Reembolsos de IRC aos bancos provocam quebra da receita fiscal do Estado
Os reembolsos de impostos a vários bancos sediados em Portugal no âmbito do chamado “regime de ativos por impostos diferidos”, uma lei de 2014 do governo PSD-CDS, do então primeiro-ministro Pedro Passos Coelho, provocaram uma redução da coleta fiscal líquida na ordem de 117 milhões de euros no período de janeiro a maio deste ano, o suficiente para colocar a receita fiscal global a cair 0,5% face aos primeiros cinco meses do ano passado.
Não fosse esse acerto a favor dos bancos, a referida receita fiscal total teria aumentado, mostram cálculos do DN/Dinheiro Vivo com base nos novos dados do Ministério das Finanças, tutelado por Joaquim Miranda Sarmento, sobre a execução orçamental até maio.
Segundo o novo boletim publicado esta sexta-feira pela Direção-Geral do Orçamento (DGO), “o efeito dos pagamentos relativos ao regime de ativos por impostos diferidos de IRC - Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas foi de 117 milhões de euros”, tendo acontecido em fevereiro último.
A DGO diz ainda que a receita fiscal também cai por causa da “prorrogação do pagamento de IVA”, mas as respetivas verbas serão mais tarde recuperadas, ao contrário dos referidos benefícios em sede de IRC.
No passado recente, os bancos que mais conseguiram receber do Fisco ao abrigo do referido regime dos impostos diferidos foram o Novo Banco e a Caixa Geral de Depósitos (CGD).
De acordo com as séries cronológicas da execução publicadas pela DGO, na sequência dos reembolsos requeridos pelos bancos ao abrigo daquela lei, é a primeira vez, desde o pior momento da pandemia (início de 2021), que a receita fiscal cai nesta altura do ano, tendo sido decisiva para essa degradação os referidos reembolsos feitos em 2024 sobre os quais ainda não existem detalhes.
A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), através da Unidade dos Grandes Contribuintes, faz relatórios semestrais sobre o Regime Especial Aplicável aos Ativos por Impostos Diferidos (REAID), que entrega ao governo (Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais), que depois o transmite à Comissão de Orçamento e Finanças (COF) do Parlamento.
No entanto, o último balanço só vai até ao final de 2022. Segundo o jornal digital ECO, que noticiou a existência deste documento em abril, o relatório sobre o REAID foi entregue ao governo apenas este ano, a 11 de março, um dia depois das eleições legislativas que deram a vitória ao governo PSD-CDS de Luís Montenegro.
Os 117 milhões de euros entretanto pagos no início deste ano não constam deste relatório da AT. As Finanças dizem apenas que “a conversão de ativos por impostos diferidos em crédito tributário reembolsável é registada em contas nacionais como despesa efetiva em transferências de capital no momento em que a Autoridade Tributária valida o crédito, neste caso em dezembro 2023”, e que no caso desta execução orçamental, “em contabilidade pública, é registada no momento do pagamento através de reembolsos de IRC, que apenas ocorreu em fevereiro 2024”.
Este regime de benesses foi criado no tempo da troika e permite aos bancos transformar ativos por impostos diferidos - ativos afetados por prejuízos na sequência de imparidades de créditos, como empréstimos incobráveis, total ou parcialmente, ou de problemas nos fundos de pensões dos empregados - em créditos fiscais a receber no futuro.
Até ao final de 2022 a AT mostra que os bancos não se fizeram rogados no recurso a este quadro de benefícios fiscais. Criado em 2014, todos os anos de 2015 a 2021 várias instituições bancárias solicitaram reembolsos de impostos - a serem suportados por todos os contribuintes - alegando aquele tipo de prejuízos.
“Em termos acumulados, até 31 de dezembro de 2022 sete instituições de crédito solicitaram [...] um montante de crédito tributário total de 1,425 mil milhões de euros, correspondente a 30 pedidos”, diz a AT.
Bancos pedem, Fisco concorda
Depois de analisados, o Fisco concordou em devolver 1,067 mil milhões de euros, dos quais já tinham sido reembolsados 1,062 mil milhões até ao final de 2022, havendo ainda processos sob análise.
O banco que mais recebeu foi o Novo Banco (que ficou com os restos do BES e que ainda é controlado pelo fundo Lone Star), que logrou que o Fisco lhe pagasse benefícios que ascendem já a 615,8 milhões de euros. O Novo Banco tem ainda mais um pedido de reembolso fiscal (no valor de 125 milhões de euros), mas este ainda está por certificar pela AT.
O segundo maior beneficiário foi o banco público, a Caixa Geral de Depósitos, que fez um único pedido de benefício em 2019 no valor de 420,6 milhões de euros, verba que recebeu na totalidade por altura do Natal de 2022, indica o documento das Finanças.
Além destes dois grandes, outras instituições bancárias submeteram pedidos ao Fisco e obtiveram uma resposta favorável, tendo sido reembolsadas. É o caso do Haitong Bank (que ficou com o BES Investimento), do Banco Efisa (do antigo universo BPN), que foi liquidado, do Banif Investimento (liquidado e comprado pelo Bison Bank, outro beneficiário nesta lista do Fisco).
luis.ribeiro@dinheirovivo.pt