Verba insuficiente ameaça rede de arbitragem de consumo
O presidente do Centro Nacional de Informação e Arbitragem de Conflitos de Consumo (CNIACC) alertou, em entrevista ao DN/Dinheiro Vivo, para o facto de o financiamento inadequado estar a pôr em risco a sustentabilidade da rede de Centros de Arbitragem de Consumo. É neste sentido que Fernando Viana apela ao Governo para, em vez de unir esforços para aumentar o número de entidades que compõem este sistema, reconsidere as verbas que lhe são adjudicadas anualmente.
Tais declarações surgem após o Executivo liderado por Luís Montenegro ter estabelecido como ponto de trabalho no seu programa “criar condições para o alargamento e modernização da rede de Centros de Arbitragem de Consumo, designadamente no que concerne à sua presença territorial e através da criação de uma plataforma digital para resolução alternativa de litígios”. Esta rede, note-se, presta-se a resolver conflitos entre consumidores e empresas, por meio da mediação e da arbitragem, a um custo reduzido.
Atualmente, existem sete centros desta natureza em Portugal, sendo que um - o CNIACC - funciona supletivamente em todo o território. Os recursos financeiros que asseguram este serviço público incluem uma componente fixa, atribuída pelo Estado, através da Direção-Geral da Política de Justiça, e outra variável, à responsabilidade das entidades reguladoras dos serviços públicos essenciais, entre as quais a ANACOM (comunicações), AMT (transportes), ERSE (energia) e ERSAR (água).
“O financiamento do sistema, que é crucial para o seu bom funcionamento, é um dos problemas mais prementes que temos”, enfatiza o também presidente do Tribunal Arbitral de Consumo (CIAB). O montante adstrito à rede situa-se hoje entre os 160 e os 170 mil euros, distribuídos em partes iguais pelos centros, independentemente dos seus volumes processuais. Uma quantia que Fernando Viana classifica “ridiculamente baixa” e “insuficiente” para cobrir os custos operacionais, que rondaram 1,5 milhões de euros no ano passado.
Agravando a situação, os processos relacionados com os serviços públicos essenciais, “que são os que financiam a atividade”, têm vindo a estabilizar, enquanto outros, como, por exemplo, os associados a garantias, seguros, banca, contratos de empreitada e comércio eletrónico têm vindo a aumentar, sem que haja qualquer mexida na subvenção.
“Imagine-se que dão entrada mil processos. Destes, recebemos financiamento apenas para 500”, atira o responsável, ilustrando o desequilíbrio.
Fernando Viana explica que o Centro Nacional, em específico, enfrenta desafios únicos devido à sua ampla área de cobertura, abrangendo mais de 200 municípios, e à falta de financiamento autárquico (verba última que beneficiou outros pares, cuja competência territorial é delimitada). O assunto, afirma o responsável, já estava na mesa do anterior secretário de Estado da Justiça, tendo sido inclusive estudado e proposto um modelo para resolver a questão. “Com a queda do Governo, ficou em stand-by.”
Assim, “o que se pede ao novo Executivo é que retome o dossiê” e implemente as soluções necessárias para garantir o funcionamento adequado e contínuo da rede de arbitragem de consumo. E a solução, defende o presidente do CNIACC, não passa pelo alargamento, mas sim, pelo reforço do seu financiamento e competências: “Se o fizerem [criação de mais entidades], teremos mais por quem dividir as verbas. Penso que é preferível analisar a rede que existe, as virtualidades que ela tem e ponderar as competências que ainda pode exercer.”
Apesar do “grave problema financeiro”, a rede de arbitragem nacional recebeu aproximadamente nove mil processos em 2023, tendo sido o Centro de Lisboa (CACCL) responsável por 1984 e o CNIACC por 1132.
Fernando Viana adianta também que as sete instituições conseguiram arquivar um total de 9217 processos, o que significa que “o número de casos fechados foi superior aos que deram entrada”. Ora, destes arquivados, 7599 foram resolvidos - isto é, arquivados por mediação com acordo, conciliação ou sentença -, resultando numa taxa de resolução de 82%.
Os serviços públicos essenciais, mais concretamente, continuaram a ter um peso relevante neste volume, dando entrada no sistema 3846 processos, arquivados 3912 e resolvidos 3441, o que dá uma percentagem de resolução de 88%. Depois destes, a área de “maior conflitualidade” identificada pelo presidente do CNIACC é a que se prende com a compra e venda de bens de consumo, designadamente questões em torno das garantias, seguida pelos seguros, banca e comércio eletrónico.
A esmagadora maioria dos processos que deram entrada no exercício anterior “foram resolvidos no mesmo ano”, com todos os centros a registarem um prazo médio abaixo dos 90 dias estipulado por lei, destaca o responsável, acrescentando que, “em termos de resolução processual, não há muitos serviços na área da Justiça, ou até nenhum, que tenha os resultados que esta rede tem”.
mariana.dias@dinheirovivo.pt