Mário Centeno, governador do Banco de Portugal
Mário Centeno, governador do Banco de PortugalLeonardo Negrão / Global Imagens

Alojamento e restauração é onde o salário mínimo mais pesa e mais tem alastrado em Portugal

Em Portugal, 23% dos trabalhadores ganha o mínimo, mas no alojamento/restauração, incidência é quase o dobro. 31% das novas contratações no país são feitas pelo mínimo, indica o Banco de Portugal.
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O setor do alojamento e da restauração, que antes e depois da pandemia surge como um dos mais dinâmicos e bem sucedidos em faturação e dos mais beneficiados com o sucesso do turismo em Portugal, além de ser um dos maiores empregadores do país (tem mais 300 mil trabalhadores), é o que regista a maior incidência do salário mínimo nacional (SMN) em toda a economia portuguesa.

É também neste setor que este peso do emprego pago pelos níveis mínimos mais alastrou nos últimos anos, desde 2015.

Ambas as conclusões constam de um novo estudo do Banco de Portugal (BdP), divulgado esta quinta-feira.

De acordo com o artigo em pré-publicação que integra o novo boletim económico (a divulgar na próxima semana), mais de 40% dos trabalhadores do setor alojamento e restauração (41,5%, para sermos mais exatos) ganhavam o mínimo em 2022, o último ano analisado pelos economistas do BdP.

Usando os dados do inquérito ao emprego do Instituto Nacional de Estatística (INE), aqueles 41,5% equivalem a cerca de 125 mil trabalhadores abrangidos pelo ordenado mínimo legal no alojamento/restauração.

Nesse ano 2022, o SMN estava nos 705 euros brutos mensais.

O estudo do banco central governado por Mário Centeno recua a 2015 (portanto, apanha já toda a explosão do turismo que aconteceu a partir de meados do programa de ajustamento e desvalorização interna da troika e do governo PSD-CDS) e conclui que neste período, a dupla alojamento e restauração foi também onde o peso do salário mínimo mais cresceu nestes sete anos, subindo de 28,5% em 2015 para 41,5% do total em 2022.

"A percentagem de trabalhadores com salário base igual ao SMN é mais elevada nas empresas dos setores do alojamento e da restauração (41,5% do total) e da construção (30,2%), bem como nas empresas de menor dimensão (44%)", sendo que "estes grupos de empresas foram os que registaram os maiores aumentos na prevalência do SMN na sua estrutura salarial", revela o artigo intitulado "A retribuição mínima mensal garantida [RMMG] em Portugal".

Segundo outro estudo, o mais recente da central de balanços, também do BdP, a faturação do setor "alojamento, restauração e similares" esteve a crescer de forma avassaladora, ano após anos e sempre a um ritmo superior a 10%, entre 2014 e 2019 (cresceu quase 20% em 2017). Depois caiu a pique com a pandemia, como se sabe, mas recuperou muito e bem, tendo a faturação crescido quase 70% em 2022 e 16% em 2023.

Segundo a maior associação do setor, a Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP), o ano de 2024 também correu de feição.

"Os resultados destacam a força do Alojamento Turístico, com mais de metade das empresas inquiridas a reportar um desempenho superior ao de 2023 e apenas cerca de um quinto [25%] a referir que o ano foi pior do que o anterior. Para a Passagem de Ano, 52% das empresas espera atingir ocupações superiores a 80%", diz o inquérito rápido da AHRESP publicado em dezembro último.

"Na Restauração e Similares, os resultados indicam um cenário mais heterogéneo, influenciado pela localização dos negócios: 41% das empresas afirma que 2024 foi melhor do que 2023, enquanto metade refere que foi pior ou igual ao ano anterior. Fica evidente que os negócios localizados em áreas de maior fluxo turístico têm registado desempenhos mais favoráveis", indica o estudo associativo.

Evolução da faturação do setor é três vezes maior que a subida do SMN

Apesar do desempenho "superior" e do volume de negócios explosivo, isso não se tem refletido na estrutura salarial, uma vez que o salário mínimo está a ganhar peso e muito.

Em termos mais gerais/nacionais, o artigo do BdP preparado por Sónia Félix e Fernando Martins recorda que após ter estado congelado em 485 euros entre 2012 e setembro de 2014, o SMN aumentou a um ritmo médio nominal de 5,5% entre 2015 e 2024. Descontando o efeito da inflação, o aumento foi ainda menor, cerca de 3,4% em termos reais, no mesmo período, diz o Banco.

Só para termos um ponto de comparação, a faturação do setor alojamento/restauração cresceu, em média, 15% (nominal) entre 2015 e 2023, segundo dados da central de balanços do BdP. É o triplo do aumento do SMN.

Mais afetados: jovens, mulheres, pessoas com menos estudos, estrangeiros

Como se sabe, "a atualização do SMN traduziu-se num aumento do número de trabalhadores abrangidos e numa maior prevalência na distribuição salarial" a nível nacional.

"Entre 2015 e 2022, a percentagem de trabalhadores abrangidos pelo SMN aumentou de 18% para 23%", diz o estudo do banco central. Segundo uma outra publicação do BdP sobre este tema do SMN, em 2023, a RMMG abrangia 760 mil trabalhadores.

Hoje, o universo de empregados nessa situação rondará perto de 900 mil casos, segundo alguns peritos.

No entanto, dentro deste grupo de quase um milhão de trabalhadores, percebe-se bem quem está mais acantonado no patamar salarial mínimo.

"A prevalência do SMN é mais elevada nas mulheres, nos jovens, nos trabalhadores com menos escolaridade e de nacionalidade estrangeira", conclui o BdP.

"A prevalência do SMN na estrutura salarial difere por caraterísticas dos trabalhadores e das empresas" e em 2022, "22,8% dos trabalhadores auferiam um salário base igual ao SMN".

"A percentagem de trabalhadores que recebe o SMN é superior nas mulheres (27,1%), nos jovens (36,1%), nos trabalhadores com ensino básico ou inferior (32,9%) e nos trabalhadores de nacionalidade estrangeira (38%)".

O estudo mostra ainda que entre 2015 e 2022, "o aumento na percentagem de trabalhadores que aufere um salário base igual ao SMN foi transversal aos grupos socioeconómicos considerados" e que "por tipo de contrato, a prevalência do SMN é mais elevada nos contratos com termo certo (33,3%, face a 18,7% nos contratos sem termo certo)".

A prática do salário mínimo alastrou nos contratos a prazo (mais 6,7 pontos percentuais ou p.p.), mas também não poupou os trabalhadores contratados para os quadros das empresas, sem termo (aumento de 4,1 p.p.), acrescenta o trabalho dos economistas.

Quase um terço das novas contratações em Portugal é feita pelo mínimo

Os indicadores relativos às novas contratações mostram de forma evidente que os mais desvalorizados em termos de salário de entrada num emprego são os do costume. Mais jovens, menos escolarizados, estrangeiros.

De notar também que, embora os diplomados (até à licenciatura) sejam ainda dos menos afetados pela prática do SMN por parte do empregador, cerca de 8% do total, o BdP mostra que os progressos foram pobres nos últimos sete anos pois em 2015, a percentagem de licenciados (novos contratados) a ganhar o mínimo era 9%, uma redução muito ligeira tendo em conta o longo período analisado.

Segundo o estudo, "as atualizações do SMN refletiram-se igualmente no número de novos contratos de trabalho celebrados com salário base igual ao SMN".

"A incidência do SMN em novos contratos aumentou 1,8 p.p. entre 2015 e 2022, para 31,4%. Em particular, considerando o grupo de trabalhadores com idade igual ou inferior a 30 anos e que são observados pela primeira vez na base de dados, a incidência do SMN aumentou 3,8 p.p., de 32,7% para 36,5%."

O estudo refere ainda que "a percentagem de novos contratos celebrados com salário base igual ao SMN é mais elevada nas escolaridades mais baixas" e que "em 2022, 45,3% dos contratos de trabalhadores com ensino básico ou inferior e 35,7% dos contratos de trabalhadores com ensino secundário foram celebrados com salário base igual ao SMN".

"Esta percentagem é consideravelmente menor nos graus do ensino superior: 8,3% nos trabalhadores com bacharelato/licenciatura e 2,9% nos trabalhadores com mestrado."

Entre 2015 e 2022, o BdP conclui que "a incidência dos contratos com salário base igual ao SMN aumentou nas escolaridades mais baixas e diminuiu no ensino superior".

"Por nacionalidade, em 2022, 43% dos novos contratos de trabalhadores com nacionalidade estrangeira" auferiam um salário base igual ao SMN, "o que compara com 29% no caso dos trabalhadores nacionais", refere a mesma investigação do banco central.

Peso do salário mínimo afeta mais o interior do país

"Tendo por base os microdados da Segurança Social, a prevalência do SMN é mais elevada nas empresas com morada nos concelhos do interior do país", indica o mesmo estudo.

Os concelhos com prevalência mais elevada são: Fornos de Algodres, Crato, Vinhais e Pedrógão Grande", com cerca de 60% do total de trabalhadores a auferirem o mínimo ou menos.

As autarquias com menor prevalência são: Matosinhos (9,6%), Oeiras (9,2%), Castro Verde (8,2%) e Campo Maior (4,5%), revela o artigo do BdP.

Banco de Portugal

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