Portugal atrasado na adaptação da vinha às alterações climáticas
Portugal é o único país que usa castas caras para produzir vinho e não autoriza o uso de outras mais bem adaptadas”, critica o alemão Hans Jörg Böhm, uma das pessoas que mais se envolveram na criação, no país, de uma planta resistente, já lá vão 40 anos, mas ainda à espera da autorização do Instituto da Vinha e do Vinho (IVV) para ser usada na produção de vinho.
O cultivo da vinha em Portugal é caro porque, segundo o comendador, o país não conseguiu erradicar as doenças do míldio e oídio, que “importou” da América há 150 anos e que atacaram as videiras, tendo desde então sido compelido a usar pesticidas em permanência. “A vinha representa atualmente mais de 50% de todos os pesticidas aplicados na União Europeia”, nota o produtor alemão, há quase 50 anos em Portugal.
“Os portugueses adoram aplicar pesticidas, mas enquanto os outros países vitícolas da União Europeia já estão a plantar milhares de hectares de vinha com castas resistentes, para reduzir custos e a poluição causada pelos pesticidas nocivos à saúde e ambiente, Portugal é o único país sem dar autorização para utilizar castas novas, mais resistentes.”
A casta resistente a que se refere chama-se Defensor e precisou de 25 anos de experimentação, em parceria com a Universidade de Évora, até obter o reconhecimento oficial, em 2020.
Fracasso no acesso a apoios
“De 2003 até 2018, o Ministério da Agricultura recusou, geralmente, todo o apoio ao melhoramento da videira e a investigação parou por 15 anos.” Em 2019-2022, explica o produtor, foi reiniciado um projeto para cruzamento das grandes castas nacionais (Touriga Nacional e Alvarinho) com pólen cedido pelo instituto alemão da vinha.
Mais recentemente, várias entidades uniram-se para uma candidatura comum ao Programa de Desenvolvimento Rural (PDR), no sentido de dar continuidade a um projeto anterior apoiado pelo mesmo programa, mas acabou recusada. Envolvia o Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (INIAV), a Universidade de Évora, a associação dos viticultores do Alentejo (Ateva) e dos viveiristas vitícolas (Viticert), entre outros viticultores, nos quais se inclui a quinta/viveiros Plansel.
O assunto chegou a ser levado à Assembleia da República em abril de 2023, para sensibilizar os políticos para “as graves consequências da falta de continuação no financiamento do melhoramento” que tinha sido feito pelo setor privado, em especial pela Plansel - exploração no Alentejo de Dorina Lindemann, filha de Hans Jörg Böhm -, entidade que, “desde o início dos Anos 80, foi responsável pela obtenção de cerca de 50% de todos os materiais vitícolas utilizados em Portugal”, como assinala o produtor.
Os mesmos promotores das duas candidaturas ao PDR avançaram, em 2023, para uma candidatura internacional, com igual objetivo: “Não deixar estragar novamente os materiais vitícolas estudados ao longo de décadas para se chegar a castas novas, resistentes, de sangue nacional, o que exige segurança financeira a médio e longo prazo de, pelo menos, 10 anos.” Mas também fracassou essa tentativa para obtenção de apoios.
“É complicado entender a política em Portugal. Os problemas administrativos são mais importantes do que a economia real”, comenta, perplexo, mas sem desânimo, até porque tem esperança numa nova linha de apoio que possa surgir no âmbito do Plano Estratégico da Política Agrícola Comum (PE-PAC), embora a queda do Governo e as eleições de março tenham reposto um clima de incerteza. “Os diretores-gerais são muito bons, mas falta a cúpula”, referindo-se ao Ministério da Agricultura, agora apenas em gestão.
Clima muda o vinho
Em qualquer cenário, é com angústia que vê os projetos de investigação parados, porque está bem ciente do efeito que as alterações climáticas já estão a ter na produção de vinho.
“Portugal é o país [da Europa] mais a sul e não tem castas que se adaptem.” Cita o caso francês para contrapor a diferença: “Em França, já podem plantar Touriga Nacional e Alvarinho. Bordéus, dentro de 10 a 15 anos, vai ter o clima do Alentejo”. Por esse motivo, diz: “Não compreendo que o Governo não aceite o alerta dos técnicos.”
Mas especifica: “A Touriga Nacional, em Reguengos, já não dá o mesmo paladar. Mas em Montemor-o-Movo, mais a oeste, mais perto do mar, mais fresco, ainda dá”. E assim reforça que “o clima está a mudar e não temos castas!” Cita outro exemplo, agora da Califórnia, nos Estados Unidos, para mostrar como uma região ainda mais quente do que o Alentejo consegue produzir vinho de alta qualidade. Porquê? “Porque investigam e têm vinhas adaptadas.”
A ideia seria encontrar castas com características para tolerar o stress hídrico, o calor extremo e escaldões, o que implica um conjunto de estudos e análises que exigem tempo.
“Seria desejável uma reviravolta em Portugal, atualmente o único país da União Europeia sem castas resistentes autorizadas para vinificação”, escreveu Jörg Böhm num artigo recente. Contactado, o IVV não esclareceu o motivo da não-aprovação da nova casta.
Recentrando o discurso no seu próprio percurso, Jörg Böhm evita falar do seu passado e remete para a Wikipedia. Veio parar a Portugal por um naufrágio do veleiro onde seguia e no qual pretendia dar a volta ao mundo. Ficou por Cascais e mais tarde rumou ao Alentejo. Conseguiu financiamento do Governo alemão para ajudar a criar emprego em Portugal e começou pela vinha. Assinala que, “por altura do 25 de Abril, havia seis mil hectares de vinha, quando agora são 25 mil.”
“Importei castas de todas as regiões do país e, com a Universidade [de Évora], fui experimentando e hoje o Alentejo tem dos melhores vinhos do país.”
tcosta@dinheirovivo.pt