Produtores de vinho pedem ao governo mais 30 milhões para acabar com excedentes
Fernando Timóteo/Lusa

Produtores de vinho pedem ao governo mais 30 milhões para acabar com excedentes

Bruxelas aprovou a mobilização de 15 milhões de euros para uma destilação de crise em Portugal, mas admite que montante possa vir a ser complementado até 200% com verbas nacionais. Há 200 milhões de litros de vinho em excesso no mercado nacional.
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Portugal prepara-se para, pela quarta vez em cinco anos, fazer uma nova destilação de crise, ou seja, pagar para que os vinhos em excesso no mercado sejam queimados e transformados em álcool para fins industriais e energéticos. São 15 milhões de euros que Bruxelas aprovou, esta semana, para esta destilação “temporária e excecional”, que pretende ajudar a fazer face a uma acumulação de stocks “sem precedentes”. O ministro da Agricultura já avisou que a proposta tem ainda de ser aprovada e que será votada, dia 19 de julho, no colégio de comissários, mas o setor considera o valor insuficiente, atendendo à existência de cerca de 200 milhões de litros de vinho por vender.

Pouco se sabe ainda sobre como será operacionalizada a destilação, sendo certo que, em comunicado, o ministro da Agricultura deixou já claro que se trata de uma medida “que não será repetida no futuro” e que a atribuição do apoio “vai obedecer a rigorosos critérios e regras de elegibilidade e de controlo”. Mais, os produtores que tenham importado vinho nos últimos três anos “não são elegíveis para receber apoios à destilação”. Na sexta-feira, no Parlamento, José Manuel Fernandes alertou que a destilação é “um pequeno paliativo” e não a solução para o problema do setor e prometeu “reforçar brutalmente” a fiscalização da entrada de vinho no país.

A questão é que desde 2019 Portugal tem importado quase 300 milhões de litros de vinho ao ano. Ou, como refere o presidente da ANDOVI, a Associação Nacional das Denominações de Origem, “é o equivalente a um milhão de garrafas ao dia, todos os dias do ano. Isto é uma loucura e cria suspeição sobre como é que esse vinho está a ser introduzido no mercado”, diz Francisco Toscano Rico, que é também o responsável da Comissão Vitivinícola da Região (CVR) de Lisboa. Em 2013 o país importava metade deste valor.

Entretanto, em 2020, e no âmbito das medidas de apoio à crise no setor por causa da pandemia, o Estado disponibilizou 18 milhões de euros, 12 dos quais para uma destilação de crise e seis para ajudas ao armazenamento. Verbas que não chegaram a ser totalmente utilizadas nesse ano.

Em 2020 foi aprovada a queima de quase 12 milhões de litros de vinho. Em 2021, nova destilação de crise, embora referente ainda ao programa de apoio ao setor por causa da covid, permitiu retirar quase 18 milhões mais de excedentes, sendo que o preço pago foi o mesmo do ano anterior. Em 2023 foram 20 milhões de euros destinados ao mesmo fim e serviram apenas para retirar do mercado pouco mais de metade do vinho que estava nas adegas: os vitivinicultores propunham-se entregar para destilação quase 58 milhões de litros, mas só houve dinheiro para 30 milhões.

Para complicar uma situação que já de si era difícil, a vindima de 2023 foi de cerca de 750 milhões de litros, a maior desde 2006 e “uma das mais elevadas das últimas duas décadas”, indicou o INE no final do ano passado. O que, associado a uma quebra das exportações e a uma redução do consumo no mercado nacional, criou a tempestade perfeita. Só estas duas quebras explicam cerca de 150 milhões de litros a menos do que em 2022.

Nova vindima está à porta e as adegas continuam cheias. Há regiões, como o Douro, em que já em maio havia viticultores a serem informados pelos operadores de que este ano não lhes iriam comprar uvas. Mas a preocupação é transversal ao país, em especial às zonas com maior peso de vinhos tintos, como o Alentejo e Lisboa. No ano passado, só estas três regiões foram responsáveis por três quartos dos vinhos candidatos à destilação. Este ano a grande questão é saber em que termos será feito este apoio e com que montantes. 

Bruxelas diz que os 15 milhões que atribui de fundos europeus podem ser complementados “até 200% com fundos nacionais”. Ou seja, até 30 milhões de euros, que é o que o setor reclama. A dúvida é se o governo irá tão longe e a que preço será pago o vinho a destilar. Em 2020 e 2021 o valor foi igual em todo o país, com exceção das zonas de viticultura de montanha, como o Douro. Em 2023 foram pagos preços diferenciados região a região - com valores que variaram entre os 44 cêntimos por litro de Trás-os-Montes e 76 cêntimos da Bairrada. No Douro foram pagos 90 cêntimos por litro, o que gerou protestos e a convicção de que, se o preço fosse igual, teria sido possível escoar muito mais vinho.

Para Toscano Rico, a regionalização de preços foi “um erro” que levou a que, “face à dimensão do envelope disponível, de 20 milhões, se acabasse por destilar muito pouco”. Este ano, defende, “se diminuirmos a quantidade máxima que cada viticultor pode entregar, se calhar podemos ser mais inclusivos”. Além disso, argumenta, o preço deve ser igual em todo o país, com exceção “talvez” do Douro. “O valor da destilação é para compensar os produtores, é para minimizar a situação”, diz. Sendo este um “paliativo”, uma “medida de recurso meramente conjuntural”, a ANDOVI pede que estruturalmente seja acompanhada por mais fiscalização no terreno, nas adegas e nas estradas, “como medida dissuasora, mas também de repressão da fraude”. A associação quer ainda que a ASAE recorra a métodos analíticos de despiste da origem dos vinhos colocados no mercado, de modo a apurar se há vinhos portugueses a serem misturados com os vinhos espanhóis importados.

A menção obrigatória da origem dos vinhos nas cartas dos restaurantes, mesmo do chamado “vinho de mesa”, é outra das medidas pedidas pelo setor, à semelhança do que já é feito em França, “como forma de proteger o consumidor e a produção nacional”. Por fim, é pedido que as contas-correntes de quem importa vinho estejam sediadas no sistema de informação do Instituto da Vinha e do Vinho e que seja criado um observatório estatístico para o setor do vinho. “Conhecer o preço a que são pagas as uvas e os vinhos a granel, conhecer os stocks, saber as margens da atividade, tudo isso é informação relevante para quem tem que tomar decisões, seja a nível de política pública ou de estratégia empresarial”, defende Toscano Rico. Assegurada “mais fiscalização e mais transparência”, haverá depois que “repensar o modelo das autorizações de plantação”, acrescenta.

Francisco Mateus, presidente da CVR do Alentejo, concorda e advoga as mesmas medidas, mas vai mais longe e admite que o preço máximo do vinho a destilar não devia ir além dos 45 cêntimos. “Sabemos que há a possibilidade de o governo acrescentar em 200% os 15 milhões dados por Bruxelas, o que significa que, a 45 cêntimos por litro, poderíamos retirar 100 milhões de litros do mercado. Se estivermos a pensar em valorizar [o vinho] em função da região, possivelmente não vamos conseguir retirar a quantidade necessária para se conseguir chegar a 2025 com o setor equilibrado.” 

Francisco Mateus lembra que esta é a quarta intervenção no mercado em cinco anos e assume que a situação não se pode repetir. “Devíamos tentar ter uma intervenção mais dura, com um preço baixo, para tentarmos, de uma só vez, retirarmos uma quantidade significativa de vinho”, frisa. Em termos de medidas estruturais, a CVR Alentejo pede que os envelopes de financiamento possam ter um cunho regional. Ou seja, se há que colocar um travão ao investimento em novas vinhas, isso não significa que essas verbas não possam ser canalizadas para financiar iniciativas na área da sustentabilidade, como os enrelvamentos ou a rega de precisão. Além disso, para o presidente da CVR do Alentejo, é vital “inovar ao nível da promoção, de modo a tornar a origem Portugal mais apelativa”.

Mais a Norte, o presidente da Federação Renovação do Douro, reclama também uma grande ação de promoção internacional, neste caso para o vinho do Porto, que tem vindo a perder mercado paulatinamente, ano após ano. “O vinho do Porto está a perder vendas há muitos anos, é preciso alterar este paradigma e chegar a novos públicos”, sustenta Rui Paredes. Sobre o quantitativo de benefício - o valor autorizado de produção de vinho do Porto em cada vindima -, as negociações estão ainda a decorrer entre produção e comércio, mas tudo indica que será novamente um valor revisto em baixa. Este ano teme-se que fique aquém das 100 mil pipas.

António Filipe, presidente da Associação das Empresas de Vinho do Porto, recusa falar da destilação de crise enquanto os termos da ajuda não forem conhecidos e a produção e o comércio não tiverem a negociação do quantitativo de benefício fechada. 

ilidia.pinto@dinheirovivo.pt

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