Só metade do investimento na Jornada da Juventude fica para o futuro
Apenas 53% do investimento feito no âmbito da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) de 2023 terá utilidade futura, indica o Tribunal de Contas (TdC), que analisou um total de 432 contratos de empreitadas (construção) e de aquisição de bens e e serviços, entre outros, num valor global de 64,1 milhões de euros.
Naquela que é a primeira grande auditoria oficial aos contratos celebrados no âmbito da Jornada Mundial da Juventude 2023 (e enviados ao TdC, já que muitos não seguiram esse trâmite por não haver necessidade ou imperativo legal, podendo o custo global ascender a 160 milhões de euros, segundo se disse na altura), a instituição presidida por José Tavares conclui que, das mais de quatro centenas de contratos analisados, “cerca de 71 representam investimentos para o futuro, na medida em que se traduziram na execução de obras de caráter permanente e na aquisição de equipamentos ou bens que permitem posteriores utilizações, envolvendo um valor contratual total de 34 063 546,85 euros [34,1 milhões de euros, isto é, 53% do total]”.
Segundo o auditor, nesses investimentos realizados para receber o Papa Francisco na primeira semana de agosto do ano passado, mas que ficam para o futuro, “destacaram-se a construção/adaptação de infraestruturas, a recuperação e a requalificação de espaços e a valorização ambiental e de fruição pública da zona ribeirinha, que irão, nomeadamente, possibilitar a concretização do futuro Parque Verde”.
Uma das obras mais profundas e complexas (que já fica para o futuro) terá sido, por exemplo, a descontaminação e a reestruturação dos solos daquela área junto ao rio Trancão, antiga zona industrial e de aterros sanitários. E a criação de espaços verdes, por exemplo. “Ao nível do edificado, constatou-se que foram feitas beneficiações em algumas instalações escolares e desportivas, tendo, ainda, sido adquiridos veículos utilitários que permitirão uma utilização futura”, acrescenta a auditoria divulgada esta sexta-feira.
Quem ganhou mais
Outro resultado desta nova auditoria permite perceber que empresas mais ganharam com o evento do Papa. Que entidades mais adjudicaram obras e fornecimentos de bens e serviços. Como referido, dada a natureza e a envergadura e complexidade do evento e de algumas infraestruturas (como o altar-palco), mais a reestruturação dos terrenos, o Estado e os autarcas envolvidos (sobretudo Lisboa e Loures) optaram por chamara algumas das grandes empresas de construção. Foram, assim, as que mais faturaram, até porque foram elas que conseguiram ficar com a esmagadora maioria dos maiores contratos.
Em primeiro lugar, indica o Tribunal de Contas, surge a construtora Mota-Engil, que conseguiu assinar contratos de quase 12 milhões de euros, o mesmo que dizer, 18% do total dos 64 milhões de euros analisados pelo TdC.
“O custo final da empreitada de construção do Altar-Palco, adjudicada por ajuste direto, foi de 2.959.128,05 euros, representando um decréscimo de 0,7% do preço contratual modificado e 30,21 % do valor contratado inicial”. “O contrato foi celebrado em 13 de janeiro de 2023 entre a Lisboa Ocidental SRU - Sociedade de Reabilitação Urbana [uma empresa municipal tutelada por Carlos Moedas] e a Mota-Engil”, diz o TdC.
Recorde-se que o projeto original do altar foi orçamentado em mais de 4,2 milhões de euros, o que levantou muitas críticas na altura e alguma consternação pelo seu valor considerado demasiado alto. Os políticos e os organizadores concordaram em refazer o projeto, reduzindo e simplificando a infraestrutura.
Mas o maior contrato para a Mota-Engil não foi este. Foi a empreitada “Linha do Norte - Adaptação do Parque Norte do complexo logístico da Bobadela”. Tal como o altar, a obra foi atribuída por ajuste direto, mas neste caso pelo Governo, pelas Infraestruturas de Portugal (IP), e ficou em 8,2 milhões de euros. Segundo o Tribunal, este último é, aliás, o maior contrato em valor dos mais de 400 auditados.
O TdC também nos informa que mais de metade da despesa contratualizada pelas entidades públicas devido à Jornada ficou concentrada em apenas oito empresas.
Sem contar com os quase 3 milhões de euros do altar, que foi para a Mota-Engil, os auditores revelam a lista de “contratos remetidos para fiscalização prévia do TdC”, que ascende a 31,8 milhões de euros.
A Mota fica com a maior, a referida empreitada de intervenção no complexo da Bobadela, mas há outras de alto valor. A empresa Alexandre Barbosa Borges ficou com a “construção da ponte ciclo pedonal sobre o Rio Trancão”, no valor de 3 milhões. A Oliveiras Construções ficou com a obra de “conceção-construção da reabilitação do aterro sanitário de Beirolas no âmbito do Parque Intermunicipal Tejo-Trancão”, avaliada em 7 milhões de euros.
Já a Pixel Light ganhou os “serviços de fornecimento, montagem e operacionalização de sistemas de áudio e vídeo iluminação ambiente, e respetivo abastecimento de energia, para o Parque Tejo/Trancão”, por 6 milhões de euros. A RTP foi escolhida, por ajuste direto, como televisão oficial do evento e portanto ficou com a “organização da componente de host broadcasting e outros serviços da JMJ” por 3,7 milhões de euros. E a operadora Meo faturou 1,6 milhões de euros com a “instalação de pontos multimédia e aluguer dos equipamentos técnicos no Parque Eduardo VII, em Lisboa, e áreas circundantes”.
O Grupo Vendap ganhou o contrato de “fornecimento de equipamentos sanitários autónomos, e respetivas manutenções/ limpezas, para o Parque Tejo Trancão”, no valor de 1,3 milhões de euros.
Finalmente, a empresa Avistacidade faturou quase 1,2 milhões de euros com a “montagem e operacionalização de 141 blocos modulares de instalações sanitárias com ligação às redes de esgotos, água e eletricidade para o Setor A do Parque Tejo - Trancão”, explica o TdC.
No tipo de contratos reportados ao TdC “prevaleceu o ajuste direto, com 55,05% do valor contratado”, observa o TdC. E acrescenta: “Se se agrupar o ajuste direto, a consulta prévia e o ajuste direto simplificado - todos procedimentos não concorrenciais - verifica-se que estas três tipologias concentram 63,46% do total do valor contratado”. A modalidade concurso público só representou 20% do total adjudicado e o concurso público internacional apenas 17%, calcula o Tribunal.
luis.ribeiro@dinheirovivo.pt