O embaixador de Portugal no Brasil esteve à conversa com o Diário de Notícias à margem da inauguração do hotel Vila Galé Sunset Cumbuco Collection, nos arredores da cidade brasileira de Fortaleza, no passado fim de semana. Luís Faro Ramos acredita que o acordo entre a União Europeia e o Mercosul, a avançar, será muito positivo para as empresas portuguesas do setor agroalimentar e de outras áreas de atividade com interesse nos mercados do Brasil, da Argentina, Bolívia, Uruguai e Paraguai. .Acredita que Portugal pode ter um papel a desempenhar no desbloquear das negociações entre a União Europeia e o Mercosul? Há, como sabe, um grupo de países, liderado pela França, que tem impedido o acordo..A questão do acordo está na ordem do dia, aliás, está na ordem do dia já há tempo. Quando cheguei ao Brasil, em dezembro de 2020, íamos ter a presidência da União Europeia no semestre seguinte. E, desde o início, dissemos aos brasileiros, mas também aos nossos colegas da União Europeia, que o acordo era muito importante não só para testar a credibilidade da União Europeia, mas também para dar benefício às nossas empresas e ao nosso decido empresarial, porque obviamente irá beneficiar a toda a gente, tanto de um lado como do outro. Entretanto, por razões conhecidas, o acordo não foi possível. Houve uma dinâmica nova ultimamente, com o novo governo brasileiro, porque Lula da Silva manifestou-se favorável à conclusão do acordo, mas como sabe, há países europeus que não são a favor. Enfim, são razões que não vale a pena aqui explorar. Portugal esteve sempre na linha da frente dos países favoráveis ao acordo e continuamos a ter essa posição, mas neste momento as coisas não estão muito claras, porque alguns países estão contra e poderão eventualmente conseguir formar uma minoria de bloqueio..O acordo abre oportunidades para as empresas portuguesas em setores como o azeite ou os vinhos, que poderão passar a exportar livremente para o Brasil e outros países do Mercosul....Sim, sim. Mas também para qualquer área onde exista uma empresa portuguesa que queira fazer negócio com algum país do Mercosul..Os laços entre Portugal e o Brasil sairiam reforçados?.Sim, sem dúvida. Nós temos uma relação bilateral muito forte, como se sabe, uma relação única. Tivemos uma cimeira em Lisboa em 2023. Teremos uma nova cimeira aqui no Brasil em fevereiro de 2025. Portanto, as questões bilaterais estão a andar bem. Agora, claro que um acordo a nível da União Europeia com o Mercosul ajudaria certamente a que as coisas andassem ainda melhor. Neste momento temos uma relação comercial com o Brasil forte, sobretudo no agroalimentar, que representa mais de 50% das nossas trocas comerciais, mas não tenho dúvidas de que com o acordo aumentaria ainda mais. Haveria uma escala completamente diferente..Mas não haverá um impacto negativo na agricultura portuguesa, à semelhança do que acontecerá em França?.Sabe que às vezes há umas falsas questões. O livre comércio é muito mais importante, até estrategicamente, do que alguma questão pontual que possa aparecer na área bilateral. Não estou convencido de que isso fosse prejudicial para as nossas empresas..Além do Brasil, fazem parte do Mercosul países como a Argentina, que também podem interessar às empresas portuguesas..O Mercosul tem as suas especificidades, mas são quatro. Nós, na União Europeia, somos bastante mais e é mais complicado chegar a consenso..Recentemente, o Brasil convidou Portugal e Angola a participar na reunião do G20. Acha que com Bolsonaro, ou outra pessoa na presidência que não Lula da Silva, isto seria possível?.A verdade é que isso aconteceu. A presidência do Brasil do G20 aconteceu em 2024, e portanto, com este governo atual. Acho que foi fantástico. Já agradecemos ao Brasil, a vários níveis, ao mais alto nível político, essa decisão de convidar Portugal, e Angola também, porque pela primeira vez tivemos três países de língua portuguesa no G20. Foi fantástico. Portugal tentou corresponder. Tivemos aqui no Brasil, pelo país todo, cerca de 100 reuniões. Tivemos praticamente o nosso governo inteiro a participar nas reuniões aqui no Brasil. A cereja em cima do bolo foi a cimeira no Rio de Janeiro, onde participaram o nosso chefe do governo, o primeiro-ministro, e o ministro dos Negócios Estrangeiros. Eu acho que foi uma oportunidade única para que Portugal pudesse ombrear com as 20 melhores economias do mundo. E isso, não podemos esquecer – e já o agradecemos – ,foi possível pela mão do Brasil. O que é que isso mostra? Mostra que, de facto, a nossa relação é muito especial..Na Web Summit, a maior delegação estrangeira foi a brasileira. Acha que de facto o Brasil está a olhar para Portugal como uma porta de entrada na Europa ou uma plataforma para o investimento estrangeiro?.Desde logo, acho que há um olhar diferente do Brasil para Portugal, coisa que não acontecia há uns anos. Essa é a grande diferença. Por via de uma comunidade brasileira cada vez maior no nosso país. Os números dizem pelo menos meio milhão, mas talvez até mais..A que se juntam os brasileiros com dupla nacionalidade..Exatamente, se contarmos esses, então certamente será mais de milhão, o que é uma percentagem muito significativa da nossa população, de cerca de 10%. Portanto, acho que esse olhar do Brasil sobre Portugal é uma realidade, vai aumentar. Há cada vez mais empresários brasileiros a comprar imobiliário e empresas em Portugal, por exemplo..Na embaixada também notam esse fenómeno?.Notamos porque temos a nossa rede consular aqui no Brasil, que é a maior rede consular de Portugal no mundo. Temos 10 postos consulares do norte a sul do Brasil. Notamos um aumento dos pedidos de informações e de visto. Enfim, isso significa uma coisa: Portugal sempre olhou para o Brasil de uma maneira muito especial. Neste momento, nós assistimos ao Brasil a olhar para Portugal também de uma maneira muito especial. Isso é, de facto, motivo para satisfação..Nota que há também mais interesse por parte dos brasileiros em descobrirem as suas raízes portuguesas?.Sim, isso nota-se nos descendentes de segunda e terceira gerações, que agora estão a obter a nossa nacionalidade. Aqui há uns anos, isso não acontecia. É verdade que a nossa lei também foi alterada e permite agora que se possa pedir a nacionalidade até à terceira geração. Portanto, isso tem ajudado bastante. Mas também o boca a boca, o brasileiro que está em Portugal fala com o que está cá, explica o que é que se passa no nosso país. Sei que há vídeos no TikTok e nas redes que dão uma boa imagem do nosso país. Agora, também é preciso sublinhar que é muito importante que as pessoas sejam informadas sobre que vão encontrar quando chegam em Portugal. Muitas são enganadas. E nós, na nossa rede consular e diplomática, tentamos fazer esse trabalho de prestar informação. Agora, o que posso dizer, e tem sido dito a todos os níveis, é que a comunidade brasileira é muito bem-vinda no nosso país. Muitos setores da nossa economia, hoje em dia, já dependem dessa presença brasileira e, portanto, espero bem que seja para continuar.