A Inteligência Artificial (IA) já não é uma tecnologia emergente, é uma força transformadora que está a ser avidamente adotada pelo tecido empresarial a nível global. Um aumento acentuado no investimento em IA é evidente nos dados recentes, mas esta corrida à inovação é acompanhada por um debate crescente em torno da sua regulação e pela necessidade urgente de preparar as pessoas para trabalharem, lado a lado, com sistemas cada vez mais autónomos, revelam estudos aprofundados da Deloitte, Kyndryl e Microsoft divulgados esta quarta-feira.O panorama de investimento é inequívoco. O estudo State of Gen AI in the Enterprise, da Deloitte, baseado num inquérito realizado entre julho e setembro de 2024 a 2773 líderes empresariais e de tecnologia diretamente envolvidos na experimentação ou implementação de IA Generativa em grandes organizações, abrangendo 14 países e seis setores, aponta que “78% das empresas planeiam aumentar o investimento global em IA no próximo ano fiscal”. Esta forte intenção de investimento surge mesmo com preocupações notórias: as relacionadas com a conformidade regulatória aumentaram de “28% para 38%” entre o primeiro e o quarto inquérito trimestral da Deloitte realizado em 2024.Este elevado nível de investimento é corroborado pelo primeiro People Readiness Report global da Kyndryl, que inquiriu mais de 1000 executivos seniores de 25 setores de atividade e oito regiões geográficas diferentes. Segundo este estudo, “95% das empresas já investiram em IA”. No entanto, a vasta maioria destas organizações “ainda não tomou medidas suficientes para alinhar as estratégias das suas equipas de trabalho com o crescimento da IA”.Falta de preparação das equipasExiste uma “lacuna assinalável” entre o investimento em IA e a preparação das equipas de trabalho, um dos pontos fulcrais destacados pela Kyndryl. “71% dos líderes empresariais admitem que as suas equipas ainda não estão preparadas para utilizar a IA com sucesso”. Adicionalmente, “51% dos líderes acreditam que as suas organizações não possuem talentos suficientemente qualificados para lidar com esta tecnologia”.A prontidão varia significativamente por setor, com o bancário, serviços financeiros e seguros a demonstrarem um maior nível de preparação, enquanto o setor da saúde parece estar a ficar para trás. A Kyndryl alerta que as organizações que “não priorizarem os seus colaboradores ficarão para trás”.Apesar do investimento e experimentação generalizados, a escalabilidade das iniciativas de IA permanece um obstáculo considerável. O estudo da Deloitte revela que “mais de dois terços dos líderes empresariais que trabalham com IA afirmam que apenas 30% ou menos das suas experiências serão totalmente escaladas nos próximos três a seis meses”.A implementação completa de uma estratégia de governança de IA é vista como um processo moroso: “69% dos inquiridos pela Deloitte acreditam que levará um ano ou mais”. Hervé Silva, partner da Deloitte, considera provável que “o ritmo vertiginoso da tecnologia nem sempre esteja alinhado com a velocidade a que o mercado adota as tecnologias emergentes”. Contudo, “há um reconhecimento cada vez maior, por parte dos líderes, das imensas capacidades e vantagens de adotarem este tipo de tecnologias”. As barreiras já identificadas na adoção da IA Generativa, como a incerteza regulatória, gestão de riscos, deficiências de dados e questões relacionadas com a força de trabalho, “continuam a aplicar-se e são ainda mais relevantes devido à maior complexidade dos sistemas autónomos”.Velocidade não abrandaApesar destes desafios organizacionais e humanos, a velocidade da tecnologia não abranda. Um novo vetor de criação de valor que emerge é a IA Autónoma, ou Agentic AI, definida pelo Microsoft Work Trend Index como “um sistema alimentado por IA que pode raciocinar, planear e agir para completar tarefas ou fluxos de trabalho de forma autónoma, com supervisão humana em momentos-chave”. O estudo da Deloitte indica que “26% das organizações já exploram o desenvolvimento de agentes autónomos em larga escala”, enquanto “42% estão a testar a tecnologia de alguma forma”. Esta inovação tem potencial para “desbloquear novas oportunidades, ao permitir que sistemas baseados em IA Generativa coordenem fluxos de trabalho complexos e executem tarefas com intervenção humana limitada”.O Microsoft Work Trend Index 2025, baseado em dados de “31.000 trabalhadores em 31 países”, “tendências do mercado de trabalho do LinkedIn” e “dados de produtividade do Microsoft 365”, também destaca a emergência dos agentes inteligentes como redefinidores dos modelos de trabalho. Este estudo prevê um percurso de transformação para a “Frontier Firm” - uma empresa potenciada por inteligência por encomenda e equipas “híbridas” de humanos e agentes. O percurso passa por fases onde a IA atua primeiro como assistente (Fase 1), depois como “colegas digitais” (Fase 2), e finalmente, onde os humanos definem a direção e os agentes executam processos complexos (Fase 3).De assinalar como “82% dos líderes esperam usar agentes para expandir a capacidade da força de trabalho nos próximos 12 a 18 meses”. Quase metade dos líderes (“45%”) afirmam que “expandir a capacidade da equipa com trabalho digital é uma prioridade máxima nos próximos 12-18 meses”, sendo esta a segunda estratégia prioritária, logo a seguir à requalificação da força de trabalho existente (“47%”). O estudo da Microsoft observa que “um terço (33%) de líderes está a considerar reduções de pessoal”, sinalizando que a IA “não está apenas a mudar a forma como o trabalho é feito - está a começar a reconfigurar quem o faz”.Esta transformação impulsionada pela IA exige uma reavaliação profunda da força de trabalho humana e dos modelos de trabalho. A necessidade de requalificação é crítica. A literacia em IA é identificada pelo LinkedIn como a “competência mais procurada para 2025”. Novos papéis estão a surgir, como o “agent boss” (“um gestor humano de um ou mais agentes”), ou especialistas em agentes de IA. “78% dos líderes estão a considerar contratar para funções específicas de IA” para preparar o futuro.No entanto, existe uma diferença notória na prontidão e mentalidade entre líderes e funcionários. Enquanto “67% dos líderes estão familiarizados ou extremamente familiarizados com agentes de IA”, “apenas 40% dos funcionários afirmam o mesmo”. Essa lacuna requer um investimento significativo em formação e capacitação. Maryjo Charbonnier, diretora de Recursos Humanos da Kyndryl, afirma que “preparar as equipas de trabalho para a era da IA é fácil de dizer, difícil de implementar e uma urgência para os líderes empresariais”. A Kyndryl sublinha que a “falta de confiança dos colaboradores na IA” é um obstáculo, e os CEO são muito mais propensos a “procurar talento fora da organização do que a investir na capacitação dos próprios colaboradores”.Tamanho não importaÉ de salientar que, embora os estudos da Deloitte e Kyndryl se baseiem predominantemente em inquéritos a grandes organizações ou executivos seniores, o Microsoft Work Trend Index inclui dados de “31.000 trabalhadores em 31 países”, abrangendo “empresas globais a pequenos negócios”.O estudo da Microsoft descreve exemplos de “Frontier Firms” que incluem startups que estão na vanguarda da alavancagem da IA e agentes. Exemplos notórios incluem um fundador individual a caminho de faturar “2 milhões de dólares por ano com uma empresa de recrutamento potenciada por IA”, e a ICG, uma startup de “cinco pessoas que utiliza IA para tudo, desde simulações de construção a pesquisa de mercado, aumentando as suas margens em 20%”. Ou seja, pode concluir-se que o tamanho da empresa não é um impedimento para a adição e êxito destas ferramentas, pelo contrário: certas startups estão, de facto, a liderar a adoção de IA e agentes para escalar rapidamente.Em suma, os estudos pintam um quadro de um investimento em IA robusto e em rápido crescimento, com uma exploração crescente da IA Autónoma/Agentic AI. No entanto, os principais desafios para a massificação da tecnologia residem na governança e incerteza regulatória, na escalabilidade limitada das iniciativas atuais, e, crucialmente, na substancial lacuna entre o investimento tecnológico e a preparação das pessoas e da organização. A capacidade de passar da experimentação para a implementação em larga escala continua a ser o grande obstáculo. A adoção generalizada da IA “não é uma questão de ‘se’, mas de ‘quando’”, exigindo uma abordagem estratégica que vá além da tecnologia, focando-se fundamentalmente na força de trabalho, na requalificação e na remodelação dos processos de negócio para integrar humanos e agentes eficazmente. Como conclui Amy Webb, futurista e CEO do Future Today Strategy Group, “se tiver um problema com pessoas, terá um problema com IA”.