O mal está feito, consideram vários analistas. Se não causarem danos de maior no comércio, prejudicam a confiança dos empresários, investidores, consumidores.O discurso "protecionista" de Donald Trump, que tem vindo a ameaçar e a concretizar com uma cascata de tarifas alfandegárias sobre os maiores parceiros comerciais dos Estados Unidos da América (EUA), já está a ensombrar as perspectivas de crescimento dos países alvo (para já, os primeiros na linha de fogo são Canadá e México), mas nem a economia norte-americana, a maior do mundo, estará a salvo do grande ricochete que tais decisões.A União Europeia (UE), que é, de longe, o maior parceiro dos EUA também pode esperar dificuldades mais adiante, sobretudo no comércio de carros e até de marisco, como já ameaçou Trump.O influente grupo financeiro de origem holandesa ING considera que o ambiente económico é "tóxico" depois dos avanços de Trump, o Presidente dos EUA, no sentido de agravar brutalmente tarifas ou (direitos alfandegários) sobre grandes economias, suas vizinhas, maiores parceiros.Três economistas do ING, Inga Fechner, Ruben Dewitte e Rico Luman, partilharam esta análise: "O maior risco para as perspetivas comerciais é a incerteza, porque esta é tóxica para as empresas e para as decisões de investimento. Os direitos aduaneiros vão ou não vão ser aplicados? E por quanto tempo é que elas vão existir?", questionam, numa nota publicada esta quarta-feira."Embora o Presidente Trump tenha evitado a aplicação de direitos aduaneiros unilaterais no primeiro dia de mandato, estamos agora perante a possibilidade de uma transformação significativa do panorama comercial a partir de abril" porque, temem, o impacto será sentido não já, mas será sério a partir do "segundo trimestre", inclusive."Para além das tarifas aduaneiras de 25% sobre os produtos mexicanos e canadianos, de 10% sobre os produtos energéticos provenientes do Canadá e dos direitos transversais de 20% sobre todos os produtos chineses, que entraram em vigor a 4 de março de 2025", temos "tarifas aduaneiras sobre aço e alumínio que entram em vigor a 12 de março, e sobre automóveis, semicondutores, produtos farmacêuticos e produtos agrícolas a partir de 2 de abril", elencam os analistas do ING.Para uma das quatro maiores agências de ratings do globo, a DBRS Morningstar (que ironia das ironias, é canadiana), o resultado disto que aconteceu nas últimas semanas tem, no mínimo, um sinal "recessivo"."Os efeitos adversos far-se-ão sentir de forma mais acentuada no Canadá e no México" porque estes dois países "são altamente dependentes do comércio com os EUA"."As exportações e importações dos EUA representam cerca de 55% do Produto Interno Bruto (PIB) do México e 30% do PIB do Canadá", ao passo que o comércio total combinado [exportações e importações] dos EUA com México e Canadá "representam cerca de 6% do PIB dos EUA".Num primeiro momento, "as tarifas aduaneiras reduzem significativamente os volumes de exportação e afetam o investimento das empresas".Depois, antecipa Michael Heydt, que coordena a equipa da DBRS, "a inflação aumentará substancialmente, uma vez que os efeitos diretos dos direitos aduaneiros sobre os preços são agravados pela depreciação da moeda".Assim, "prevemos que a economia canadiana estagnará ou entrará numa ligeira recessão este ano se as tarifas se mantiverem por mais alguns meses". Já para o México, “recessão será mais grave”.Mas estes agravamentos tarifários "serão particularmente prejudiciais para as indústrias que dependem de cadeias de abastecimento transfronteiriças".Por exemplo, "a indústria automóvel norte-americana assenta numa cadeia de abastecimento intra-regional, em que os fatores de produção intermédios atravessam a fronteira entre EUA e México e entre EUA e Canadá várias vezes durante o processo de produção".É aqui que começa o problema económico interno dos EUA. "Os automóveis são a principal exportação do México e a segunda maior exportação do Canadá", pelo que "a imposição de tarifas de cada vez que as peças atravessam uma fronteira agravar-se-á rapidamente, enfraquecendo assim a competitividade das empresas automóveis norte-americanas e aumentando os preços para os consumidores", diz a equipa da mesma agência de rating.Mais: "Outras indústrias que importam fatores de produção intermédios, como eletrónica e construção, podem também ser afetadas de forma desproporcionada" e "na ausência de tarifas americanas maiores, é provável que se verifiquem desvios do comércio, com uma maior dependência da produção asiática (não chinesa)".Conclusão da DBRS: "um choque comercial prolongado começa a desintegrar cadeias de abastecimento transfronteiriças altamente integradas e contribuí para a destruição de postos de trabalho e o encerramento de fábricas", um custo que tende a acumular-se ao longo do tempo, prejudicando o investimento e enfraquecendo o crescimento da produtividade em toda a América do Norte", dizem os analistas da agência de ratings.Trump, um negociador nato, deverá saber deste tipo de efeitos de choque das decisões anunciadas, mas ainda não efetivamente concretizadas no tempo.Ontem, depois de gerar stress e medo nas bolsas (nos índices que concentram as companhias da indústria transformadora, onde está o gigantesco setor automóvel, afundaram), Trump suavizou a retórica, anunciando um adiamento na imposição de tarifas, uma "isenção tarifária de um mês para os fabricantes de automóveis GM, Stellantis e Ford".“Vamos conceder uma isenção de um mês a todos os automóveis que venham através dos países USMCA [Acordo Estados Unidos-México-Canadá]”, avançou um porta-voz da Casa Branca aos jornalistas durante uma conferência de imprensa, esta quarta-feira.“As tarifas recíprocas entram em vigor a 2 de abril, mas, a pedido das empresas associadas do acordo USMCA, o Presidente concede-lhes uma isenção de um mês para que não fiquem em desvantagem económica”, disse a Casa Branca.Ontem, enquanto tudo isto se desenrolava, as ações daqueles três enormes fabricantes de automóveis recuperaram e acabaram por valorizar de forma significativa.