Uma prestação da casa de 860 euros deve cair 15 com nova descida do BCE, mas alívio pode parar em abril
As taxas de juro finais cobradas pelos bancos portugueses nos empréstimos para a compra de casa devem descer mais um pouco na sequência da decisão de ontem (quinta-feira) do Banco Central Europeu (BCE), que reduziu a sua taxa de juro de referência (a principal, a chamada facilidade de depósito), de 2,75% para 2,5%.
Mas há um senão: após a reunião, a presidente do BCE deixou um aviso novo à navegação. É que no ambiente em que estamos, de crise latente nos preços por causa das guerras (militares e comerciais), a inflação pode exigir uma pausa na descida dos juros. Christine Lagarde falou dessa eventualidade. O BCE pode ter de parar a descida de juros já na próxima reunião, em abril.
Seja como for, este passo do BCE ontem decidido em Frankfurt, tem implicações positivas nos orçamentos dos consumidores. Em Portugal, uma família que peça um empréstimo para comprar casa no valor de 160 mil euros, assinando um contrato com o banco a 30 anos, pode ver a taxa anual de juro e encargos efetiva global (TAEG) -- a taxa final (spread do banco onde estão margens várias, comissões, mais a taxa de juro de mercado Euribor) -- cair cerca de 0,15 a 0,2 pontos percentuais face aos níveis praticados atualmente.
Hoje, no caso simulado, a TAEG deve andar nos 5%. Com a descida anunciada pela presidente Lagarde, a mesma taxa final sentida pelo cliente, no mesmo crédito hipotecário, com a mesma maturidade de 30 anos, pode descer até 4,85% ou 4,8%.
O valor não é certo, depende muito dos bancos que competem neste mercado.
Um redução na TAEG de 0,15 a 0,2 pontos percentuais é a que se verifica na sequência dos cortes de 0,25 pontos do lado do BCE, segundo um levantamento mais exaustivo feito pelo DN/Dinheiro Vivo com recurso às séries históricas do Banco de Portugal.
Assim, para um empréstimo onde falte amortizar 160 mil euros (a 30 anos), a prestação atual (antes do efeito da decisão do BCE) dá uma TAEG próxima de 5%, o que equivale a uma prestação mensal de quase 860 euros.
Se o alívio de 0,15 pontos acontecer, e é altamente provável que assim seja, a TAEG pode cair para cerca de 4,85%, descendo o referido encargo mensal do cliente bancário para 845 euros. Serão menos 15 euros por mês; se for um pouco melhor que isso e a TAEG aliviar para 4,8%, o devedor fica a pagar 840 euros, menos 20 euros mensais, segundo os nossos cálculos.
Sexta descida de juros em menos de um ano
A descida de taxas ontem (quinta-feira) anunciada foi a sexta em menos de um ano, desde o máximo histórico de 4%, que esteve em vigor entre setembro de 2023 e junho do ano passado para tentar reduzir a inflação. Esta variação dos preços nos consumidores chegou a atingir 10,6% em outubro de 2022, na sequência da invasão da Ucrânia pela Rússia.
O mandato/objetivo do BCE é manter a inflação estável em 2%. Tem sido difícil de cumprir com tantas crises, incertezas e volatilidade nos últimos anos.
Com o aumento brutal de juros do passado, a inflação, traduzida no indicador que mede a variação anual/homóloga de preços, acabou por cair muito, tendo tocado em 1,7% em setembro do ano passado. Depois subiu um pouco, mas em janeiro foi 2,5% e em fevereiro desceu novamente para 2,4%, segundo o Eurostat.
O preço a pagar por isto foi um forte abrandamento da atividade económica.
Mas, a “nuvem de incerteza” voltou a formar-se e é agora uma ameaça muito pior do que se pensava em dezembro.
Por isso, o debate do conselho de governadores do BCE foi especialmente marcado pelos riscos, pelas ameaças de tarifas comerciais brutais de Donald Trump, Presidente dos Estados Unidos, e pelas guerras militares que não cessam.
Segundo deixou antever Lagarde, o debate em Frankfurt debruçou-se sobre a alta incerteza que paira na Europa e no mundo e chegou a refletir-se se esta vaga (alimentada essencialmente pelas retórica e decisões de Trump) “é enorme ou fenomenal?”, atirou a presidente do BCE na conferência de imprensa.
A resposta da própria foi: “estamos totalmente rodeados de riscos e incerteza”, “a situação que temos hoje é uma nuvem de incerteza” que paira sobre nós.
Por isso, relativamente ao rumo futuro das taxas de juro para responder a tanta volatilidade, Lagarde disse que “temos de ser extremamente vigilantes e ágeis a agir”. “Se os dados disserem que é para cortar [taxas de juro], cortamos. Se disserem que não é para cortar, então faremos uma pausa”, avisou.
Resumindo: a economia da Zona Euro iria crescer a um ritmo de 1,1% este ano, julgava o BCE há três meses, mas com a escalada da hostilidade dos Estados Unidos da América nas tarifas alfandegárias contra várias economias (México, Canadá, China, União Europeia), a previsão de crescimento da área do euro cai de forma notória, para cerca de 0,9% este ano, prevê agora o BCE.
Já a inflação prevista para este ano foi revista em alta, de 2,1% em dezembro, para 2,3%.
Segundo explicou Christine Lagarde, “a incerteza elevada” nas políticas comerciais/tarifárias está a assustar empresários e investidores, prejudica as exportações e o investimento deste ano e do próximo, é o que explica melhor a revisão em baixa do crescimento. E também não abona nada em prol da desejada recuperação da confiança dos consumidores.