As vagas de emprego diminuiram para níveis inferiores ao período pré-pandemia, ficando à volta das 95 mil, no final de 2024. As exceções à regra são os setores das tecnologias, engenharia e saúde, em que a falta de profissionais com competências nestas áreas continua a manter o nível de vagas elevado e a ser um desafio para empresas e organizações. As conclusão são de um estudo sobre as dinâmicas do mercado de trabalho português e europeu, da multinacional Robert Walters, especializada no recrutamento de quadros superiores.O que explica esta evolução num contexto de desemprego moderado em torno dos 6,2%? “Depois do ‘boom’ de contratações pós-pandemia, as ofertas de emprego têm baixado mês após mês, desde fevereiro de 2024, no sentido de uma estabilização, o que já era esperado, de certa forma”, contextualizou o diretor da Robert Walters para Portugal, David Ferreira, em declarações ao DN.Os dados oficiais do INE (Instituto Nacional de Estatística) indicam, contudo, uma oferta de emprego mesmo inferior à que se verificava antes da pandemia. Existiam 1,3 pessoas desempregadas por vaga em Portugal, um valor superior ao mínimo de 0,9 registado em 2022, mas abaixo da média de 2,5 das últimas duas décadas. “Em 2021, havia 40% mais vagas de emprego em Portugal do que antes da pandemia. Agora, o número de vagas está 8% abaixo dos níveis pré-pandemia.Em outubro de 2024, foram registadas cerca de 95.000 vagas em todos os setores, indicam os dados oficiais. Mesmo que já fosse esperada esta quebra na disponibilidade de emprego, ela está aquém da registada em vários países da União Europeia, com mais vagas disponíveis.Mas, lembra David Ferreira, “o mercado continua aberto e a gerar oportunidades de vantagens salariais para os trabalhadores das áreas das tecnologias, engenharias e saúde”, onde permanecem vagas por preencher. Nas áreas da engenharia, os profissionais que o mercado mais está a procurar são os ligados à construção civil e à chamada economia verde, para responder ao desígnio da transição energética. Já no setor da saúde, a procura incide não apenas sobre médicos e enfermeiros, mas, “muito em particular, em profissionais com competências na área da gestão da saúde e da análise de dados”, adiantou o responsável da multinacional de soluções de talento, especializada no recrutamento de quadros médios superiores.Essa é uma das razões pelas quais tanto as empresas portuguesas como europeias estão a contratar fora. “Enfrentando desafios como o envelhecimento populacional, escassez de competências, inflação salarial e elevados custos laborais, a contratação de talentos estrangeiros tem sido uma estratégia adotada para mitigar a escassez de mão-de-obra”, refere o relatório da Robert Walters, que analisa o mercado de trabalho em vários países. Neste aspeto, a Espanha liderou, empregando mais de 700.000 imigrantes em idade ativa nos últimos três anos. Em Portugal, “2023 foi um ponto de inflexão demográfico, pois Portugal sofreu uma desaceleração no crescimento populacional natural, com uma redução significativa no número de nascimentos”. Por isso, “o investimento em requalificação, mobilidade interna, planeamento sucessório e na contratação de profissionais de outros setores ou países será essencial para enfrentar os desafios futuros”, recomendam os especialistas da consultora global de Recursos Humanos. “Este fenómeno destaca a necessidade urgente de políticas que promovam a atratividade do país para jovens talentos, tanto nacionais como internacionais, e que incentivem a fixação destes profissionais qualificados”. Nesta matéria, o relatório lembra que países do leste europeu têm conseguido exercer maior atratividade do que alguns países ocidentais.Imigrantes versus saldo migratórioA economia nacional já está a recorrer em força à mão-de-obra estrangeira em vários setores de atividade, tanto em trabalhos não qualificados como qualificados. Para lá dos setores clássicos da hotelaria, agricultura e construção, também as tecnologias têm “uma percentagem de trabalhadores estrangeiros particularmente significativa”, indica aquele estudo.A percentagem da população estrangeira tem aumentado progressivamente, passando de menos de 6% em 2006 para cerca de 9,4% em 2021, e estimando-se que possa já ser próxima dos 15%. Com efeito “em 2023, cerca de 130.000 pessoas imigraram para Portugal”. Mas, isso não corresponde ao total de mão de obra disponível, pois nesse mesmo ano perto de 65.000 emigraram, aponta o relatório.Este movimento cruzado “resultou numa migração líquida de cerca de 70 mil no ano passado”, indica o estudo.Os jovens portugueses que emigram procuram, sobretudo, melhores salários, mas também hipóteses de uma mais rápida progressão na carreira. E isso também explica, em parte, o número crescente de nacionais a viverem fora.Em 2021, cerca de 1,5 milhões de portugueses viviam no estrangeiro, com destaque para países como França, Suíça, Reino Unido e Estados Unidos, entre os quais se contam os que mais beneficiam dos investimentos educativos feitos em Portugal. O problema demográficoO desajuste entre a oferta de emprego e as competências disponíveis no mercado português podem explicar-se por um conjunto de razões. A demografia e o desequilíbrio etário, com mais ativos a aproximarem-se da idade da reforma do que aqueles que ingressam no mercado de trabalho é uma das principais causas, aponta o estudo. “Por causa do envelhecimento da população, entre os 18 e os 67 anos o talento disponível é desiquilibrado”, diz David Ferreira. O problema não é apenas nacional, mas um padrão europeu.Uma outra razão tem a ver com o “défice de requalificação profissional dos trabalhadores portugueses ao longo da vida e que, em parte, também é sua responsabilidade, no sentido da atualização permanente, nomeadamente para acompanhar as transformações tecnológicas”.Do lado do Estado e das políticas públicas, David Ferreira considera que “é necessário um maior investimento na formação, requalificação e apoios para a mudança de profissão, que permitam uma melhor adaptação às novas necessidades do mercado”. Nesta matéria, o relatório destaca como positivas algumas medidas recentes, quer de apoiar o regresso de jovens emigrantes qualificados iniciativa do executivo PS quer de incentivos fiscais, como o IRS Jovem, no sentido de tentar reter a mão-de-obra mais qualificada em Portugal, executada pelo atual governo da AD.Por último, cabe às empresas e às organizações trabalhar de forma contínua “o desenvolvimento de competências, apostar na mobilidade interna e, quando necessário, com reposicionamento geográfico”. No seu conjunto, estas apostas contribuiriam para esbater o atual desajuste entre a oferta e a procura. O papel das gigantes tecnológicasUma das razões pelas quais a apetência pelas competências tecnológicas é tão expressiva em Portugal também tem a ver com a transferência para o país de serviços de gigantes como a Google, Microsoft, AWS, Oracle e Cisco, “que estão todos a contratar em Lisboa”. Enquanto “a Vestas, a SAP, a Revolut e a Finastra continuam a expandir-se na cidade do Porto. A procura está também a ser impulsionada por mais de 2.500 startups e scaleups registadas, incluindo unicórnios como a OutSystems e Farfetch”, contextualiza o relatório.“Portugal beneficiou de uma série de centros tecnológicos estabelecidos na Europa, nomeadamente em cidades como Dublin e Berlim, ou até mesmo em países como a Polónia, alcançando um ponto de viragem nos custos com os empregadores e salários médios. Como tal, as tecnológicas multinacionais e locais, procuram capitalizar o salário médio mais baixo do país, um conjunto de talentos qualificados, a grande população estudantil, da qual 90.000 se formam a cada ano, e a sua posição como porta de entrada para os mercados europeus e latino-americano”.