Salário mínimo nacional já vale dois terços do salário médio líquido

Salário mínimo nacional já vale dois terços do salário médio líquido

Estudo da AEP diz que aproximação de remunerações, apesar do “enorme esforço” das empresas para pagar melhores salários, desincentiva o mérito.
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O salário mínimo nacional (SMN) está a crescer a um ritmo superior à evolução do salário médio. Em termos líquidos, o SMN aumentou 62,5% em nove anos (de 449 euros em 2015 para 730 euros em 2024), enquanto o salário médio subiu 25,7% (de 828 euros para 1041 euros), conclui o estudo “Dinâmicas Socioeconómicas - Desafio Demográfico, Implicações no Mercado do Trabalho”, da Associação Empresarial de Portugal (AEP), a que o DN teve acesso.

Com base em dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), e um cálculo sobre 14 meses de vencimentos, a AEP estima que o SMN “já corresponde a cerca de dois terços do salário médio líquido [65%]”, e nota que a aproximação dos dois “tende a prejudicar os trabalhadores mais qualificados, desincentivando o mérito e a produtividade da economia”.

Na quinta-feira, o Governo confirmou o aumento do SMN para 870 euros em 2025, que em termos brutos dará mais 50 euros/mês.

Para Luís Miguel Ribeiro, presidente da AEP, “Portugal mantém a conotação de ser um país de baixos salários, face a outros Estados-membros da União Europeia [UE]”. Aliás, o estudo indica que o país tem o 10.º salário anual médio mais baixo da UE (considerando apenas 12 meses), surgindo no 17.º lugar do salário médio ajustado, e no ranking dos salários líquidos anuais na UE surge na 19.ª posição. Quanto ao SMN, o país tem o 14.º mais alto entre 22 países (Itália, Suécia, Dinamarca, Áustria e Finlândia não têm salário mínimo definido por lei).

O presidente da AEP defende que os empresários têm feito um “enorme esforço” para “pagar melhores salários”, mas lembra que os aumentos salariais têm surgido “em paralelo” com a “forte subida de outros custos operacionais”, decorrentes “dos impactos do contexto económico internacional e geopolítico adverso”. Por isso, responsabiliza “a asfixiante carga fiscal [do país] sobre o trabalho, com elevada progressividade para níveis de remuneração bruta acima do salário médio”, por “reduzir drasticamente o salário líquido disponível”, dificultando a “retenção e atração de mão-de-obra obra, sobretudo a mais qualificada, e a ambição de se alcançar uma maior sofisticação da estrutura da economia portuguesa, assente numa vertente fortemente inovadora e, desse modo, em maior valor acrescentado”.

A retenção de jovens é um dos pilares em foco no estudo da AEP, que regista uma “preocupante saída de talento do país”, e aponta o o salário como fator para “reter e atrair capital humano”.

“A retenção de talento tem, naturalmente, a ver com o nível salarial. Porém, o problema salarial em Portugal não pode ser visto apenas no salário bruto que a empresa paga ao trabalhador, mas sim no valor do salário líquido que o trabalhador recebe”, argumenta o presidente da AEP.

“E aqui a fiscalidade tem um peso considerável para níveis salariais mais elevados. Por isso, por mais que a empresa tenha capacidade de subir o salário bruto - e as empresas têm feito esse caminho - a forte progressividade no IRS tem um impacto negativo e muito significativo no seu rendimento líquido disponível”, atira.

Além da fiscalidade, Luís Miguel Ribeiro considera que “é importante que o país evolua para uma estrutura de especialização produtiva geradora de maior valor acrescentado por trabalhador, o mesmo é dizer, de maior produtividade”. “Só com acréscimos sustentados de produtividade é possível à empresa praticar maiores níveis de remuneração, sem comprometer a sua competitividade”, sublinha.

Para isso acontecer, o líder associativo salienta que “os empresários precisam de uma legislação laboral flexível, a única que permitirá enfrentar o clima de imprevisibilidade em que se move o tecido empresarial - de que é exemplo o atual contexto geopolítico -, com fortes implicações na volatilidade das encomendas dirigidas às empresas”.

O estudo da AEP procura demonstrar como a demografia condiciona a economia. Além da questão da valorização dos salários e da retenção de talento, dá conta que o país apresenta uma “proporção de população com Ensino Superior mais elevada do que a média da área euro” (embora apenas para o grupo etário dos 25 aos 34 anos), um índice de envelhecimento a agravar-se (a natalidade não acompanha o aumento da esperança média de vida), com impacto na disponibilidade de mão-de-obra e na sustentabilidade da segurança social.

Por um lado, o país tem uma taxa de emprego acima da média da UE desde 2017 (72,5% no final de 2023), mas o “envelhecimento da população, a emigração - especialmente de pessoas mais qualificadas -, a falta de qualificações entre os grupos etários mais velhos, bem como a existência de um sistema fiscal fortemente penalizador” condicionam a economia, refere o estudo, indicando que “nos últimos dez anos o aumento na produtividade do trabalho (em milhares de euros por trabalhador) não foi suficiente para reduzir as disparidades em relação à média da UE”. “Em termos de distribuição de rendimentos, entre os países da União Europeia, Portugal encontra-se mais próximo do último lugar (Bulgária) do que do primeiro (Eslováquia)”, lê-se no estudo.

Por outro lado, “a imigração está e deverá continuar a desempenhar um papel importante na dinâmica demográfica portuguesa”.

"No imediato, suprir o grave constrangimento da falta de mão de obra, mais e menos qualificada, que as empresas enfrentam, passa obrigatoriamente pelos fluxos migratórios, pois pela via do saldo natural o problema só se resolveria a longo prazo. Pelo seu perfil mais jovem, o célere, adequado e eficaz acolhimento e integração de imigrantes - estimulando, também, a vinda em família - terá impactos sociais muito significativos, particularmente no rejuvenescimento populacional. As medidas aprovadas pelo Governo, nomeadamente o 'Plano de Ação para as Migrações', o programa 'Acelerar a Economia' e as medidas de promoção do emprego do programa 'Um País que valoriza o Trabalho', são importantes, mas contribuirão apenas para a resolução de uma ínfima parte do problema e algumas medidas de promoção do emprego mantêm a indesejável inflexibilidade laboral, ao impor o requisito da contratação sem termo, completamente desajustado no contexto de um mercado em permanente mudança", conclui.

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