Foto: Leonardo Negrão
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JCDecaux. O perfil da empresa que tem Lisboa “refém” e assusta os automobilistas

Pioneira no segmento de publicidade exterior, multinacional de origem francesa já instalou dezenas de painéis de publicidade digital na capital e substituiu abrigos para paragens de autocarro por novos. Há queixas e dúvidas sobre contrato e novos equipamentos. ACP entrou com providência cautela.
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A JCDecaux ganhou a concessão para a publicidade exterior em Lisboa em 2018, mas mesmo com contrato assinado com a câmara e pareceres de diferentes entidades, a instalação do novo mobiliário urbano na capital colocou a empresa no centro da contestação. No setor publicitário há quem observe o caso com “apreensão”, temendo efeitos reputacionais para todos.

A dimensão e localização dos painéis publicitários digitais de grande formato, paragens de autocarros que estarão a desrespeitar o contrato e alegados riscos para a segurança rodoviária estão a alimentar a polémica.

Para compreender o histórico e o perfil da JCDecaux em Portugal e o impacto da polémica no setor, o DN contactou a Associação Portuguesa das Agências de Publicidade, a Associação Portuguesa de Meios e a Associação das Empresas Portuguesas de Publicidade de Exterior, mas não obteve respostas até ao fecho da edição. Já outras fontes setoriais, familiarizadas com este tipo de concessões, explicaram que na origem do problema estão questões técnicas, de desenho do concurso, e que a JCDecaux “tem um comportamento perfeitamente normal” no mercado nacional, onde chegou a “ter as concessões de publicidade exterior de quase todas as câmaras do país”.

Hoje “continua a ser líder, mas há muito mais concorrência e as quotas de mercado estão mais divididas”. Ainda assim, a atual polémica na cidade de Lisboa “provoca alguma apreensão, porque a publicidade exterior é muito importante no investimento publicitário, ao equilibrar a planificação dos meios face à televisão, e por apresentar resultados eficientes”.

Acresce que a concessão de Lisboa envolve “um grande investimento”, considerando que as câmaras antes “recebiam em géneros, mobiliário para uso público, e hoje também recebem dinheiro, ou seja, passou a ser rentável para todos”. Por isso, “os mercados bons são os que têm pouca litigância, porque as campanhas têm de ter resultados”, segundo as fontes ouvidas.

De Lyon para o mundo

A JCDecaux é uma multinacional de origem francesa, responsável por ter criado o segmento de publicidade exterior na Europa. Foi fundada em 1964 por Jean-Claude Decaux, pioneiro na instalação de publicidade em mobiliário urbano (outdoors, múpis, paragens de autocarro, sanitários públicos, cabines telefónicas ou bancos de jardim), sem encargos diretos para as cidades.

Em França, Lyon foi a primeira cidade a aprovar o conceito. A primeira filial internacional surge em 1967, em Bruxelas (Bélgica), e Lisboa recebe a segunda - a primeira num país não francófono - em 1972.

Volvidos 60 anos, a JCDecaux está presente em 80 países e na primeira metade do ano gerou receitas de 1,8 mil milhões de euros (+14% em termos homólogos), um lucro antes de juros e impostos (EBIT) de 112,6 milhões (+100 milhões face ao período homólogo), e um lucro líquido atribuível à empresa de 94,4 milhões (+ 56,6 milhões de euros do que na primeira metade de 2023), segundo o mais recente relatório de contas do grupo.

A multinacional de publicidade exterior está cotada na bolsa de valores de Paris. Na última sexta-feira, a capitalização bolsista totalizava 4,15 mil milhões de euros e as ações fecharam a sessão a valorizar 0,64%, para 19,69 euros.

O grupo é liderado pelos irmãos Jean-Charles e Jean-François Decaux, filhos do fundador falecido em 2016, aos 78 anos, mas a família só controla diretamente 1,2% do capital da multinacional.

A JCDecaux é detida em 65,4% pela JCDecaux Holding , havendo 33,2% do capital nas mãos de diferentes investidores dispersos em bolsa. Os funcionários da companhia têm 0,2%.  Mais de metade dos acionistas são da América do Norte, França e Reino Unido. 

Portugal é relevante? 

Quase metade das receitas do grupo gera-se na Europa, segundo as contas semestrais, mas não há dados desagregados por país.

Deduz-se que Portugal terá no seio do grupo uma relevância marginal, se se considerar que o mercado publicitário nacional como um todo terá receitas a subir 10%, para 880 milhões de euros, este ano, segundo estimativas da Magna. A unidade de estudo do grupo IPG Mediabrands admite que a publicidade exterior cresça a um menor ritmo, embora considere “robusto” o investimento nesse segmento.

Os grandes mercados encontram-se em Espanha, Reino Unido, França, Índia e EUA.

A origem da polémica

Foi há seis anos que a JCDecaux ganhou a concessão de publicidade exterior na capital por 15 anos, depois de a dividir com a Cemark/Cemusa desde 1995. A última concessão terminou em 2015 e o munícipio foi fazendo aditamentos até novo concurso. Mas como o concurso, lançado ainda no tempo de Fernando Medina, estava dividido por lotes e tinha a opção do vencedor ficar com tudo (winner takes it all), a Associação Portuguesa de Anunciantes contestou, a par da MOP e outras entidades, e a Autoridade da Concorrência entrou em ação.

A  JCDecaux  decidiu partilhar lotes  com a MOP e, em dezembro de 2022, o contrato com a Câmara Municipal de Lisboa (CML) foi assinado, tendo sido aprovado pelo executivo camarário liderado por  Carlos Moedas, que já fez saber que a autarquia está “refém” das opções de Medina, segundo a CNN. Aliás, devido à contestação, a CML vai fazer uma auditoria ao processo dos painéis publicitários.

Há um mês, ganharam expressão queixas sobre a substituição de mobiliário urbano para a instalação dos novos painéis digitais da JCDecaux, surgindo uma providência cautelar do Automóvel Club de Portugal (ACP), alegando riscos para a segurança rodoviária. 

Ao DN, a JCDecaux International recusou responder, mas fonte oficial da JCDecaux Portugal remeteu para as afirmações de Philippe Infante, diretor-geral da filial lusa, ao Jornal Económico na última sexta-feira. O gestor fez saber que “não existe qualquer razão legal” para rescindir o contrato, mas admitiu ser possível uma “adaptação às necessidades”, rejeitando os argumentos do ACP.

Nova Iorque e Tóquio são exemplos para a empresa - os mesmos equipamentos sem queixas.

O contrato prevê uma receita anual de 8,3 milhões para o município de Lisboa, com a instalação de até 125 painéis de publicidade digital de grande formato, além de 900 múpis , dois mil abrigos, 75 sanitários públicos e 40 múpis amovíveis. A JCDecaux tem que informar cada vez que instala um novo mobiliário, mas, do lado do município, a fiscalização estará a falhar e ninguém sabe quantos equipamentos já foram instalados, concretamente, e se cumprem as normas definidas no contrato.

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