008, terão terminado, finalmente.Os contribuintes ainda têm 20 mil milhões de euros a receber das ajudas ao BPB, Banif e BES/Novo Banco, algo que o novo governador terá de acompanhar de perto, naturalmente, ainda que o problema seja da responsabilidade mais direta do lado do governo, que é que têm de recuperar os valiosos apoios.A venda do NB aos franceses do BPCE está encaminhada, restam para já algumas pequenas instituições que desejam obter uma licença bancária em Portugal, que é como quem diz, na Zona Euro.Segundo o Eco, a empresa financeira chinesa VCredit quer comprar o Banco Português de Gestã. A fintech francesa Rauva tem interesse na marca BEM, detida pelo Montepio. O Banco Carregosa e o BNI Europa também estão à procura de comprador, segundo o mesmo jornal digital.É mais um dossiê em que Santos Pereira terá a última palavras. Nisso ou noutra qualquer reviravolta financeira do país, que leve a mais consolidação bancária (fusões) entre grandes grupos.Os lucros da banca e do BdPÉ um tema pelo qual o governador tem de dar a cara, mas na verdade não é o Banco de Portugal que define sozinho a política monetária que desceu juros até menos de 0% durante anos, o que fez engordar os lucros da banca central (com os rendimentos das OT que compraram por exemplo). Esses lucros começaram a diminuir à medida que o BCE foi subindo as taxas de juro (tem de pagar mais aos bancos via taxa de depósito, por exemplo).Atualmente, o BdP podia dar prejuízo, mas tem almofadas herdadas dos anos precedentes que permitem aguentar o impacto negativo das contas por mais um ano ou dois, desde que não seja obrigado a subir fortemente os juros por causa de guerras e choques de energia, como aconteceu em 2022 e 2023.A nova sedeFoi um dos embates finais entre Centeno e Miranda Sarmento. A nova sede do BdP cuja construção já arrancou onde era a Feira Popular de Lisboa pode custar mais do que dizem os contratos, noticiou há dias o Observador.Os 190 milhões de euros estimados para a construção em bruto podem chegar a 280 milhões de euros se forem incluídos acabamentos e recheios vários. As Finanças pediram uma inspeção aos contratos e documentos relacionados. Santos Pereira vai ter de lidar de certeza com isto. O fim da grande obra está previsto para o final de 2027, estará o governador a meio do mandato.Euro digital e criptoativosDois grandes problemas e quebra-cabeças para os bancos centrais em geral, não só o português. O projeto arrancou no final de 2023 e pretende que dentro de anos, aparentemente antes de 2030, que os europeus tenham uma versão digital do euro emitida pelo BCE, como o dinheiro fisico em circulação.A ideia é poder haver euros digitais e estes poderem substituir parte dos euros físicos normais, uma forma de reduzir custos bancários e de agilizar os pagamentos entre pessoas e empresas. Para o governador português será uma operação de alta envergadura, para mais envolvendo ao todos quase 350 milhões de pessoas, o número de habitantes da Zona Euro.Finalmente, as criptomoedas. Desde o final de 2024, por causa de um vazio legal, que o Banco de Portugal deixou de supervisionar ou poder autorizar ou dar licenças a operadores de criptoativos. Santos Pereira vai saber o que pode fazer quando o ministro das Finanças legislar sobre o tema. Até lá, nada..Álvaro Santos Pereira é o novo governador do Banco de Portugal.Álvaro Santos Pereira. O antigo ministro dos pastéis de nata sucede a Centeno.OCDE nomeia Álvaro Santos Pereira economista-chefe da instituição