O aumento dos preços do gás natural está a gerar grande preocupação junto de setores altamente consumidores de energia, como a têxtil ou a cerâmica, que pedem já medidas de apoio estatal, designadamente a reativação do Programa Apoiar Gás, que vigorou em 2022 e 2023, para minimizar os impactos da escalada do preço decorrente da invasão da Ucrânia. O tema já tem sido abordado com o Governo.“O gás natural está hoje 3 a 4 vezes mais caro do que estava antes da guerra e da pandemia, e 5 vezes mais caro do que nos Estados Unidos, o que gera graves problemas de competitividade junto de indústrias fortemente consumidores de gás, como as estamparias, tinturarias e acabamentos na fileira têxtil”, explica o presidente da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal. Mas Mário Jorge Machado lembra que, a situação acaba por penalizar todos, embora em menor dimensão, na medida em que o custo do gás natural se reflete também no preço da eletricidade, graças ao modelo do mercado marginalista.Para este responsável, a situação “é suficientemente grave, na sua duração, para justificar que o Governo reative o apoio às empresas fortemente consumidoras de gás”. E a questão foi já colocada ao secretário de Estado da Economia, que na semana passada visitou as empresas do setor na Premiére Vision, a feira têxtil e vestuário de Paris. Pedida foi também uma reunião ao secretário de Estado da Energia para abordar o tema.Mário Jorge Machado reconhece que para retomar o modelo do Programa Apoiar Gás carece de autorização comunitária, já que pode ser visto como um auxílio às empresas. No entanto, recorda, Portugal é dos países que menos pede auxílios de Estado para as empresas no seio da União Europeia.Também as cerâmicas se queixam da situação. Albertina Sequeira, vice-presidente executiva da Associação Portuguesa das Indústrias de Cerâmica e Cristalaria (Apicer) lembra que se trata de setores “fortemente dependentes” do gás natural e que, associados à indústria do vidro, são responsáveis por mais de 36% do consumo de gás natural no contexto da indústria transformadora.Sobre os preços, avança que o pico foi atingido em agosto de 2022 e que, desde então, se seguiu uma trajetória descendente. trajetória essa que se inverteu no último trimestre de 2024, com um aumento de 18%. Refere, ainda, as previsões da Agência Internacional de Energia, que aponta para aumentos de mais de 30% do preço do gás natural na Europa em 2025.“Numa altura em que as nossas empresas enfrentam outras dificuldades, que advêm da diminuição das encomendas e da estagnação económica que afeta a Europa, os impactos da subida do preço do gás natural podem comprometer decisivamente a sustentabilidade de dezenas de empresas das indústrias da cerâmica e da cristalaria, agravando uma conjuntura, já por si, caraterizada pela incerteza e instabilidade”, refere, considerando, por isso, “imprescindível a implementação de um pacote de medidas de apoio estatal, à semelhança do que já se verificou no passado recente”.Em causa está uma indústria constituída por 1214 empresas, que empregam 18 996 trabalhadores e geram um volume de negócios de aproximadamente 1500 milhões de euros, com uma contribuição para o PIB de cerca de 0,5%.O setor exportou, em 2024, bens no valor de 878 milhões de euros para 164 mercados distintos, com especial destaque para França, Espanha, Estados Unidos, Alemanha e Reino Unido. “A vertente exportadora da cerâmica portuguesa está patente na sua contribuição para a balança comercial portuguesa (saldo positivo de 570 milhões de euros em 2024) e na taxa de cobertura das importações pelas exportações, que atingiu os 285,0% em 2024”, sublinha a Apicer. A organização já fez chegar as suas preocupações ao Ministério do Ambiente e a outras “entidades competentes”, designadamente os eurodeputados.“A publicação do Clean Industrial Deal está prevista para 26 de fevereiro, após 100 dias do início do mandato da Comissão Europeia. Nesse contexto, reforçámos, junto dos nossos representantes europeus, a importância de garantir que este novo acordo preserve a competitividade da indústria, empregos de qualidade e autonomia estratégica da Europa, que seja inclusivo, garanta condições de concorrência equitativas, e acesso a preços de energia competitivos. Tanto a nível nacional, como europeu, insistimos na necessidade de decisões responsáveis que promovam um desenvolvimento industrial sustentável e competitivo em Portugal”, refere a vice-presidente executiva da Apicer. Albertina Sequeira admite que, até ao mo- mento, a associação não recebeu qualquer feedback das cartas que enviou, mas, sublinha, acredita que as “preocupações estão a ser ponderadas, pois estão em discussão políticas europeias que são estruturais e impactam diretamente na economia nacional”.Também a Apicer recorda o efeito do aumento do preço do gás natural sobre as subidas no preço da eletricidade. E se é verdade que esta representa apenas 15% das fontes energéticas na cerâmica (contra os 71% do gás natural), a associação salienta “o expressivo aumento dos custos da eletricidade, impulsionados pelas tarifas de acesso à rede, que já representam cerca de 40% do valor da fatura”.A Norterra, empresa de cerâmica em Barcelos, é uma das que tem procurado investir em eficiência energética, de modo a baixar a fatura mensal. Nos últimos quatro anos, e como forma de “combater as subidas de preço quer do gás, quer da eletricidade, investiu cerca de meio milhão de euros, com o apoio do PT2020 e do PT2030, na aquisição de novos fornos, mais eficientes, na melhoria dos sistemas de secagem da estufa e na construção de uma plataforma de pré-secagem sem consumo de gás. Além disso, melhorou o isolamento térmico da fábrica e instalou painéis solares, entre outras medidas que, conjuntamente, permitiram uma redução na ordem dos 20% no consumo de gás, o que se traduz, estima Filipe Sousa, administrador da empresa, numa poupança anual de 15 mil euros.A verdade é que a empresa pagava, em 2014, o Kwh do gás natural a 0,0357 euros e, em 2019, a 0,0372 euros. Com a pandemia, os preços baixaram significativamente, mas, em 2022, por via da invasão russa da Ucrânia, o preço do Kwh subiram para 0,1322 euros. Com o Programa Apoiar Gás este valor baixou para 0,0997 euros.Diz ainda a empresa que, a partir de 2023, os preços começaram, gradualmente, a descer e, em 2024, estavam nos 0,0516 euros. A questão é que, considerando os apoios que o Estado deu, em 2022, os valores no final de 2024 “estavam sensivelmente a metade do preço praticado em 2022”, mas “40% acima dos valores praticados em 2019”.Com 27 trabalhadores e uma exportação na ordem dos 90%, a Norterra fatura aproximadamente 1,2 milhões de euros, mas quer, em breve, chegar aos 1,5 milhões, designadamente por via de novos clientes, como a Zara Home, que estão a levar a um ganho de quota da empresa em Espanha, mas também em Portugal.A retração do consumo tem sido um problema, sobretudo a par de um aumento dos preços, da fatura salarial e dos custos das matérias-primas. A solução tem sido reduzir margens, oferecendo também linhas mais económicas e peças mais ‘básicas’ de modo a poderem baixar os preços.