A Região Demarcada do Douro atravessa tempos difíceis, com os excedentes de vinho a colocarem em causa as compras das empresas exportadoras na próxima vindima. A Symington Family Estates, principal proprietária de vinhas no Douro - com 25 quintas que totalizam mais de 2500 hectares, dos quais cerca de mil são de vinha -, lamenta que a situação tenha chegado a este ponto e lembra que tem vindo a alertar para o problema há vários anos, sem qualquer sucesso. Agora, Charles e Rob Symington, os novos co-CEO do grupo, recusam ser acusados de falta de solidariedade com os viticultores durienses. “A responsabilidade de resolver o problema dos excedentes no Douro não pode ser nossa”, diz Charles. O seu primo, Rob, acrescenta que a empresa está a “chegar ao limite da sua rentabilidade” e que não pode tomar “decisões suicidas”.Em causa está o facto de a Symington, que é dona de marcas históricas como a Graham’s, Cockburn’s, Dow’s e Warre’s, ter informado os 650 viticultores com quem trabalha regularmente, que não tem condições, na próxima vindima, de lhes comprar toda a produção de uva. O grupo compromete-se a ficar com todas as uvas com benefício, ou seja, as que podem ser usadas para Vinho do Porto, mas não com as restantes. E explica porquê. “Quando eu comecei a trabalhar, há 30 anos, passei os primeiros 5 ou 6 anos no Douro, com o meu pai, a fazer contas se íamos ter uvas suficientes para fazer o Vinho de Porto de que precisávamos. Por que é que os vinhos DOC Douro [denominação de origem controlada] não existiram até ao final do século passado? Porque não havia uvas para existirem, porque o Vinho do Porto era claramente mais interessante, logo, não havia excedentes”, diz Charles Symington, da quarta geração da família na empresa, cujas origens remontam a 1882.O problema é que, desde o início do milénio, as vendas totais de Vinho do Porto caíram 30%, passando de 95 milhões de litros (ou 10,5 milhões de caixas de 9 litros, a unidade mais usada pelo setor) para 63 milhões de litros em 2024 (cerca de sete milhões de caixas), o que libertou uva para a produção de vinhos de mesa, DOC Douro e outros. A questão é que o preço de granjeio das uvas é igual, quer seja para Vinho do Porto, ou do Douro, mas o preço a que é pago ao viticultor é praticamente metade. Ou até menos, na atual conjuntura em que os excedentes se acumulam, ano após ano.“A realidade é que o consumo de vinho tinto, ao nível mundial, baixou 25% nos últimos 30 anos. O Douro é uma região predominantemente de tintos e há lagos de vinho tinto a nível mundial neste momento. Portanto, quando nos perguntam porque vamos comprar menos, a resposta é muito simples: porque não temos onde o meter”, explica Charles. E acrescenta: “São milhões de litros que nós comprávamos antigamente e que vendíamos a granel. Não era um negócio para ganhar dinheiro, era um serviço que dávamos aos nossos agricultores e que pagávamos em função daquilo que conseguíamos receber pela venda desses vinhos. Agora, o problema é que, nem perdendo dinheiro, nos conseguimos desfazer desses vinhos.”O Vinho do Porto obedece a regras muito restritas. Uma delas é a Lei do Terço, instaurada em 1986, e que estabelece que cada empresa só pode vender um terço do que tem em stock. Ou seja, por cada garrafa vendida, tem de ter duas em armazém, numa lógica de proteção da denominação de origem e de fomentar o envelhecimento dos vinhos. No caso da Symington, e porque tem vindo a apostar crescentemente na premiunização dos seus vinhos, como forma de fugir das categorias mais concorrenciais, o grupo opera habitualmente numa lógica de quatro para um. O que significa que, quando vende menos uma garrafa, são quatro que ficam em armazém. “Isso, conjugado com o facto de, nos últimos quatro ou cinco anos, os benefícios [a produção autorizada de Vinho do Porto num determinado ano] terem sido substancialmente maiores do que aquilo de que o setor precisava, faz com que estejamos com stocks muito elevados, a chegar perto dos cinco para um, o que não faz sentido nenhum. Precisamos de reequilibrar a situação”, afiança. Em termos globais, o setor deverá atingir, este ano, uma capacidade de vendas disponível de 52%, o que significa que as vendas de Vinho do Porto poderiam duplicar e, mesmo assim, cumprir a Lei do Terço. “É uma enormidade, nunca tal existiu”, sustenta.Quebras acentuadas nos últimos anosRob, da quinta geração da família, partilha a presidência executiva, tendo a seu cargo as áreas mais ligadas ao comércio, e lembra que, só nos últimos três anos, as vendas totais de Vinho do Porto, em volume, caíram 7,7% em 2022, mais 6,7% no ano seguinte e 3% em 2024. O que significa que a categoria perdeu, no acumulado dos três anos, 1,4 milhões de caixas (17 milhões de litros). Em valor a perda foi menor - passou de 391 milhões de euros, em 2021, para 363,3 milhões em 2024, mas “muito disto foi inflação, em termos reais a perda foi maior”.O Grupo Symington, que tem uma quota de mercado de 23% no ‘Porto’, acompanhou o setor, ou seja, perdeu quase um quarto das vendas nestes últimos anos. O grupo faturou 102 milhões de euros em 2024, um valor inferior ao registado no ano anterior, com o ‘Porto’ a pesar 80%. Os restantes vinhos - a Symington tem já propriedades no Alentejo e nos Vinhos Verdes -, 10% e o enoturismo outros 10%. Este ano está “em linha” com o período homólogo, no entanto, Rob lembra que isso não é necessariamente bom - já 2022, 2023 e 2024 foram “anos terríveis”, com perdas de 20% no Reino Unido, à custa do aumento dos impostos sobre o álcool, e muito significativas nos EUA, por via dos excessos de stocks que os grandes distribuidores acumularam durante a covid e que levaram tempo a escoar. Para este ano, o objetivo é crescer 6%, mas, com a conjuntura internacional no estado em que está, Rob Symington assume que se conseguirem atingir os 102 milhões do ano passado, “não será um resultado mau, apesar de tudo”.Sobre os excedentes acumulados pelo grupo, Rob é perentório. A estratégia de compra de 100% das uvas dos seus viticultores era vital para assegurar que o grupo tinha uvas de qualidade para os seus ‘Porto’, mas o excesso de vinho no mercado torna a situação incomportável. “Nos últimos três anos começámos a ter prejuízos enormes, de mais de um milhão de euros. Em 2024 ainda não sabemos bem, mas terá sido, talvez, meio milhão de euros. A única razão para comprarmos uvas de que não precisávamos era para ajudar os nossos lavradores, mas já estamos a chegar ao limite da rentabilidade desta empresa. Não podemos tomar decisões suicidas”, sublinha.O “mais frustrante”, diz, é que há 10 ou 15 anos que o grupo tem vindo a alertar, pelos canais oficiais e publicamente, “para o que ia acontecer, e nada mudou” na região. “Sempre dissemos que, se nada fosse feito, iríamos assistir a um abandono em massa no Douro. E isso vai acontecer, daqui a três, quatro ou cinco anos. A questão é se queremos que seja uma transformação controlada ou descontrolada. Queremos ter um plano ou esperamos simplesmente que o comboio vá contra a parede”, questiona.Charles concorda, até porque, garante, esta decisão de não comprar as uvas para DOC Douro “representa menos de 1% da produção total” da região. “Temos uma quota de mercado pequena, o nosso impacto na região em termos do DOC Douro não é muito grande. De qualquer forma, a responsabilidade de resolver o problema dos excedentes no Douro não é nossa”, sublinha. Por outro lado, diz, tudo isto é uma consequência da queda das vendas de vinho do Porto, mas as pessoas continuam a focar-se muito no DOC Douro. “Parece que não se quer ver, ou assumir, que o que paga as contas é o Vinho do Porto. O DOC Douro não paga contas nenhumas.”Sobre as soluções, estes responsáveis garantem que as têm apresentado pelas vias oficiais. “Das propostas que estão em cima da mesa, através da Associação das Empresas de Vinho do Porto, a que me parece ser mais viável e que faz mais sentido é permitir ao agricultor ‘abandonar’ 40% da sua área de vinha e concentrar o benefício na área restante. Claro que isto seria opcional, mas permitir-lhe-ia reduzir os custos de produção e ter uma produção mais rentável. Porque mesmo que ele queira manter algumas uvas para DOC Douro, ou seja, deixar só 30% das vinhas por granjear, por exemplo, estas vão valer muito mais”, refere Charles, explicando que “esta proposta tem a grande vantagem de não custar nada a ninguém, não são precisos apoios”. Uma medida que não tem colhido grande aceitação, reconhece, junto do poder político. “Dizem que se a área de vinha no Douro reduzir, vai reduzir a população, o que é um absurdo. A população da região não tem a ver com a área, tem a ver com viabilidade económica. Ninguém vai continuar a perder dinheiro, ano após ano. E a prova disso está à vista. Entre os últimos dois Censos, o Douro perdeu 10% da sua população, mas a área vitícola está lá toda”, lembra.Quanto aos preços praticados, na ordem dos 900 a 1000 euros a pipa (550 litros) de mosto para Vinho do Porto e dos 150 aos 400 euros para vinho regional ou DOC Douro, que são da mesma ordem de grandeza, quando não inferiores, aos praticados há 20 anos, o co-CEO da Symington considera que é normal que assim seja, quando não há um mercado concorrencial e quando a oferta é superior à procura. “Os preços não podem subir por uma questão de moral social, têm de subir em consequência do funcionamento do mercado, o problema é que este não é um mercado concorrencial, é controlado”, subscreve Rob Symington. ENTREVISTA:“Não diversificamos para fugir do Douro. O nosso core foi sempre e vai continuar a ser o Douro”Charles e Rob Symington, copresidentes executivos desde o início do ano, falaram ao DV sobre a sua visão de futuro para a empresa centenáriaO Vinho do Porto tem futuro, num mundo em que os consumidores procuram crescentemente vinhos leves e frescos?Rob Symington - Claro que tem. O ‘Porto’ nunca foi um vinho de uso diário, para a maioria dos consumidores é para os momentos especiais, temos que aceitar onde estamos. E não é um mau sítio para estar. Em Inglaterra, o Vinho do Porto é sinónimo de Natal e temos de defender este território e fortalecê-lo. A tendência mundial é para consumir menos, mas melhor e, por isso, temos seguido esta estratégia de premiunização do nosso negócio, com menos volume, mas mais rentável. E a região do Douro tem que seguir o mesmo caminho.A diversificação que o grupo tem feito nos últimos anos tem a ver com isso?Charles Symington - Sim, o plano estratégico que definimos até 2035 estabelece a vontade de sermos uma referência premium em todas as regiões em que estivermos a operar. Foi nessa lógica que compramos a Quinta da Fonte Souto, no Alentejo, já em 2017, e, mais recentemente, a Casa de Rodas em Monção e Melgaço. E temos vindo a fazer investimentos na área do enoturismo, seja nos centros de visitas, ou na restauração, como forma de divulgar os nossos vinhos e criar embaixadores. O caso mais recente, foi o Matriarca, um espaço na Baixa do Porto, que é simultaneamente restaurante, wine bar e loja, mas que queremos que seja também um pequeno clube de vinhos. E o que se segue? Onde vão investir mais?CS - Nos últimos cinco a seis anos, investimos bastante mais de 30 milhões de euros. Agora é tempo de consolidar e integrar esses ativos, tentando ganhar sinergias para maximizar a performance da empresa.RS - Um dos nossos objetivos estratégicos para o futuro é ajudar a colocar os vinhos portugueses no patamar em que merecem estar nos mercados externos. E as regiões mais conhecidas lá fora são os Verdes, o Douro e o Alentejo, portanto, agora temos uma gama que representa muito do bom que Portugal tem nos vinhos. Não diversificamos para fugir do Douro, o nosso core sempre foi e vai continuar a ser o Douro. E que investimentos têm previstos no Douro?RS - Há um projeto de um hotel na Quinta do Bomfim, no Pinhão, mas, infelizmente, no ano em que era para arrancar, as vendas caíram brutalmente, a rentabilidade evaporou-se e o custo da construção duplicou, portanto, o projeto ficou suspenso. Mas esperamos encontrar, nos próximos cinco anos, foras de conseguir fazer este investimento que estava previsto que fosse de 15 milhões para ter 38 a 40 quartos. CS - Uma das soluções para o Douro poderia ser haver fundos para ajudar os agricultores a terem pequenas unidades de turismo de habitação, complementares ao negócio do vinho. Da mesma maneira que o Alojamento Local tem sido um sucesso em áreas urbanas, podia sê-lo no Douro. .Viticultores do Douro alertam em manifestação para vindima negra que se aproxima.Apoio aos viticultores durienses custa 14 milhões e o setor aguarda resposta