Os tripulantes de cabine querem ver a profissão reconhecida no regime legislativo que enquadra as profissões de desgaste rápido. O objetivo é que os comissários e assistentes de bordo, chefes e supervisores de cabine que exerçam a sua atividade a bordo de aeronaves possam usufruir de condições especiais no acesso à reforma antecipada, como acontece já com várias profissões abrangidas por este regime, nomeadamente os pilotos e controladores de tráfego aéreo.As condições físicas e emocionais desafiantes da profissão, que implicam horários disruptivos e exposição à radiação, são alguns dos fatores que sustentam a argumentação do Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil (SNPVAC), que alerta para um maior risco de exposição desta classe profissional a doenças oncológicas, musculoesqueléticas, auditivas e do foro psicológico.“As diferenças horárias, o jet lag e as perturbações ao nível do sono provocam danos consideráveis a médio e longo prazo. Trabalhamos a grandes altitudes e estamos sujeitos a uma maior radiação, o que tem alguma ligação com casos de doença oncológica que têm surgido nestes profissionais. É também conhecida a baixa fertilidade e a elevada incidência de abortos espontâneos na classe”, enumera ao DN o presidente da estrutura sindical, Ricardo Penarroias.Esta não é a primeira vez que o SNPVAC quer levar a discussão à Assembleia da República. Em 2007, os representantes dos tripulantes encetaram negociações com o então secretário de Estado das Obras Públicas e Comunicações, Paulo Campos, para a criação de uma comissão técnica com vista a analisar a antecipação da idade de reforma para os 60 anos. Mais recentemente, em 2019, o SNPVAC entregou uma petição com 13 mil assinaturas no Parlamento na qual pedia a redução da idade da reforma em sete anos face à prevista na lei ou a reforma imediata, por opção e sem penalizações, para quem acumulasse 35 anos de serviço.Com o tema de novo inscrito na lista de prioridades da estrutura sindical, o SNPVAC diz-se “disponível” para trabalhar num modelo flexível que não contemple “uma solução fechada” podendo seguir uma via variável de redução consoante os anos de desconto de cada trabalhador.O sindicato tem reunido com os vários grupos parlamentares de forma a “sensibilizar” os deputados para as reivindicações por via da apresentação de estudos médicos e de exemplos internacionais semelhantes. Em vários países da Europa a profissão de tripulante de cabine beneficia de condições excecionais no que respeita ao acesso da pensão de velhice. São exemplos a França, os Países Baixos ou a Itália. Recentemente, em Espanha, um acórdão do Tribunal Social de Tenerife estabeleceu um coeficiente de redução de 30% para a idade legal de reforma, abrindo um precedente para mais de 30 mil tripulantes de cabine que podem agora beneficiar de acesso antecipado à reforma no país.Para já, o SNPVAC está também a aguardar o parecer do grupo de trabalho criado pelo Governo para avaliar e atualizar as profissões de desgaste rápido e cujas conclusões deverão ser conhecidas no final do próximo mês. “Aguardamos as conclusões e esperamos resultados positivos. Caso não sejam, iremos atuar por outras vias para dar seguimento a este reconhecimento, que só peca por tardio”, garante Ricardo Penarroias.Recorde-se que este grupo, coordenado pela Direção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho (DGERT) , conta também com representantes da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), da Direção-Geral da Segurança Social, do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), do Instituto da Segurança Social (ISS) e da Direção-Geral da Saúde (DGS)..Pilotos e controladores têm regime de exceção.Atualmente, são várias as profissões no país que beneficiam do regime de desgaste rápido. Ainda dentro do espetro da aviação, os pilotos-comandantes e copilotos de aeronaves operadas em serviços de transporte público comercial de passageiros, carga ou correio têm acesso à pensão de velhice aos 65 anos, conforme definido no Decreto-Lei n.º 156/2009. Já os controladores de tráfego aéreo podem beneficiar da reforma antecipada aos 60 anos.O dirigente do SNPVAC assegura não compreender a diferenciação entre estas profissões e os tripulantes de cabine que estão, igualmente, e comparativamente aos pilotos, sujeitos aos mesmos níveis de desgaste físico e psicológico.Leitura semelhante tem o advogado especialista em Direito Laboral, Pedro da Quitéria Faria. “A profissão de um tripulante de cabine é daquelas que me faz todo o sentido que pudesse fazer parte da listagem de profissões de desgastes rápido e da reforma antecipada, sem qualquer penalização, pela especificidade da função. Trabalhar no meio aéreo é absolutamente diferente de trabalhar em terra e exige planeamentos e horários absolutamente diferenciados de tantos outros setores da economia. Não vejo nenhuma razão pela qual os pilotos tenham essa diferenciação positiva e os tripulantes de cabine não tenham”, refere o sócio da Antas da Cunha Ecija. .Médicos, enfermeiros e trabalhadores da Autoeuropa também pedem estatuto.Os tripulantes de cabine não são a única classe profissional a exigir o reconhecimento do regime das profissões de desgaste rápido. No final de janeiro foram chumbados cinco projetos de lei na Assembleia da República que defendiam as pretensões dos enfermeiros relativamente ao estatuto. As iniciativas legislativas tinham por base uma petição entregue ao Parlamento pelo Sindicato dos Enfermeiros, com mais de 15 mil assinaturas, que pedia o acesso à reforma antecipada para estes trabalhadores aos 55 anos.Ainda na esfera da saúde, a Ordem dos Médicos também já deu passos no sentido de levar à discussão política o reconhecimento do regime para estes profissionais através de um parecer entregue no âmbito da discussão do Orçamento do Estado para este ano. Em curso está ainda uma petição que conta com 10 mil assinaturas. O Bastonário, Carlos Cortes, adiantou já que este seria um passo essencial para fixar médicos no SNS, justificando este pedido de classificação com o elevado desgaste e risco a que os médicos estão sujeitos, relembrando, ainda, a expressiva carga horária e o regime de turnos aplicado à profissão.A discussão estende-se à indústria automóvel com os trabalhadores da Autoeuropa a exigirem o acesso à reforma antecipada para profissionais a partir dos 55 anos e 20 anos de turnos, sem quaisquer penalizações. O Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Transformadoras, Energia e Atividades do Ambiente do Sul (Site-Sul) informou que mais de 1000 trabalhadores do Parque Industrial da Autoeuropa realizarão um dia de greve na altura em que a petição pelo reconhecimento do desgaste rápido na indústria automóvel, entregue na Assembleia da República, for discutida. Nesse dia estes trabalhadores irão reunir-se à porta do Parlamento.No mesmo capítulo encontra-se a Federação Intersindical das Indústrias Metalúrgicas, Químicas, Elétricas, Farmacêutica, Celulose, Papel, Gráfica, Imprensa, Energia e Minas (Fiequimetal), que entregou, no ano passado, 12 mil assinaturas de forma a ver discutido o reconhecimento da condição de desgaste rápido, para um conjunto de profissões, em setores de atividade como a metalurgia, a química e a fabricação de material elétrico e eletrónicoJá os bombeiros viram aprovado na generalidade, no passado mês de outubro, o reconhecimento da profissão no regime de risco e desgaste rápido.Além dos pilotos e controladores de tráfego aéreo, têm atualmente acesso a este estatuto com condições excecionais de obtenção de reforma os trabalhadores do interior das minas, das lavarias de minério e os trabalhadores da extração ou transformação primária da pedra, as bordadeiras de casa na Madeira, os profissionais de bailado clássico ou contemporâneo, os trabalhadores portuários integrados no efetivo portuário nacional, os trabalhadores da Empre- sa Nacional de Urânio, os trabalhadores inscritos marítimos da Marinha do Comércio de longo curso e os trabalhadores inscritos marítimos que exercem atividade na pesca.