Paul Krugman
Paul KrugmanFoto: Leonardo Negrão

Paul Krugman: "Será que viriam turistas, trabalhadores remotos, investidores, se Portugal fosse fascista?"

Economista recorda "o país atrasado" que conheceu na década de 70, "a economia retrógrada, sem infraestruturas, pobre". Hoje diz estar "muito contente" por se ter alcançado a liberdade e democracia.
Publicado a
Atualizado a

"Será que os turistas viriam, os trabalhadores remotos viriam, investimento estrangeiro viria se Portugal fosse fascista?", questionou Paul Krugman, Prémio Nobel da Economia em 2008, e orador principal da conferência do Banco de Portugal (BdP) que decorre esta segunda-feira, no Museu do Dinheiro, em Lisboa, na semana em que se celebra o Dia da Liberdade, 25 de abril.

Krugman, norte-americano e nascido em Nova Iorque, em 1953, conheceu Portugal em 1976 (tinha 23 anos) como estudante de pós-graduação do Massachusetts Institute of Technology (MIT).

O balanço que faz deste meio século desde que se fundou a Liberdade é que, "apesar das preocupações que ainda existem", dos "desafios", das "ameaças" e da "grande imprevisibilidade do mundo atual, a começar pelo meu País", Portugal "é uma história realmente feliz, tornou-se uma democracia bem sucedida".

"Quando cá estive em 1976, nada disto que os portugueses alcançaram estava garantido", recordou na conferência do BdP "Falar em liberdade: 50 anos do 25 de Abril".

O professor de Economia confessou então que "fico tão contente" pelo que Portugal alcançou, na democracia que se tornou, com alguns desafios de grande magnitude que superou, como por exemplo, o acolhimento e integração dos "retornados" das antigas colónias portuguesas, que entretanto se tornaram países soberanos e independentes; no ajustamento imposto pelos programas (de austeridade e de desvalorização interna, do FMI - Fundo Monetário Internacional) de estabilização da balança de pagamentos de Portugal nos anos 70 e 80; e da "grave crise do euro" que começou em 2011, que "ia destruindo o próprio projeto do euro", um período "muito difícil para todos aqui", recordou Krugman.

Tratamentos severos

"Portugal foi submetido a um tratamento severo [nesses anos da troika]. Claro que a dívida não devia ter subido tão alto, mas o ajustamento seguido provocou um desemprego muito, demasiado elevado, houve cortes salariais, foi um período muito complicado, de facto", considerou o economista.

Mas hoje, "olhando para o país atrasado que era Portugal em nesses anos 70", "uma economia retrógrada, de baixa produtividade, sem infraestruturas, vulnerável, um dos países com os salários mais baixos na Europa", Krugman diz que sente "verdadeiro contentamento".

"Portugal provou que consegue fazer escolhas difíceis e tornou-se numa democracia, um país onde se vive em liberdade", "um país que está no extremo do continente europeu, mas que se tornou um país normal e livre", considerou o laureado Nobel.

"Quando cá estive, em 1976, Lisboa era como uma cidade exótica. Hoje parece uma cidade europeia normal, num país europeu normal. É um feito enorme, na minha opinião", acrescentou.

E lembrou uma vez mais esse passado de meio século, recordou o seu mentor da altura, o reputado economista português José da Silva Lopes (morreu há dez anos, em abril de 2015), então governador do Banco de Portugal.

Foi Silva Lopes que recebeu o grupo de cinco jovens economistas do tabém reputado MIT, entre eles estava o português Miguel Beleza, recordou Krugman.

Na altura em que se delineava e aplicava o primeiro grande ajustamento estrutural da economia (pela receita do FMI, que emprestou largas somas de dinheiro ao País), debateram o estado da economia portuguesa, pobre, pouco qualificada, pouco produtiva.

Krugman recorda que, para além da agricultura, o setor dominante "era a indústria do vestuário". Os salários eram tão baixos que Portugal ficou povoado por milhares de manufacturas e muitos milhares de operárias têxteis (maioria mulheres).

"Silva Lopes era um grande economista, mas também muito encantador como pessoa e com um fino sentido de humor e, sobre essa dependência da indústria têxtil, disse-me: Nós não somos uma república das bananas, somos uma república dos pijamas".

No fim da intervenção, Paul Krugman, concluiu acerca do caso de Portugal que "podemos dizer viveram felizes para sempre, mas claro, não totalmente felizes, nem para sempre, porque nada é para sempre".

Centeno em estado de alerta

A abrir a conferência esteve o "anfitrião", o governador do Banco de Portugal.

Para Mário Centeno, "não há revoluções concluídas". "Os tempos atuais colocam-nos em alerta, requerem mais integração, maior coordenação, mais informação e ainda mais análise e reforço da confiança".

Para o banqueiro central português, "Portugal é uma sociedade em transição" porque precisa de gerir desafios significativos e importantes como "imigração", "a convergência com a União Europeia" e "a necessidade de retomar o espírito de transformação que definiu os últimos anos".

Mas, afirmou o ex-ministro das Finanças do governo de António Costa (PS), "Portugal é um exemplo de como um país se pode desenvolver, ser aberto ao exterior, com diversidade, equidade, e inclusão".

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt