A retoma da economia portuguesa deve manter-se num planalto de crescimento de 1,9% neste ano e no próximo, prevê a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE), ritmo que está praticamente em linha com o projetado há seis meses (2% em ambos os anos), segundo as perspetivas económicas (outlook).O outlook foi atualizado esta terça-feira e, no caso de Portugal, aponta para uma reorganização dos fatores que impulsionam a retoma: vai ser essencialmente pelo lado da procura interna, do investimento público e privado, a parte que esteve em “falta” nos últimos anos por causa dos atrasos monumentais no investimento público e da execução de fundos europeus, como os 22 mil milhões de euros do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), cujo prazo expira no final do ano que vem. O lado da procura externa vai ajudar muito menos face ao que era esperado há seis meses.As exportações portuguesas, onde se inclui o portentoso turismo, perde muito gás face a dezembro. O primeiro dano ou embate está a vir do ambiente tarifário comercial hostil espoletado pelo governo dos Estados Unidos, de Donald Trump. Portugal não sai ileso, avisa a organização dos chamados países mais desenvolvidos e ricos do mundo, sediada em Paris.Em termos reais, o investimento total na economia portuguesa abrandou de 3,6% em 2023 para 3% no ano passado, mas agora a OCDE antecipa que deve recuperar para uma expansão de 3,2% este ano e 3,7% em 2026.O avanço das exportações em 2025, o desejado motor do crescimento em Portugal, foi revisto fortemente de 3,3% em dezembro para apenas 1,3% agora, segundo o novo outlook.Só para se ter uma ideia do impacto das pressões e das barreiras sobre o comércio nacional (vendas ao exterior), este aumento de 1,3% é o mais débil desde a crise de 2009 (quando as exportações caíram 10% em termos reais), tirando, claro, o ano da pandemia, em que houve uma interrupção brutal por causa dos confinamentos. Em dezembro, antes de Trump chegar ao poder, a OCDE previa uma expansão superior a 3% nas exportações portuguesas em 2025 e 2026.A fé na retoma do investimento beneficia do ambiente que, espera-se, seja cada vez mais leve ao nível das taxas de juro.Neste novo outlook, a OCDE antecipa, pelo menos, mais duas reduções de taxas diretoras do Banco Central Europeu (BCE) até ao final deste ano: esta quinta-feira, Christine Lagarde, a presidente da autoridade monetária da Zona Euro, deve anunciar, como se espera, um corte na taxa de depósito (a referência principal) dos atuais 2,25% para 2%. “Mais no final do ano”, o custo do dinheiro deve cair para 1,75%, antevê a OCDE.O ambiente geral da economia mundial é bem mais sombrio agora por causa das tarifas.Na apresentação do estudo, o secretário-geral da OCDE, Mathias Cormann, e o seu economista-chefe, o antigo ministro da Economia português, Álvaro Santos Pereira, sublinharam os riscos e os danos que podem vir aí. São perigosos.“A economia mundial passou de um período de crescimento resistente e de inflação em declínio para uma trajetória incerta”, afirmou Cormann. “As nossas perspetivas mostram que a atual incerteza política está a enfraquecer o comércio e o investimento, a diminuir a confiança dos consumidores e das empresas e a travar o crescimento”.Para o chefe da OCDE é preciso que os países “colaborem entre si para resolver quaisquer problemas no sistema de comércio mundial de forma positiva e construtiva através do diálogo”.“Uma maior fragmentação do comércio, incluindo novos aumentos de tarifas aduaneiras e retaliações, pode intensificar o abrandamento do crescimento e desencadear perturbações significativas nas cadeias de abastecimento transfronteiriças”.Também pode trazer mais inflação a prazo. Se esta for “mais persistente do que o previsto”, também a política monetária que hoje está a ajudar com taxas de juro mais leves, “pode tornar-se mais restritiva”, enfraquecendo o crescimento.Santos Pereira acrescentou que “o investimento tem estado em declínio desde a crise financeira mundial e isso tem travado o crescimento”.Os países precisam de “mais investimento na economia digital e baseada no conhecimento”, sendo que “o investimento público continua estagnado e o investimento em habitação não está a acompanhar a procura”. Não disse nomes, mas é exatamente o caso de Portugal, segundo os peritos.BCE deve cortar juros mais duas vezes este ano, pelo menosPara já, a OCDE espera que o BCE apoie este “desígnio” do investimento. “A orientação da política monetária do Banco Central Europeu tornou-se menos restritiva, uma vez que a taxa de juro de depósito foi reduzida em 175 pontos base [1,75 pontos percentuais desde junho de 2024, passando para 2,25% em abril de 2025”.Como referido, a organização projeta agora que a taxa de juro central que define o custo de base dos empréstimos e a remuneração dos depósitos de famílias e empresas “continue a diminuir, atingindo 1,75% na parte final de 2025”.Portugal menos exportadorComo referido, a economia portuguesa deve crescer 1,9% este ano, valor que fica bastante abaixo do que prevê o governo (2,4%) e que serve de base ao Orçamento do Estado, atualmente em curso.A edição de junho das perspetivas económicas da OCDE, que abrange as 30 economias mais ricas ou desenvolvidas do mundo, começa por dizer que, em Portugal, “o crédito às empresas e às famílias recuperou ao longo de 2024 e continuou a expandir-se no início de 2025, graças à flexibilização das condições [do BCE]”.“Em 2024, a balança corrente registou uma nova melhoria, com ganhos significativos nos termos de troca e um excedente comercial historicamente elevado.”Impacto indireto via parceiros europeus é relevanteNo entanto, desde o início deste ano, a administração Trump encetou um ataque ao quadro de tarifas sobre os maiores parceiros comerciais, como os vizinhos Canadá e México, mas indo mais longe, até aos países da União Europeia e, em particular, à China.Diz a OCDE que “os exportadores portugueses estão a enfrentar agora uma tarifa normal de 10% sobre bens por parte dos Estados Unidos, bem como tarifas específicas sobre o aço, o alumínio e a indústria automóvel”.“Embora as exportações diretas de bens e serviços para os Estados Unidos representem apenas 2,8% do PIB, Portugal enfrenta um enfraquecimento da procura externa dos seus principais parceiros comerciais europeus”, alerta o novo estudo.Espera ainda uma “implementação mais rápida do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) que impulsione o investimento público e o consumo”, equilibrando assim o previsível desaire no ritmo das exportações de Portugal ou até no investimento estrangeiro.Excedente este ano, défice no próximoA OCDE acrescenta que a política orçamental “deve manter-se expansionista, prevendo-se uma flexibilização de cerca de 1,5% do PIB entre 2024 e 2026”.“As despesas provenientes das subvenções do PRR deverão aumentar de 0,7% do PIB em 2024 para 2,3% em 2025 e 1,7% em 2026, impulsionando o investimento e o consumo público”.A entrega de excedentes orçamentais (a OCDE ainda acredita em 0,2% este ano, em linha com os 0,3% do governo), “reduzirá a dívida pública para 89,8% do PIB em 2026”. Depois, num cenário de políticas invariantes (aplicam-se as que atualmente estão em vigor e legisladas no Orçamento), o défice regressa, deve ser 0,3% no ano que vem.