TAP quer reduzir peso dos custos salariais e está a negociar com os trabalhadores.
TAP quer reduzir peso dos custos salariais e está a negociar com os trabalhadores.Jorge Amaral / Global Imagens

Técnicos de manutenção da TAP avançam para greve. Cancelamentos ameaçam verão

Paralisação será de quatro dias em junho e julho e inclui greve ao trabalho suplementar por tempo indeterminado. Em causa está o não-pagamento dos aumentos salariais acordados com a administração da companhia.
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O Sindicato dos Técnicos de Manutenção de Aeronaves (SITEMA) vai emitir, esta quarta-feira, 29, um pré-aviso de greve de quatro dias a todo o trabalho prestado na TAP nos dias 21 e 28 de junho e 5 e 12 de julho e ao trabalho suplementar e deslocações em serviço a partir do dia 18 de junho e por tempo indefinido. A paralisação abrange 700 técnicos de manutenção de aeronaves (TMA) da TAP e 80 da Portugália associados da estrutura sindical e visa “pressionar a empresa a cumprir as obrigações acordadas e a valorizar devidamente os esforços adicionais dos trabalhadores” no âmbito do novo acordo de empresa (AE), assinado em dezembro e publicado no Boletim do Trabalho e Emprego (BTE) no passado mês de fevereiro. Em causa está o não pagamento dos aumentos salariais de 6% definidos para este ano. O SITEMA acusa a TAP de “inércia e falta de respeito pelos direitos dos trabalhadores” face aos compromissos assumidos no AE.

A transportadora quer dar um passo atrás e renegociar alguns aspetos do documento com os trabalhadores, de forma a aliviar o peso da massa salarial na operação, depois de ter dado luz verde aos aumentos das remunerações no ano passado. O SITEMA garante não ceder.

“A TAP está a incumprir a aplicação do AE. Dizem que não há margem para aumentos e querem negociar. Fizeram-nos uma proposta ridícula para avançar com a concretização do aumentos apenas após o fim do ano. Não estamos disponíveis para negociar aquilo que já o foi anteriormente, não foi isso que as pessoas votaram e não temos outra alternativa a não ser avançar com este pré-aviso de greve”, justifica ao DN/Dinheiro Vivo o presidente da estrutura sindical. Jorge Alves diz que o novo AE “não é espetacular” tendo sido aprovado, em assembleia-geral, por pouco mais de 60% dos associados. “As pessoas não vão aceitar, mais uma vez, serem os parentes pobres disto”, garante.

Quanto às disrupções da paralisação, o sindicalista atesta que o objetivo “não é fazer mossa na empresa”, mas acredita que o protesto venha a originar distúrbios na operação e cancelamentos de voos face à ausência de profissionais que assegurem a manutenção dos aviões. “No dia em que ficarem com um avião no meio de África vai ser muito difícil tirá-lo de lá, como já aconteceu noutras greves anteriores. Terá de ser com recurso a outros colegas de outros sindicatos que não farão greve - e acontece com alguma frequência porque os aviões avariam. Temos outros compromissos, aviões que vão deixar de estar disponíveis para voar porque não saem do hangar a tempo. É possível que haja cancelamentos e, se chegarmos a fazer os quatro dias inteiros de greve, a TAP tem de mudar tudo em termos de manutenção para conseguir operar os voos e às vezes não é possível”, antevê o sindicalista.

Recorde-se que a TAP encetou negociações durante mais de um ano com os trabalhadores para assinar os novos AE que vieram substituir os acordos temporários de emergência (ATE), que vigoraram desde 2021, no âmbito do plano de reestruturação aprovado pela Comissão Europeia, ainda sob liderança de Christine Ourmières-Widener. Coube a Luís Rodrigues conduzir as negociações com os representantes dos trabalhadores e restaurar a paz social na empresa. Mas o cenário de turbulência voltou à companhia depois de, no final do ano passado, o antigo ministro das Finanças, Fernando Medina, ter dado ordens ao CEO da transportadora aérea para cortar os custos com o pessoal, argumentando que a empresa está a incumprir as métricas definidas pelo plano de reestruturação. O rácio entre a massa salarial e as receitas estava, no final de 2023, nos 21%, acima dos 19% estipulados no documento de Bruxelas, de acordo com a informação veiculada pela transportadora aos sindicatos.

“A TAP diz que quer baixar a massa salarial mas tão depressa diz que o excedente são 70 milhões de euros como aponta 80 milhões de euros. Não nos dão números certos e nunca tivemos nenhuma reunião com o responsável financeiro da empresa [Gonçalo Pires]”, acusa Jorge Alves. Contactada, a companhia aérea adianta apenas que “o processo [de negociação com os sindicatos] decorre como previsto”.

O presidente do SITEMA diz não entender as contas apresentadas pela companhia. “Não conseguimos perceber porque é que 16% das pessoas levam 55% da massa salarial e porque é que não há dinheiro para os outros. Fizeram acordos com os pilotos e com o pessoal navegante que não podem sustentar e agora estão a querer ir buscar dinheiro a todo o lado”, acusa.

Negociações continuam

Luís Rodrigues começou a apertar o cinto no início do ano e os pilotos foram os primeiros - e até agora os únicos - a ceder ao apelo da administração para reduzir custos, ao aprovarem o congelamento dos aumentos salariais de 3% definidos para 2024 e 2025. Ainda assim, esta classe de trabalhadores tem estado debaixo de fogo depois de ter sido tornado público que a companhia aérea irá pagar, em maio e junho, uma compensação de seis salários-base extraordinários aos pilotos, como indemnização por ter ultrapassado, em 2023, o limite de contratação externa de voos previsto no AE do Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil (SPAC), conforme noticiou o jornal Expresso, que avançou com um impacto de 60 milhões de euros nas contas da companhia. O representante do SITEMA lamenta que a TAP “não tenha negociado este pagamento com os pilotos no AE” e indica que “não terão de ser os técnicos de manutenção a pagar por isto”. Também o presidente do Sindicato dos Trabalhadores e Aviação (SITAVA) atesta que a situação “revoltou o pessoal de terra”. “Para uns há dinheiro a rodos e para outros temos de diminuir? Não me parece que haja muito caminho para isso”, aponta Paulo Duarte. Para já, o sindicalista diz aguardar que a TAP cumpra as obrigações estipuladas nos AE e adianta que, até agora, não foi chamado pela administração para renegociar o documento.

Já o porta-voz dos pilotos, Tiago Faria Lopes, assegura que a transportadora irá cumprir o pagamento dos salários compensatórios e defende-se das críticas afiançando que “os pilotos perderam mais do que ganharam nas negociações com a TAP”. “Abdicámos dos aumentos salariais, da majoração definitiva dos feriados e da majoração temporária dos voos noturnos até ao final de 2025”, enumera o presidente do SPAC ao DN/Dinheiro Vivo.

Do lado dos tripulantes, que definiram não receber aumentos salariais até 2026, as conversas com a administração estão a decorrer “numa lógica de entender a parte operacional e perceber o que tem existido de ganhos ou não por parte da empresa com o AE”, enquadra o presidente do Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil (SNPVAC), reiterando ser ainda prematura qualquer “avaliação sobre o impacto dos AE” uma vez que estes “vigoram há menos de seis meses”. Ricardo Penarroias refere que “para perceber as pretensões da empresa” a TAP terá de “justificar, a nível financeiro, o desvio que refere de forma oficial”, cenário que ainda não aconteceu. Nas reuniões, a administração apresentou algumas propostas aos tripulantes como o adiamento dos prazos para a entrada em vigor de algumas rubricas do AE o que resultará ”num impacto financeiro nas contas da empresa”. “O AE está publicado e foi aprovado pelos associados, qualquer medida que vá contornar ou ser diferente do que está definido terá de ter a aprovação em assembleia”, ressalva o representante dos tripulantes.

rute.simão@dimheirovivo.pt

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