Depois da reprodução do vídeo do depoimento de António Ricciardi, gravado em outubro de 2015 no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), o tribunal esteve nesta tarde de quinta-feira a ouvir José Maria Ricciardi, antigo presidente do Banco Espírito Santo Investimento (BESI), enquanto testemunha no julgamento do Caso BES. Ricciardi afirmou que a influência de Ricardo Salgado no universo do BES e do grupo era demasiado, lembrou que foi "tomado de ponta" pelo ex-banqueiro - este "fazia o que lhe apetecia" - e que teve conhecimento de haver problemas com as contas no final de 2013..Na sala de audiências do Tribunal do Juízo Central Criminal de Lisboa, no Campus de Justiça, José Maria Ricciardi, o único membro da família Espírito Santo a desafiar a liderança de Ricardo Salgado no BES e Grupo Espírito Santo (GES), começou por explicar que entrou no conselho superior do grupo, em 2012, "teoricamente um lugar onde se tomavam as decisões mais importantes do GES, nas áreas financeira e não-financeiras", onde se faziam representar os cinco ramos da família. .“Na primeira vez que cheguei ao conselho superior estavam já quase todos os membros e o meu pai [António Ricciardi], que era o presidente, informou que o conselho superior não podia começar porque Ricardo Salgado não estava. Em primeiro lugar, o meu espanto, porque Ricardo Salgado era um vogal como qualquer outro, mas tivemos de ficar todos à espera. Foi o começo de um certo desentendimento meu com Ricardo Salgado”, contou..No tribunal, Ricciardi esclareceu que é primo direito de Ricardo Salgado e primo em terceiro grau de Manuel Fernando Espírito Santo, antigo presidente da Rioforte e o único elemento da família que é arguido além do antigo banqueiro. Acrescentou que não mantém qualquer tipo de proximidade com ambos..“Em vez de começarmos a discutir assuntos, Ricardo Salgado começou a debitar o que tinha sido feito e o que se ia fazer, tanto no setor financeiro, como não-financeiro. Levantei o braço e perguntei se era para discutirmos os assuntos ou se era para ouvir Ricardo Salgado a dizer o que íamos fazer", prosseguiu.."A partir daí começou a tomar-me de ponta, porque viu que eu não estava disposto a fazer a mesma figura dos outros”, adiantou..José Maria Ricciardi, que ocupou diferentes cargos e responsabilidades no universo Espírito Santo, revelou que "se percebeu que as contas falsificadas" em dezembro de 2013.."A 7 de dezembro de 2013, se não estou em erro, apresentei um papel para a ata do conselho a dizer que não tinha qualquer conhecimento daquilo e que queria uma auditoria e que se apurassem responsabilidades”, contou, relembrando que era "incompreensível" que o passivo da Espírito Santo International passara "de quase 3 mil milhões de euros para quase 7 mil milhões" de euros.O "buraco financeiro", segundo contou, foi detetado por um grupo de trabalho e, posteriormente, assumido por Francisco Machado da Cruz, então contabilista do grupo - hoje arguido no Caso BES.."Havia um grupo de trabalho que descobriu isto, que as contas de 2012 tinham uma diferença de 1200 milhões de euros no passivo e, mesmo assim, Francisco Machado da Cruz disse que em 2013 ainda havia por cima mais não sei quantos mil milhões, o que fazia com que o passivo não fosse de uns tal três mil milhões, mas uns sete mil milhões, o que para quem percebe da área via que estávamos completamente insolventes"..Dois meses de perceber que havia problemas nas contas, recordou, Ricciardi procurou afastar Ricardo Salgado do BES e do GES. "Em outubro de 2013 fiz um documento que foi assinado por seis membros do conselho de superior e propus que o dr. Salgado saísse porque fazia aquilo que lhe apetecia e sobrava-lhe tempo. E nessa altura ainda nem sabíamos o que se passava, da falsificação das contas".."Eu já tinha em outubro de 2013 ido ao de Banco Portugal demonstrar que não estava bem com a governance do dr. Salgado. E o senhor governador pediu para não me ir embora, para que tivesse calma. Depois propus o tal documento com os seis membros do conselho - e eu não queria substituir o dr. Salgado como ele andou a dizer", relatou..José Maria Ricciardi afirmou só ter certeza de que as contas tinham sido manipuladas em março de 2014, através de um documento que enviou para o Banco de Portugal. E revelou que Ricardo Salgado pediu dinheiro a acionistas para reduzir o endividamento da Espírito Santo International (ESI), "que resultava do que ele [Salgado] andava a fazer"..Ricciardi diz que percebeu mais tarde, também, que outras empresas do grupo estavam a ser financiadas à custa do endividamento da ESI. "As contas que apresentavam anteriormente não indiciavam nada disso", disso..Durante o testumunho, a procuradora do Ministério Público (MP) indagou por que motivo os membros do conselho superior receberam prémios em 2014, considerando o estado das contas. Ricciardi disse desconhecer a situação, mas revelou que António Ricciardi, seu pai e presidente do conselho superior, dividira com ele o prémio que recebera, mas que não sabia que o dinheiro tinha tido origem numa conta offshore - José Maria Ricciardi afirmou em tribunal que "nunca teve" contas em paraísos fiscais.."Só me apercebi mais tarde e eu declarei esse valor às Finanças, cerca de 230 mil euros", disse..A procuradora argumentou que se tratavam de "bónus, prémios, atribuídos aos ramos da família". "O meu pai sobre isso nunca me disse nada, nunca foi discutido à minha frente. A única que sei é que o meu pai me entregou metade de um prémio duas vezes. Sobre outros prémios a outras empresas e pessoas não tinha conhecimento", respondeu o antigo presidente do BESI.