Nunca o apetite dos portugueses por viajar, principalmente para o estrangeiro, foi tão voraz. Com o verão à porta, os pacotes de férias para a época alta estão praticamente esgotados e quem não traçou antecipadamente planos para as semanas de descanso enfrentará agora desafios acrescidos para salvaguardar disponibilidade nos principais destinos de eleição do mercado nacional. “Há produtos que já estão esgotados, não há espaço nem lugares, infelizmente ou felizmente. Infelizmente porque a procura não está a ser devidamente coberta e felizmente porque a apetência por viajar é grande e confirma-se, mais uma vez, um novo recorde”, refere ao DN o presidente da Associação Nacional de Agências de Viagens (ANAV). Miguel Quintas refere que este “está a ser um ano fantástico” para as agências com as transações a crescerem cerca de 15% face a 2024, o que se traduzirá num novo máximo histórico de vendas. “Mais houvesse, em termos de soluções de destinos turísticos ou de quantidade de oferta para os clientes, e mais seria vendido. Não vendemos mais porque não há oferta”, assegura.A procura para os meses de veraneio começou cedo com o mercado interno a acorrer às agências para assegurar as melhores ofertas. Planear uma viagem, seja cá dentro ou lá fora, está mais caro com os vários produtos a assumir um acréscimo “em linha com a inflação”, nota o responsável. Dos diversos serviços que compõem um pacote de férias é nos hotéis onde mais se sente o aumento das tarifas. “É um bocado contraditório: como é que com a subida dos preços a procura também aumenta?”, começa por questionar Miguel Quintas, que responde de imediato: “É preciso perceber que viajar é uma necessidade quase básica. Diria que na Pirâmide de Maslow, que descreve as necessidades básicas do ser humano, viajar encontra-se na base, a par com a alimentação e com a segurança, por exemplo”. O líder da ANAV, que representa 85 agências de viagens do país atesta que dentro do orçamento familiar disponível as escapadinhas para lazer “são obrigatórias”. .Caraíbas lideram preferências e roubam clientes ao Algarve.Na hora de fazer as malas e rumar a outro destino o que procuram os portugueses? “O bom, o bonito e o barato”, indica Miguel Quintas, sem hesitar. As Caraíbas, prossegue, é indiscutivelmente a região no top das preferências do mercado doméstico com o México, Cuba, República Dominicana e a Jamaica a ganharem cada vez mais adeptos por cá. “É um destino muito apreciado e até há poucos anos era muito difícil chegar lá com um preço competitivo - há uma década estava absolutamente fora do mercado. Atualmente, em épocas mais baixas, é possível encontrar pacotes a 750 euros ou 800 euros, o que é fantástico. Há sol, praias incríveis, água azul turquesa e bons equipamentos de hotelaria, sem contar com as diversas atrações. Para o bolso de um português médio não é barato, mas é acessível”, aponta. São exatamente os preços aliciantes que têm levado os residentes a optar por férias no estrangeiro. Olhando para o mapa nacional, e comparando custos, a fatura de uma semana a sul do país pode ser mais pesada do que atravessar o Atlântico e aterrar junto ao continente americano. “Os preços no Algarve podem rondar os 1000 euros ou 1500 euros por semana, na época alta. Na República Dominicana podem variar entre os 1100 euros e os 1700 euros para [ficar alojado]num hotel de cinco estrelas. É muito aliciante, não é?”, compara. “Infelizmente, pela própria pressão da procura, os preços no Algarve sobem bastante no verão o que torna mais difícil a presença dos turistas portugueses”, prossegue. O presidente da ANAV refere que além das Caraíbas também o norte de África e a Espanha se posicionam como destinos concorrentes de Portugal com ofertas mais apelativas na hora de pagar. “Não vou dizer que Portugal é mais caro, mas é menos competitivo face a outros destinos que oferecemos. Embora a hotelaria portuguesa seja verdadeiramente fantástica, terá de se ajustar àquela que é a procura e a oferta”, aconselha. .Otimismo para o réveillon.Depois do pico da procura para as férias de verão, as agências preparam-se para a segunda leva de vendas do ano. A partir de setembro começa a ser alinhada a operação réveillon e, a avaliar pelo comportamento do consumidor em 2025, as perspetivas tecem-se com otimismo. “Acredito que o final do ano vai ser mais um ponto alto das nossas vendas. A não ser que aconteça uma catástrofe, não vejo razões para que os portugueses não continuem a viajar”, antecipa. Para já, apenas a Madeira - recordista habitual de reservas na passagem de ano - já conta com pacotes vendidos. No que respeita ao perfil de cliente, a celebração que sucede o Natal faz-se com turistas de carteira mais recheada. “O português com poder de compra médio só viaja quando o orçamento lhe permite e, por norma, essa escolha recai no verão. Há um pico no final de ano que é respondido por este segmento mais elevado”, aponta o representante das agências de viagens. .ANAV pede transparência à TAP sobre pagamentos a prestações.É a mais recente novidade da companhia de bandeira e foi anunciada mesmo às portas do verão. A TAP lançou um novo modelo de pagamentos faseados, dirigido ao cliente final, e que oferece a possibilidade de pagar as viagens adquiridas na transportadora aérea em três prestações e sem juros, num acordo firmado com a rede de pagamentos Klarna. Miguel Quintas lamenta que a empresa liderada por Luís Rodrigues não tenha comunicado esta intenção previamente ao setor e afiança que esta “falta de transparência” pode estar a discriminar as agências de viagens. “Era bom que a TAP tivesse explicado exatamente o que é que está a fazer, nomeadamente se é a TAP que está a assumir esses custos, ou se são derivados de qualquer outro género de atividade que podem estar associados à TAP. Alguém tem de pagar a festa, alguém vai ter de pagar o almoço, não é?”, pressupõe. O presidente da ANAV diz compreender que a TAP é livre de adotar a estratégia “que bem entender em termos comerciais” o que, defende, não invalida que a companhia “trate o mercado de forma equitativa”. “Isto para garantir que todos temos as mesmas ferramentas e não temos uma agência de viagens com uma pistola, enquanto a TAP tem uma metralhadora. Acaba por não ser equitativa na relação de concorrência saudável que deve ter com o próprio mercado”, argumenta. O responsável admite que a confiança com a transportadora de bandeira “sai beliscada”, mas mostra-se confiante num desfecho de entendimento e numa prestação de “esclarecimentos em breve”..ANAV quer Turismo na lista de prioridades do Governo. Aeroporto é a primeira .Com um novo Governo em vias de tomar posse, para a ANAV é altura de traçar os objetivos para a legislatura que se avizinha. A associação elaborou um documento com 10 medidas preponderantes para o setor e a construção do novo aeroporto da região de Lisboa encabeça a lista. Apesar de a ANA estar a preparar a candidatura à construção da infraestrutura, depois de receber luz verde do anterior Executivo, Miguel Quintas mostra-se pouco crente com o desenrolar do processo. “Temo que não haverá nenhuma decisão no final porque, mais uma vez, esta é uma questão política e enquanto não existir uma estrutura suficientemente forte em termos políticos para garantir que as decisões não podem ser adiadas, nada avançará”, perspetiva. Sobre as negociações entre o acionista e a gestora dos aeroportos do país, o presidente da ANAV revela-se “pouco confiante” e deixa críticas ao modelo de financiamento apresentado pela empresa gerida pela francesa Vinci - que propõe o aumento das taxas aeroportuárias já a partir do próximo ano. “Não podemos estar a financiar a ANA para a ANA financiar o aeroporto, muito menos antes de este ser construído”, sustenta. “Existe, atualmente, um monopólio da Vinci que nos está a levantar um problema gravíssimo e ou a Vinci não tem capacidade de investimento para fazer um novo aeroporto ou financeiramente e economicamente não lhe interessa, e isso tem de ser avaliado”, acrescenta ainda. A solução, defende, passa por entregar o projeto “aos empresários”. “ Os empresários já se organizaram e já disseram várias vezes que este aeroporto é para construir, há variadíssimas soluções. Este problema não respeita à parte financeira nem económica, mas sim política”, reforça. No que concerne à estrutura de financiamento, Miguel Quintas sugere que seja alocada à construção do Luís de Camões metade da verba da taxa turística cobrada a cada hóspede que pernoita em Lisboa. “A taxa pressupõe um serviço associado e que não consigo ver em lado nenhum, nem consigo perceber onde estão a ser aplicados este quatro euros da taxa. Destinar uma fatia para uma parte do financiamento do novo aeroporto seria uma medida com maior interesse”, propõe.Miguel Quintas lamenta o atual cenário na Portela e reporta frustração perante a imagem que o Humberto Delgado oferece aos turistas. “Portugal é promovido internacionalmente pelos hotéis, pelas agências de viagens, pelos operadores turísticos, entre outros, que vão lá fora para atrair clientes e aumentar o PIB nacional. Relembro que o Turismo de Portugal (TdP) investiu perto de 95 milhões de euros em promoção, no ano passado e, depois, trazemos os clientes para cá no pico do verão e oferecemos um mau serviço à entrada e à saída do país”, retrata. .Recursos humanos, promoção e modernização das empresas.Além do tema central das infraestruturas, há outras questões para o turismo que a associação que representa as agências de viagens pede que integrem o quadro de prioridades do novo Executivo. É exemplo a questão da falta de mão de obra qualificada que continua a ser um dos constrangimentos da atividade.“Só há 12% de empresas no setor a dar formação e não é suficiente para repor a quantidade de pessoas de que necessitamos. A formação e captação de talentos deve ser uma prioridade”, pede Miguel Quintas. O empresário é também a favor do reforço da verba da promoção externa de Portugal, considerando que os atuais 100 milhões de euros “são insuficientes”. “Por cada euro investido na promoção internacional Portugal recupera 4,8 euros, o retorno é imediato e há espaço em território e segmentos para crescer no país”, elucida.Para a ANAV é ainda fulcral a proteção e modernização das empresas do setor através da simplificação administrativa e fiscal bem como o lançamento de um plano nacional de apoio à transformação digital das agências de viagens com incentivos à inovação tecnológica e à criação de plataformas digitais de venda e promoção. Ao novo Governo a associação pede ainda apoios para a criação de produtos turísticos sustentáveis e diversificados, potenciando o turismo em regiões de baixa densidade. A valorização e dignificação da profissão de agente de viagens é outra das bandeiras e, neste sentido, a ANAV que o reconhecimento legal da profissão..Carlos Antunes: “Guerra comercial obrigou a TAP a baixar preços no Brasil”