Inês Sequeira. “Portugal precisa de mais filantropia estratégica”
“Portugal precisa de mais filantropos, mas sobretudo de uma filantropia mais estratégica, capaz de fazer realmente a diferença na vida das pessoas e das comunidades”, disse Inês Sequeira, a CEO da Rede Capital Social em entrevista ao DN. Essa foi, de resto, a razão que a levou a fundar a Rede Capital Social, em conjunto com mais três executivos de diferentes ramos, contando já com um vasto conjunto de parceiros entre os quais se encontram algumas das maiores empresas como a CGD, Fundação EDP, Grupo Pestana, BPI- Fundação La Caixa, Grupo José de Mello ou Fundação Santander. É uma abordagem disruptiva para a inovação social, que não existia em Portugal, mas cuja falta era sentida por quem está no terreno.
“A nossa missão é maximizar o impacto social do investimento social feito por empresas e entidades através de uma rede que possa apoiar a médio e longo prazo organizações do setor social, que lhes permitam escalar a sua ação e ter uma intervenção sistémica na sociedade”, disse a ex-diretora da Casa do Impacto (da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa) sobre a associação que conta quatro meses de existência. Depois de uma carreira ligada à inovação social, também na Câmara de Lisboa, Inês Sequeira concluiu que “às vezes não basta algum dinheiro e boa vontade, é preciso um apoio consistente e multidisciplinar para a resolução de certos problemas e isso exige recursos financeiros, mas também cohecimento e estratégia para saber como causar o maior impacto possível”. Por isso, a nova associação aposta em conectar os filantropos com as organizações sociais, para que as soluções possam nascer em conjunto e serem consistentes no tempo.
Um exemplo apontado como um desafio difícil de superar é o da empregabilidade das pessoas com deficiência. “Apesar de existir legislação que obriga empresas de maior dimensão a integrarem estas pessoas, isso não está a acontecer”, aponta Inês Sequeira. E há um conjunto de fatores que pode explicar esse incumprimento, para lá do puro desrespeito pela lei, incentivado pela falta de fiscalização. “Quando as empresas estão disponíveis a integrar pessoas com deficiência nem sempre há mão-de-obra com formação adequada para ocupar esses empregos”. Por outro lado, “às vezes as empresas expressam essa vontade, mas depois não têm condições logísticas ou outras para acolher devidamente a pessoa com a deficiência”.
Ora, “trabalhar para colmatar estas falhas, tanto do lado da oferta como do lado da procura, é uma das coisas que é preciso e que podemos fazer”. Isso pode passar por apoiar e orientar a formação das pessoas, em colaboração com o IEFP ou não, e outras medidas do lado das empresas, explica.
“O facto das empresas estarem em rede não significa que não continuem a ter os seus próprios projetos de responsabilidade social e ambiental, mas podem trabalhar em rede e causar um impacto muito maior”. Há que admitir que é diferente abordar uma questão com 10 mil euros ou com 100 mil euros.
País longe do podium
Portugal está muito longe do podium da filantropia, onde lideram os Estados Unidos (com 770 mil milhões de dólares doados em 2023), o Reino Unido (18 mil milhões de dólares), a Índia, a Holanda e a Nova Zelândia. “Não existe uma cultura de filantropia em Portugal, mas uma das coisas que queremos fazer é medi-la, e divulgar esses indicadores, porque não se pode mudar o que não se conhece”.
Nos países mais amigos da filantropia ela é fortemente incentivada com beneficios fiscais, o que poderia ser um caminho para Portugal, que “é um dos piores posicionados ao nível da UE e da OCDE”, admite Inês. Curiosamente é daqueles em que existem mais instituições particulares de solidariedade social (IPSS) per capita.
Mas a filantropia “é cada vez mais necessária, à medida que a sociedade enfrenta novos desafios a grande velocidade, desde a digitalização às migrações”. A sociedade está a mudar muito rápido e “as organizações do setor social podem ser mais ágeis a reagir do que estruturas estatais mais pesadas e burocráticas”, acredita a jurista que sonhava ser ativista do GreenPeace quando era jovem.
Exemplos de como incentivar projetos inovadores pode fazer toda a diferença não faltam no percurso de vida de Inês, que apoiou mais de 470 startups enquanto diretora da Casa do Impacto, reconhecida pelo Finantial Times como um dos principais hubs de startups focados em impacto na UE.
A Academia de Código, voltada para as competências digitais e programação, foi um projeto apoiado que recebeu o primeiro título de impacto social e que ficou na memória. “Os cursos ali ministrados têm uma empregabilidade de 98%, garantindo salários bastante razoáveis”, diz. “Na altura fizemos um acordo com eles para formarem pessoas sinalizadas pela Santa Casa entre desempregados, imigrantes, pessoas em situação difícil ou vítimas de violência doméstica e há claramente um antes e um depois na vida dessas pessoas”. Outra particularidade é que “muitos dos alunos que entraram, com dificuldades, se tornaram formadores num regime de mentoria que resulta muito bem, porque se cria uma empatia maior entre todos”.
Outro exemplo inspirador é o do projeto Class of Wonders, que usa a gamificação (jogos digitais) para ajudar os alunos de escolas em zonas urbanas sensíveis a melhorarem os seus resultados a disciplinas como matemática e português.
“O desafio agora é ajudar a criar uma cultura de empreendedorismo social e garantir que existem investidores para escalar as boas ideias”, resume Inês Sequeira.