“Se os fabricantes portugueses tivessem acompanhado o crescimento italiano teriam exportado mais quase 1,2 mil milhões de euros”, diz a APICCAPS.
“Se os fabricantes portugueses tivessem acompanhado o crescimento italiano teriam exportado mais quase 1,2 mil milhões de euros”, diz a APICCAPS.Reinaldo Rodrigues / Global Imagens

Para crescer, consultora sugere à indústria do calçado subcontratar lá fora e apostar no luxo

Enquanto o calçado português se valorizou 18,9% numa década (preço de exportação), o italiano apreciou-se 88%, tendo acabado por dominar 53% do mercado do calçado de luxo no mundo, de acordo com a Ernest & Young.
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O agravamento dos custos de produção associado à “dificuldade de aumento” do preço médio de venda “põem em causa a sustentabilidade financeira” do setor do calçado, diz a Ernest & Young num estudo que será apresentado hoje no Porto. E, por isso, a consultora aponta dois caminhos possíveis: a diminuição de custos, através da subcontratação de partes da produção fora do país, e o aumento do preço médio de venda, através da exploração de segmentos de maior valor acrescentado, como o luxo. Um mercado que se estima valerá, em 2028, cerca de 38,9 mil milhões de dólares (35,7 mil milhões de euros), e que é dominado, em mais de 50%, pelos fabricantes italianos.

“Já sabemos que 2023 foi um ano muito difícil e 2024 está a sê-lo, mas temos muito orgulho na nossa indústria. O mundo mudou de uma forma muito significativa e há um conjunto de novos desafios e de novas oportunidades, e temos de perceber que caminhos queremos percorrer”, explica o porta-voz da Associação Portuguesa dos Industriais de Calçado, Componentes, Artigos de Pele e seus Sucedâneos (APICCAPS), a propósito da contratação do estudo Os caminhos da indústria do calçado em direção ao luxo.

Um trabalho que faz a comparação da evolução, na última década, do setor em Portugal e em Itália, para concluir que a diferença entre o preço médio de exportação dos sapatos italianos e dos portugueses triplicou: em 2013, o preço médio nacional era de 23,30 dólares, enquanto o italiano estava nos 35,40 dólares. Em 2023, foi de 27,70 dólares para o calçado português e de 66,60 dólares para o italiano. Ou seja, Portugal valorizou o seu produto em 18,9%, Itália valorizou-o em 88%.

“Se os fabricantes portugueses tivessem acompanhado o crescimento italiano teriam exportado mais quase 1,2 mil milhões de euros”, ou seja, teriam vendido ao exterior, no ano passado, quase 3,2 mil milhões de euros, em vez dos 2 mil milhões efetivamente contabilizados.

Em causa está um setor que, segundo dados de 2022, tinha 1468 empresas, 38 513 trabalhadores e um volume de negócios de 2,6 mil milhões de euros. A questão é que o aumento do custo da mão-de-obra “foi superior ao crescimento da produtividade e do preço médio de exportação, criando pressão sobre as margens e ameaçando a sustentabilidade financeira do setor”, frisa a consultora. O preço médio, como referido, cresceu 18,9%, o salário mínimo nacional subiu 57% no mesmo período. O setor está, por isso, numa fase de redefinição estratégica.

Do lado da diminuição dos custos de produção, a consultora recomenda o aumento de escala, com a integração de vários players, o aumento da produtividade e a otimização do custo da mão-de-obra, subcontratando fora. Além disso, é preciso diminuir os custos das matérias-primas, através da inovação do produto.

Do lado do crescimento do preço médio, as recomendações passam, além do calçado de luxo, por explorar novas fases da cadeia de fornecimento - leia-se, a aposta em marcas - e novas geografias, o que vem encaixar nas linhas do Plano Estratégico Cluster do Calçado 2030, no qual a Universidade Católica - que apresentou o trabalho no final de 2022 - alerta que o esforço de promoção internacional “carece de foco geográfico”.

De acordo com a Católica, “mercados em crescimento oferecem melhores perspetivas de sucesso comercial”, o que sugere que, atendendo às perspetivas de evolução da população e do PIB per capita de cada país, na próxima década, “será sobretudo na Ásia e em África que o consumo de calçado mais aumentará”. Já entre as economias avançadas, “os EUA são o país que oferece melhores perspetivas, nomeadamente quando se considera, adicionalmente, a dimensão do mercado”.

Atendendo à convicção de que o setor deve apostar em consumidores com um “rendimento igual ou superior à média do PIB per capita dos países da OCDE em 2020, ou seja, cerca de 38 500 dólares”, foram definidas 145 cidades com mais de 500 mil clientes potenciais para o calçado made in Portugal. E se dois terços dos investimentos de promoção continuarão a direcionar-se para a Europa e os Estados Unidos, “há também oportunidades identificadas” na Coreia do Sul e no Japão.

Em julho, a APICCAPS tem já prevista uma “ação concertada” em Seul, onde vai organizar um Portuguese Shoes Showcase, para o qual levará 15 empresas portuguesas. Em agosto, irão 10 empresas marcar presença numa feira em Atlanta, nos EUA, e no início de 2025 a aposta será em Tóquio.

“A Coreia e o Japão são dos países que mais valorizam o calçado português”, destaca Paulo Gonçalves, apontando valores de 66,07 euros por par no caso da Coreia, de 50,20 euros por par no Japão e de 45,83 euros nas vendas para o mercado norte-americano.

Quanto ao luxo, o porta-voz da APICCAPS assume que “o mercado mudou e as empresas portuguesas têm vindo a perder competitividade fundamentalmente nos segmentos médio e médio-baixo”, ao contrário dos segmentos médio-altos, nos quais as fábricas portuguesas continuam a dar cartas. “É do conhecimento público que grande parte das grandes marcas de luxo já está a produzir em Portugal e queremos assumir-nos como a grande alternativa ao mercado italiano”, frisa.

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