Mário Centeno, governador do Banco de Portugal
Mário Centeno, governador do Banco de PortugalFOTO: Leonardo Negrão

Mário Centeno: Banco de Portugal tem seis consultores e estão quase todos à beira da reforma

"O doutor Hélder Rosalino está a cinco anos de se poder aposentar", revelou Centeno. Rosalino foi consultor por dois meses, mas gorada a sua ida para secretário-geral do governo, a administração do BdP decidiu convidá-lo para administrador da Valora, a empresa que faz as notas de euros.
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"O Banco de Portugal [BdP] tem atualmente seis consultores", quando no passado, em 2014 chegou a ter 13, mas os que tem atualmente "estão à beira da aposentação ou no fim das suas carreiras", revelou o governador do Banco de Portugal, no Parlamento, onde presta esclarecimentos sobre o caso Hélder Rosalino.

"A função de consultor não é uma carreira", "não se concorre para ser consultor", "os consultores são uma função que existe, mas é temporária", mas "existe porque essas pessoas têm muita experiência" e "os seus préstimos são muito relevantes" para o Banco de Portugal, mas são profissionais que, "apesar de terem interrompido a sua carreira no BdP, têm direitos como trabalhadores", como "serem recolocados nos seus lugares de carreira ou funções como se tivessem continuado a progredir e não tivessem saído", isto é, que "não podem ser penalizados por terem ido desempenhar outras funções muito importantes" fora do banco central, defendeu Mário Centeno.

A requerimento do Chega sobre a política salarial e de recursos humanos do BdP -- que surgiu na sequência da intenção do Governo em nomear Hélder Rosalino (ex-administrador e consultor da administração Banco de Portugal) para secretário-geral do executivo -- Centeno explicou aos deputados que ser consultor do Banco de Portugal é ter uma função, não é uma etapa de uma carreira.

Por exemplo, "o doutor Hélder Rosalino está a cinco anos de se poder aposentar", revelou Centeno. Rosalino foi consultor por dois meses, mas gorada a sua ida para secretário-geral do governo PSD-CDS, de Luís Montenegro, a administração do BdP decidiu convidar o antigo administrador do BdP e antigo governante do executivo de Pedro Passos Coelho para administrador da Valora, a empresa do BdP que produz notas de euro.

Segundo os arquivos do Governo, Rosalino nasceu em Sintra, em outubro de 1968, pelo que este ano fará 57 anos. Ou seja, atingirá a idade de reforma aos 62 anos, de acordo com as regras e os direitos que lhe são atribuídos pela contratação coletiva do setor bancário, que também é aplicada aos trabalhadores do Banco de Portugal.

Até dezembro passado, Rosalino era um dos seis consultores do BdP.

Centeno revelou mais um dos cinco nomes que ainda desempenham essa "função restrita a que têm acesso trabalhadores do banco que assumiram posição de grande relevo na vida portuguesa": é Ana Cristina Leal, ex-administradora, e que atualmente é a responsável pela articulação com o FMI pelo amplo exercício regular que implica supervisão, análise de riscos e testes de esforço ao sistema financeiro português, o chamado FSAP - Financial Sector Assessment Program.

Sobre os restantes, nem uma palavra de Centeno.

Segundo a edição da revista Sábado de 14 de janeiro deste ano, os restantes quatro que faltam são Sílvia Luz (mulher do ex-ministro Vítor Gaspar, que também foi consultor do BdP); Ana Cristina Leal, João Cadete de Matos (diretor do Departamento de Estatísticas do Banco de Portugal até 2017, depois presidente do regulador das telecomunicações Anacom até final de 2023) e Pedro Duarte Neves (antigo vice-governador, até 2017).

Mário Centeno afirmou várias vezes que a função de consultor é de caráter "temporário", mas no caso de Pedro Duarte Neves, nem por isso: já lá vão oito anos que o economista está na referida posição. Segundo o BdP, Duarte Neves está ligado ao departamento de estudos e é o editor da Revista de Estudos Económicos do Banco de Portugal.

Centeno não falou sobre quatro dos cinco consultores no ativo, mas quis recordar alguns do passado recente, nomes conhecidos ou ilustres que o BdP chamou ao longo dos anos para aconselhar a instituição, caso de Aníbal Cavaco Silva (antigo primeiro-ministro e Presidente da República), Vítor Constâncio (antigo governador do BdP e vice-presidente do Banco Central Europeu, hoje professor universitário) e Vítor Gaspar (antigo ministro das Finanças, atualmente diretor do departamento de assuntos orçamentais do Fundo Monetário Internacional).

Um comunicado por causa de "uma fonte não identificada"

Centeno explicou ainda que Banco de Portugal teve necessidade de emitir um comunicado quando estalou a polémica com Rosalino "porque uma fonte não identificada referiu que o BdP iria financiar parte do salário" do novo secretário-geral para que este mantivesse a mesma remuneração de consultor do BdP. A notícia que espoletou este caso e que revelou que Rosalino iria ganhar 15 mil euros por mês, o dobro do primeiro-ministro, foi publicada pelo Correio da Manhã, a 28 de dezembro passado.

Ora, ter o BdP a financiar um salário de um funcionário do governo "seria ilegal à luz dos tratados" que regem a atividade dos bancos centrais e que "garantem a sua independência" face ao poder político, sublinhou o governador.

Rosalino ganhava 15 mil euros brutos por mês como administrador do BdP e, como referido, o plano era que fosse para o governo ganhar o mesmo.

Centeno explicou que "há uma diferença muito grande nas remunerações dos consultores porque estas são determinadas pelos salários dos diretores e dependem muito do percurso destes profissionais".

Mariana Mortágua, do BE, disse que estes cargos de consultores são como "prateleiras douradas" para pessoas que estão em final de carreira e que em vez de serem repostas nas suas funções de origem, como técnicos ou diretores, acabam em funções muito bem pagas, mas a título discricionário, já que é o governador a decidir e a escolher quem vai para consultor.

Centeno rejeita liminarmente a ideia de "prateleira dourada". Diz que a função de consultor é o Banco a "fazer a utilização de recursos em final de carreira para terem funções transversais e que continua a ser uma grande mais valia para a atividade do BdP". As funções destes consultores "são essenciais", "muito relevantes" e ajudam e "valorizam muito" a atividade do banco central. "E sempre assim foi", realçou Centeno.

"O número de consultores por mim nomeados é de cinco", "tendo havido até um momento em que chegou a haver apenas dois consultores" neste tempo em que Centeno leva como governador, disse o próprio. "Foi provavelmente o número mais baixo de consultores da história do Banco".

Além disso, Centeno apontou que estamos a falar de uma realidade "residual", este grupo de consultores "representa 0,3% da força de trabalho" do BdP, instituição que tem cerca de 1700 trabalhadores nos quadros.

Estes consultores "nunca são contratados fora do BdP", "são diretores e técnicos" da casa, mas que num momento das suas carreiras foram requisitados para servir em importantes funções fora do banco, normalmente no governo, e que finda essa missão, têm o direito a regressar ao seu lugar de origem, explicou o governador.

A regra seguida passa por "recolocá-los no ponto da sua carreira caso esta tivesse decorrido e esses profissionais não tivessem saído temporariamente do Banco". E é de acordo com a lei, pois "os direitos desses trabalhadores têm se ser respeitados".

Em todo o caso, o apontamento de pessoas para a função de consultor "é uma prática que existe há muitos anos e tem sido seguida com parcimónia desde que eu sou governador", disse o ex-ministro das Finanças do PS.

O governador explicou ainda que no BdP "existem essencialmente duas carreiras (técnica e de direção)" e "há uma grelha salarial que é publica", sendo esta atualizada de acordo com as negociações do setor bancário, no âmbito dos Instrumentos de Regulamentação Colectiva de Trabalho (IRCT), sublinhando que "não há nenhum salário fora da tabela, nem nenhuma discricionariedade na fixação de salários".

Comissão de vencimentos delibera apenas sobre administradores, não sobre consultores

Entretanto, na sequência do caso Rosalino, que é do PSD e teve de recuar na aceitação do cargo muito bem remunerado de secretário-geral do governo, o ministro das Finanças do PSD, Joaquim Miranda Sarmento, decidiu convocar a comissão de vencimentos do Banco de Portugal, a estrutura que delibera sobre os salários dos membros do conselho de administração e que pode aconselhar sobre o número de administradores que o Banco deve ter.

António Mendonça Mendes, do PS, acusou o PSD de, com a convocação da referida comissão de vencimentos, querer aumentar o número de administradores do BdP. O que o PSD quer "tem a ver com preencher o limite máximo de administradores previsto para o BdP", disse o deputado socialista e ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais de Mário Centeno, quando este foi ministro das Finanças (de finais de 2015 até outubro de 2019, quando foi para presidente do Eurogrupo).

Como referido, a comissão de vencimentos do BdP é um órgão que reúne a pedido do ministro das Finanças. Sobre isto, Centeno disse no Palamento que a comissão de vencimentos, que há quase dez anos que não se reúne, e quando o faz é para "analisar as remunerações da administração, não tem qualquer mandato para as dos consultores".

Centeno recordou que, enquanto ministro das Finanças, nunca pediu que a referida comissão se reunisse porque, disse, "não houve qualquer determinante que o justificasse". Ou seja, "é tão natural convocá-la como não convocá-la". Têm é de haver razões relevantes e de peso que envolvam apenas os administradores, não os consultores, insistiu o governador. Não era o caso de Rosalino que foi administrador do BdP de setembro de 2014 a setembro de 2024, passando depois a ser consultor.

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