Vinhos: José Maria da Fonseca celebra 190 anos a faturar 35 milhões
O dia exato em que foi constituída a empresa ninguém sabe, mas há registo que, em 1834, o fundador, José Maria da Fonseca, aderiu à Associação Comercial de Lisboa. E assim ficou estabelecido que esse foi o ano da fundação da José Maria da Fonseca que aproveitou a inexistência de dia de aniversário para assinalar ao longo do ano de 2024, e em vários momentos, os 190 anos da sua existência. O também mais antigo produtor de Moscatel de Setúbal emprega hoje mais de 200 pessoas e é gerido pela sexta e sétima geração da família. A oitava está já à espreita: o filho mais velho de António Maria Soares Franco, o CEO da companhia de Azeitão, foi entronizado na Confraria do Periquita, a única confraria em Portugal dedicada a uma marca de vinho.
“Por tradição, cada familiar, quando chega aos 18 anos, entra para a Confraria. É um momento muito especial, que marca a entrada no mundo do vinho”, explica o CEO.
Nascida no ano que marcou o fim da guerra civil portuguesa, entre liberais e absolutistas, a JMF sobreviveu à monarquia, à implantação da República, a duas guerras mundiais, a uma revolução e a um sem número de crises e dificuldades. E o que explica a sua longevidade? António Maria Soares Franco aponta precisamente para o cariz familiar do negócio. “Estamos unidos não só pelo espírito, pela filosofia e pela estratégia do negócio, mas também pelos valores da família e acredito que isso ajuda a fazer perdurar as empresas no tempo. Isto sem esquecer que o próprio negócio do vinho se predispõe a esse espírito, é um produto nobre, com tanta paixão e tão ligada à terra, que é uma coisa que se ensina, que passa de geração em geração e nós cá estamos a prepará-lo para o entregar à 8ª geração”, acrescenta.
Geração essa que terá de provar o seu valor. “Não vai haver, certamente, espaço para todos, mas terão sempre que passar por outros empregos antes e terão que mostrar que são um valor acrescentado para a empresa. O mais importante é prepará-los e ensiná-los a serem acionistas, à partida todos o serão, e a aportarem valor ao negócio também na posição de acionistas”, refere António Maria. Numa empresa que avança a passos largos para o bicentenário, o estabelecimento de um Protocolo de Família, assinado por todos e onde todas as regras estão claras, foi um passo vital.
Voltando ao negócio, o Periquita, o vinho europeu mais vendido no Brasil, é também o mais antigo vinho de mesa português e um dos primeiros a ser engarrafado. E foi com o objetivo de “reforçar a identidade” da marca que foi feito um rebranding do Periquita, que está a chegar ao mercado com “uma nova imagem” que recupera elementos gráficos da garrafa mais antiga que a empresa tem na sua coleção, de 1880. “Todos os dias aparecem novas marcas no mercado, nacional ou externo, e nós temos uma história diferente de todas as outras e que merece ser contada e conhecida”, refere o CEO.
O gestor acredita que os resultados deste rebranding, mas também de alguns novos negócios que a empresa ganhou, designadamente na Suécia, permitirão que a JMF volte, este ano, aos 35 milhões de euros de faturação, o valor histórico que havia obtido em 2022. Para 2025, a meta é chegar aos 37 a 38 milhões. O objetivo é que as exportações valham já 55%, ganhando novo fôlego com os novos negócios já assinados e outros em vista no Brasil, EUA e Canadá.
Mas o mercado está difícil, não só porque a conjuntura económica levou a uma retração dos consumidores, que estão hoje “muito mais comedidos e racionais na compra”, mas também porque as campanhas antiálcool, lideradas pelos países do norte da Europa e pela Organização Mundial da Saúde, diz, não entendem que “o consumo moderado de vinho, enquadrado numa dieta mediterrânica, equilibrada, não é um prejuízo para a saúde”. Já para não falar do seu peso como “principal motor económico de algumas das regiões mais desfavorecidas” e do seu papel na coesão territorial, frisa.
Com uma adega “equipada com as mais modernas tecnologias”, é na renovação da vinha - 650 hectares, a maior parte deles plantados nos anos 90 - que se centram os investimentos previstos nos próximos dez a 15 anos. Em média a intenção é investir meio milhão ao ano, num total de cinco a sete milhões de euros.
E como imagina a empresa daqui por dez anos? “Com uma maior presença internacional. Hoje já temos uma pessoa em permanência no Brasil, acredito que no futuro reforcemos essa realidade, não sei bem em que moldes, eventualmente com escritórios de representação, não sei bem, ainda, só sei que teremos uma empresa bastante mais internacional do que é hoje”, sublinha António Maria Soares Franco.
Que recusa, no entanto, que essa internacionalização se possa fazer através da produção além-fronteiras. “O nosso coração é Portugal. Temos 650 hectares de vinha aqui e várias centenas de famílias às quais temos que pagar o salário ao fim do mês. Não sentimos ainda necessidade de ter operações de produção lá fora. Há tanto trabalho ainda a fazer com o vinho português que preferimos concentrar-nos no que temos. Temos castas únicas, fazemos vinhos diferentes, não vejo necessidade produzir noutros países”, sustenta.
Quanto ao enoturismo, a JMF é já visitada por mais de 40 mil pessoas, e admite replicar a experiência na restauração, que iniciou em 2020 com o Wine Corner , em Azeitão, noutras áreas do país, designadamente Lisboa. “Se calhar, mais um ano e podemos estar em condições de tomar essa decisão”, garante.