Mais um ano, mais um brilharete nas contas públicas portuguesas.De acordo com os últimos valores e cálculos feitos para 2024, o excedente orçamental final medido em contabilidade nacional, a que importa para a avaliação da Comissão Europeia e de outras entidades internacionais, deverá ascender a 1% do Produto Interno Bruto (PIB), mais do dobro face aos 0,4% do PIB que o governo e o Ministério das Finanças continuam a inscrever nas suas metas oficiais.Em 2019, Mário Centeno, o ministro das Finanças da altura, foi o protagonista do primeiro brilharete orçamental do país, que nesse ano alcançou o primeiro excedente orçamental da sua História democrática: 0,1% do PIB.Mais tarde, já em 2023, haveria de ser o seu correligionário do PS, Fernando Medina, a acumular folgas suficientes para atingir um excedente ainda maior, de 1,2% do PIB, um recorde. Medina dizia na altura que o ano iria fechar com um saldo positivo de 0,8%. Foi um grande brilharete, portanto..Governo acaba 2024 com excedente orçamental de 354 milhões. Agora, é Joaquim Miranda Sarmento, o sucessor do PSD nas Finanças, que pode colher louros. Se entregar um excedente público (contas nacionais) de 1%, este será o segundo maior dos últimos 50 anos e, se quiser, usá-lo como um ponto de partida mais favorável para o Orçamento do Estado de 2025, atualmente em execução.Ao dia de hoje, o ministro do PSD diz que continua firmemente agarrado a um "excedente de 0,4% do PIB" no ano passado.A execução orçamental excedentária beneficiou de várias folgas e poupanças importantes, designadamente, de um comportamento muito melhor nos impostos cobrados face ao que estava previsto no OE 2024 - Orçamento do Estado para 2024 (mais 580 milhões de euros, segundo contas do DN).Teve ainda o impulso de uma poupança muito expressiva nas compras de bens e serviços por parte do Estado e outras entidades, que gastaram menos 500 milhões de euros face ao que estava orçamentando, sendo ainda de destacar uma poupança com juros da dívida anuais superior a 380 milhões, segundo os nossos cálculos a partir do boletim da Direção-Geral do Orçamento (DGO), tutela direta do Ministério das Finanças.Corte de 30% no investimento público previstoMas, no lado da despesa, a grande folga/poupança que ajudou a conter a despesa veio mesmo do investimento público; ou da falta dele.Uma vez mais, o governo (como os que o precederam) não executou o que prometeu na importante rubrica do investimento público: a ideia era chegar a 11,2 mil milhões de euros em projetos de investimento no ano passado, mas só injetou 7,7 mil milhões de euros.Isto representa um corte de 30% face à meta proposta no OE2024, uma poupança ou folga no lado da despesa que ascende a uns impressionantes 3,4 mil milhões de euros, segundo contas do DN com base nos dados oficiais da execução orçamental anual divulgada na sexta-feira passada, pela DGO.Como no passado recente, a lentidão no investimento continua a estar ligada à dificuldade em erguer e aprovar projetos, muitos deles integrados no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), a bazuca de fundos europeus de 22 mil milhões de euros, que continua muito atrasada e, em parte, sob a ameaça de vir a ser desaproveitada.Este envelope especial desenhado em 2021/2022 para relançar a recuperação do investimento pós-pandemia tem de ser executado, sem falta, até final de 2026. A regra é para todos os países da União Europeia.Entretanto, perante a acumulação de alguns atrasos críticos, o governo anunciou na semana passada que vai pedir à Comissão Europeia uma segunda reprogramação do PRR para evitar que o pior aconteça: perder definitivamente as verbas prometidas a Portugal.Tal como os antecessores, o ministro Miranda Sarmento rejeita a ideia de que haja folgas ou margem de manobra na condução do Orçamento.Tudo o que se ganhar, é para pagar mais depressa aos credores e abater à dívida, que continua a ser uma das maiores do euro e que está muito acima do limite de 60% imposto pelo Pacto de Estabilidade."Temos de manter excedentes para garantir que continuamos a reduzir a dívida pública", rácio que fechará 2024 "entre 96% e 97% do PIB", disse Sarmento, na sexta-feira.Despesa total de 2024 ficou 3,5 mil milhões de euros abaixoVânia Duarte, economista do departamento de estudos do BPI, refere que a despesa pública "aumentou 9,2% em 2024 (+10,114 milhões de euros), mas, ainda assim, é inferior em 3,550 milhões de euros face à estimativa do Governo"."Neste caso, a sub-execução resultou de praticamente todas as rubricas, com exceção das despesas com pessoal e transferências correntes", sendo que "a rubrica que ficou mais aquém da estimativa de execução foi o investimento".No entanto, segundo a analista, estes novos dados das Finanças "apontam para uma evolução favorável nas contas públicas em 2024"."A execução em contabilidade pública permite tirar algumas conclusões sobre como terá ficado o saldo orçamental em contabilidade nacional (valores oficiais)" e, apesar da "elevada incerteza" que ainda existe, o saldo orçamental na ótica oficial (contabilidade nacional) pode ter "ficado em torno de 1% do PIB, ou seja, 0,6 pontos percentuais acima da estimativa do Governo"."Esta passagem de contabilidade pública para nacional é impactada por diversos fatores (por exemplo, a diferente contabilização das injeções de capital e empréstimos ou dos fundos europeus)", explica a economista numa nota de research sobre este tema concreto.Se entregar um excedente de 1% do PIB em 2024, Portugal reforça o terceiro lugar dos maiores saldos orçamentais da Zona Euro, a seguir a Irlanda (4,4%) e Chipre (3,5%).O valor oficial para o saldo orçamental de 2024 será apurado e divulgado pelo INE no próximo dia 26 de março, no reporte dos défices, semestralmente enviado a Bruxelas.