Luís Silveira Rodrigues: “A Deco recuperou nos últimos cinco anos cerca de 30 milhões de euros aos portugueses”
A Deco, nos últimos cinco anos, conseguiu recuperar para os consumidores cerca de 30 milhões de euros e apoiou mais de oito milhões de pessoas. Com o número de queixas a aumentar no último ano, o presidente da Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor considera que as empresas estão empenhadas em criar procedimentos para que não voltem a acontecer com a mesma tipologia. Luís Silveira Rodrigues espera, na conferência internacional nesta segunda-feira, mensagens claras sobre a urgência da sustentabilidade por parte do secretário-geral da ONU, António Guterres, e também uma palavra de suporte ao movimento de defesa dos consumidores da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.
A Deco está a celebrar 50 anos. Quantos consumidores é que já apoiaram e quantas reclamações receberam desde que há registo?
Desde que temos registo, a Deco apoiou cerca de oito milhões de consumidores. E temos uma média há volta das 300 mil reclamações anuais, embora seja uma média. Nos primeiros anos não era tanto e depois subiu muito e tem vindo a estabilizar.
Os setores com mais reclamações são a banca e seguros, a energia, a água e telecomunicações. Acha que estão verdadeiramente empenhados em resolver os problemas dos consumidores?
Estamos a falar de setores, quase todos eles, que têm um número de consumidores muito elevado. De certa forma, é natural que sejam os mais reclamados. Aqui, o mais importante é vermos qual é a capacidade de cada uma das empresas, e aí não é tanto por setor, para, em face das reclamações que têm, não só resolvê-las, como criar procedimentos para que elas não voltem a acontecer, ou não voltem a acontecer com a mesma tipologia. E isso verifica-se de uma forma geral.
E as empresas têm iniciativa para se juntar à Deco e tentar responder melhor às questões dos consumidores?
Sim, quando são questões novas, por exemplo, questões que as empresas não anteciparam de todo. Quando são questões mais corriqueiras, nas telecomunicações, a questão das fidelizações, ou a questão da qualidade da internet, aí já é um bocadinho mais complicado, não há tanta proatividade, e muitas vezes não há também tanta abertura para a resolução do problema. Mas para aquelas que são surpreendentes, que normalmente abrangem um número muito grande, regra geral, há abertura.
O que é expectável os consumidores esperarem por parte do novo Governo, tendo em conta já medidas anunciadas a nível fiscal, da habitação, do alojamento local?
Creio que os consumidores podem esperar aquilo que esperam de qualquer Governo. Portugal tem uma legislação bastante desenvolvida de defesa do consumidor. Espera-se que continue esse caminho. Espera-se que, onde existam problemas que afetam os consumidores, o Governo tenha uma capacidade de resposta. Creio que há alguns sinais positivos, como a questão, agora - embora não conheçamos aprofundadamente as medidas - da baixa do IVA no setor da construção, ou a questão da prorrogação do apoio à renda mesmo para os contratos celebrados após 15 de março de 2023. São sinais positivos, mas obviamente também conhecemos as circunstâncias em que o Governo está a trabalhar.
Ao nível da energia, do ponto de vista do consumidor, seria possível mexer na fórmula da determinação do preço para baixar a fatura no final do mês?
Seria difícil mexer na fórmula por si, mas podia haver um apoio mais alargado às famílias que têm mais dificuldades. E isso é uma coisa que a Deco tem vindo a reivindicar, assim como também a descida do IVA na eletricidade. A questão da eletricidade também é uma questão de preço, mas não só. E aquilo que nos preocupa bastante, nomeadamente nos agregados familiares mais vulneráveis, é que estamos todos a tentar fazer uma transição energética e a ir para aparelhos mais eficientes que consumam menos. Mas isso tem custos muito elevados e cujo retorno é bastante longo. Portanto, para agregados familiares com recursos menores não é verdadeiramente uma opção. E acho que aqui é que se tinham de encontrar soluções para resolver esta questão da pobreza energética. Até porque isto depois tem outras consequências ao nível de tudo o que é sustentabilidade e do próprio agregado familiar. E, muitas vezes, tomando estas decisões, evitam-se outro tipo de apoios que é preciso dar às mesmas famílias quando estão em situação de vulnerabilidade económica.
Na água, penalizar o consumo de com taxas em zonas de escassez, como o Algarve, não vai provocar mais queixas, uma vez que este é um bem essencial?
Tenho muitas dúvidas sobre a própria penalização através do consumo. Por vários motivos. Para que se possa responsabilizar os consumidores, primeiro, é preciso que haja uma gestão correta, adequada e rigorosa dos recursos hídricos. Quando sabemos que há municípios que perdem 40% da água que captam é difícil depois estar a convencer os consumidores de que têm de pagar mais porque gastam mais. Depois, a questão do consumo depende de que tipo de consumo é que se faz, depende dos agregados familiares, depende de uma série de circunstâncias. Haver um agravamento para consumo excessivo definindo-se bem o que é que é o consumo excessivo ou para consumo superior não creio que nos cause um problema maior. Mas tem de haver primeiro medidas que mostrem que efetivamente isto é uma preocupação de todos e não se está a pôr só o ónus no consumidor. Por outro lado, e este é um trabalho que a Deco tem feito muito, é preciso, mais do que penalizar, cativar os consumidores para perceberem como é que podem poupar água.
Entre o que falta fazer e o que está feito, e não só no domínio da água, mas também da energia, das telecomunicações ou dos serviços financeiros, a Deco tem um cálculo de quanto é que já conseguiu recuperar, por exemplo, nos últimos cinco anos aos portugueses?
A Deco recuperou nos últimos cinco anos cerca de 30 milhões de euros aos portugueses. Isto são dinheiros de reclamações que os consumidores fizeram e que viram reembolsado o valor que tinham despendido, portanto, isto é dinheiro efetivo. Depois, há todas as medidas que foram tomadas através da sensibilização do Governo, das empresas, etc., e que levaram a que isso se convertesse em poupanças, mas não está nestes 30 milhões.
A economia na União Europeia entrou com o pé esquerdo em 2024, mas os sinais de recuperação do consumo privado levam já Bruxelas a falar de uma ajuda à retoma. Prevê-se um ritmo de crescimento saudável na segunda metade do ano. Acredita neste cenário?
Se olharmos para as evoluções que tem havido em vários países, e independentemente das questões políticas, sabemos que há o crescimento de vários partidos que são críticos relativamente ao projeto europeu. Se se vier a formar um parlamento em que esses partidos tenham um peso bastante significativo, no mínimo, isso vai dificultar aquilo que é o caminho que tem vindo a ser feito, por exemplo, na defesa dos consumidores, mas não só nessa área, como até em outras mais estratégicas para a Europa.
De que forma pode afetar a área da defesa do consumidor?
Neste momento, foram aprovados recentemente uma série de diplomas que são importantes e foi bom terem sido aprovados, mas ficam aquém do que os consumidores queriam. Como a questão da regulamentação da inteligência artificial. E a esperança é que este trabalho que se fez até agora se continue a fazer, que haja avaliação e possa depois encontrar-se uma legislação que seja mais equilibrada, que tenha mais em conta as questões dos consumidores. Com o parlamento mais dividido ou dividido em partidos que tenham posições mais críticas, ou quando a prioridade for outra, estas questões podem ficar mais esquecidas, podem ser tratadas de uma outra forma.
Qual é a sua opinião em relação à inteligência artificial, o impacto que tem nos consumidores e que perigos é que traz?
Tenho uma perspetiva muito pessoal relativamente a isso, que é sempre olhar para o que é que isto pode trazer aos consumidores. E pode trazer imensas coisas e muito importantes. Creio que é preciso ter cuidado e haver uma regulamentação que leve a que este instrumento que é a inteligência artificial seja usado com transparência, com cuidado na recolha dos dados, com o consumidor a ter noção de que dados está a dar e ter de autorizar a sua recolha. Se não há regulamentação, então, temos assistentes virtuais, por exemplo, que vão aconselhar o consumidor sobre o que deve comprar numa determinada plataforma e que estão completamente enviesados. Portanto, estão a dar um conselho errado e depois isto levanta, do ponto de vista jurídico, uma série de problemas, porque há aqui um assistente virtual que não faz parte da relação quando a legislação foi concebida. Porque a relação era entre um consumidor e uma empresa. Portanto, as questões de responsabilidade, de quem enganou quem ou quem teve uma prática desleal, tudo tem outro enquadramento.
Qual é o papel dos consumidores neste novo projeto europeu que ainda não sabemos para onde vai caminhar?
O papel dos consumidores tem de ser central na Europa e por uma razão simples: os consumidores são pessoas e a União Europeia existe para as pessoas. Agora, tem de haver um equilíbrio. Vou dar um exemplo: há um direito-rei, que é o direito à informação. E muita da legislação que se fez foi a sobrecarregar as empresas ou a obrigar as empresas a prestarem deveres de informação aos consumidores, acreditando-se que ao fazer isto se equilibra a relação. Hoje, a economia comportamental mostra-nos que há evidência que não é pelos consumidores terem mais informação que estão mais informados. Mais, o excesso de informação provoca desinformação, a pessoa não lê, não vai ver, até porque aquilo é tudo tão rápido. Com esta constatação, não faz sentido, aí sim, sobrecarregar as empresas com informação que não é útil, que não é prática. O consumidor não vai usá-la. No entender da Deco, e hoje o movimento de defesa de consumidores está muito coeso nesta questão, podem reduzir-se os deveres de informação e aliviar as empresas, mas ter como contrapartida, por exemplo, uma inversão do ónus da prova quando é necessário provar algumas das coisas que depois se tornam praticamente impossíveis para o consumidor. E creio que esse caminho de simplificação regulamentar, sem que haja perda real dos direitos dos consumidores, é o caminho que também pode levar a Europa a estar mais liberta de alguma regulamentação.
Vão realizar a vossa conferência, Conferência Internacional nesta segunda-feira, qual é a mensagem que espera da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e do secretário-geral da ONU, António Guterres?
Deixe-me falar primeiro do secretário-geral das Nações Unidas, porque é da casa. O Dr. António Guterres é o sócio número um da Deco e foi um dos fundadores. Espera-se uma mensagem de carinho obviamente, mas espera-se principalmente, como secretário-geral da ONU, uma mensagem de apoio, principalmente nestas questões da transição verde e da transição digital, que são duas áreas claramente prioritárias para os consumidores. Da presidente da Comissão Europeia, creio que se espera uma mensagem um bocadinho diferente, de grande suporte do Movimento de Defesa dos Consumidores. Se olharmos para a construção da Europa, é um movimento agregador dos cidadãos, porque é um dos poucos movimentos organizados que tem cidadãos e onde a União Europeia pode efetivamente entregar a sua mais-valia. E pode mostrar ao cidadão que vota que a União Europeia tem importância para ele.
E como membro desse movimento, Portugal tem sido um bom aluno na transposição de diretivas e de cumprimento de direitos?
Temos sido mais do que um bom aluno, temos sido um bom professor. Aliás, Portugal tem das legislações de defesa do consumidor mais avançadas da União Europeia. E há vários exemplos em que Portugal, sempre que pôde, foi além do que as diretivas diziam, exatamente porque percebeu que o que as diretivas propunham era insuficiente face àquilo que eram as necessidades dos consumidores. Onde acho que Portugal tem uma falha maior, embora tenha legislação até mais avançada do que alguns dos países da União Europeia, é depois na efetivação desses direitos. Ou seja, apesar de termos uma legislação sobre a ação coletiva há muito tempo e que é utilizada, a verdade é que as demoras nos tribunais, as questões técnicas nos próprios tribunais, têm dificultado a que esse acesso depois se verifique na realidade. Um processo rápido numa ação deste género demora cinco anos. Isto, na verdade, leva a que haja uma certa impunidade em algum tipo de violações da defesa do consumidor.
O que é que considera prioritário face às tecnologias atuais emergentes, as alterações climáticas e os seus efeitos, a participação do consumidor no projeto europeu ou a diversidade e inclusão?
São todas muito relevantes. E esperamos que os vários painéis [da conferência] possam responder a várias dessas questões. Parece-me claramente que a questão da sustentabilidade já não se discute se é uma questão, é só urgente. Tem de ser e tem de ser com medidas concretas, não tenho dúvidas nenhumas. Agora, não podemos olhar para a questão da sustentabilidade e dizer que não há questões de inclusão na sustentabilidade.
Luís Silveira Rodrigues: “A Deco recuperou nos últimos cinco anos cerca de 30 milhões de euros aos portugueses”
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Presidente da Associação de Defesa do Consumidor defende urgência da sustentabilidade e medidas concretas e exequíveis na transição verde e digital, mas olhando sempre para a inclusão. Texto: Bruno Contreiras Mateus e Ana Maria Ramos (TSF)
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