As mulheres exercem funções nas quais a IA poderá substituir um conjunto significativo de tarefas.
As mulheres exercem funções nas quais a IA poderá substituir um conjunto significativo de tarefas.Fábio Poço / Global Imagens

Incerteza mundial leva a nova onda de despedimentos nas tecnológicas

Também startups anunciaram cortes neste início de ano. O que está por detrás da redução?
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A indústria tecnológica está a passar por um realinhamento em 2025 e isso inclui uma nova onda de despedimentos, depois de dois anos de transformação intensa. Durante este mês de janeiro foram várias as tecnológicas que anunciaram planos para cortar a sua força de trabalho. 

A Meta - casa-mãe do Facebook, Instagram, Threads e WhatsApp - vai despedir cerca de 5% dos funcionários focando-se naqueles que têm pior desempenho, segundo explicou o CEO Mark Zuckerberg. A Microsoft tem um plano semelhante, embora o número exato de despedimentos ainda não tenha sido anunciado. Mas a gigante quer olhar para o desempenho como parte do plano de redução. A Stripe, que desenvolve uma das plataformas de pagamentos mais usadas, vai despedir 300 pessoas na área de produto. Mas não são só grandes empresas: uma análise TechCrunch aponta para despedimentos em startups como a SolarEdge Technologies, Wayfair e Icon. E também não serão apenas as tecnológicas a protagonizar despedimentos: segundo uma sondagem da ResumeTemplates, 45% dos gestores de recursos humanos nos Estados Unidos esperam cortes nas suas organizações. O que se passa, afinal? Uma pesquisa recente do Fórum Económico Mundial indica que 41% das empresas em redor do globo esperam reduzir os seus quadros durante os próximo cinco anos por causa da Inteligência Artificial. Este tem sido um dos principais tópicos de discussão quando se fala da ascensão da IA e da capacidade cada vez maiores de sistemas generativos automatizarem trabalho anteriormente feito por pessoas. 

Mas a resposta não é assim tão simples, como disse ao Dinheiro Vivo Francisco Jerónimo, vice-presidente associado da divisão de dispositivos na IDC EMEA. 

“Aquilo que nós vemos por parte dos fabricantes é que, efetivamente, há uma precaução nos investimentos”, afirmou. “Não é necessariamente porque a IA está a avançar”, salientou, explicando que a tecnologia ainda não é boa o suficiente para substituir pessoas. 

“Aquilo que nós estamos a ouvir também por parte das consultoras é que, quando começam a implementar a IA, e principalmente quando é usada para este tipo de criação de conteúdo, de documentos, de relatórios, de análise, a qualidade ainda é muito fraca.” 

Francisco Jerónimo acredita que o que está a acontecer nas tecnológicas é o resultado de alguma saturação do mercado. “Se olharmos para as empresas de eletrónica de consumo, aquilo que está a acontecer é que está a ser cada vez mais difícil atrair consumidores a renovar os seus dispositivos à velocidade que se tinha no passado”, sublinhou. “Porque estes produtos estão a ter ciclos de vida cada vez mais extensos e não há inovação ainda suficiente para as pessoas estarem a renovar os seus terminais.”

Ao nível do software, as empresas estão a investir muito em IA. “Mas estamos a falar aqui de um impacto ainda marginal na produtividade”, avisou o analista. “E não está no ponto em que as empresas podem começar a dispensar funcionários por causa de IA.”

Por outro lado, as empresas que estão a ter impacto positivo na utilização de IA olham para formas de expandir o negócio – e não necessariamente usar IA para cortar custos e substituir pessoas. 

Despedimentos vs. escassez de talento 

As ondas de despedimentos nas tecnológicas parecem bater de frente com a crónica escassez de talento que aflige o setor, mas ambas as tendências estão a ocorrer. Embora haja perfis de empregados que estão a ser dispensados, as empresas têm necessidades que não conseguem preencher. O resultado é um mercado laboral que, este ano, não deverá ser positivo. 

“Se as empresas investem cada vez mais em Inteligência Artificial, no desenvolvimento e implementação de soluções, a realidade é que também não há mão de obra suficiente e especializada em IA para podermos esperar um crescimento massivo”, disse Francisco Jerónimo. Há necessidade de engenheiros de software que se especializem em IA, mas essa ainda é uma mão de obra limitada – o que inclusive leva a uma guerra entre as empresas para atrair este tipo de profissionais. 

“Não é uma coisa em que se possa re-treinar pessoas para poderem passar a fazer aplicações de IA ou implementação”, considerou.

Incerteza no palco mundial 

A onda de despedimentos que se espera para 2025 – e que acontece depois de cerca de 150 mil pessoas terem sido demitidas de tecnológicas no ano passado – reflete a incerteza com que as empresas estão a abordar este ano. 

“Há muitas empresas que estão expectantes para perceber o que é que vai acontecer com a nova administração nos Estados Unidos, principalmente se houver a implementação de tarifas, como Donald Trump está a dizer que vai fazer”, explicou Francisco Jerónimo. O presidente disse que irá cobrar tarifas em várias regiões do mundo, da China ao Canadá e Europa, e anunciou a criação de um Serviço de Receitas Externas para recolher essas novas taxas.

Isto é preocupante para as grandes tecnológicas, porque a maioria dos seus produtos são, no mínimo, montados na China (como Apple, Dell, Microsoft, Samsung, Tesla ou Intel). 

“Está a levar a muita incerteza, porque não é fácil para uma empresa que produz na China ou noutro país passar a produzir nos Estados Unidos só para evitar as tarifas”, destacou Francisco Jerónimo. 

O analista salientou que a expectativa é de que a guerra comercial com a China se venha a intensificar, embora não seja ainda claro como a administração Trump vai implementar as tarifas e que tipo de retaliação virá de Pequim. “Daí as empresas estarem a restringir os seus investimentos, devido à incerteza e devido ao facto de que a economia mundial não está numa situação de forte crescimento.” 

Para o analista, a Europa é a região que está mais fragilizada, porque depende muito do comércio externo com os Estados Unidos e não tem capacidade produtiva a nível de tecnologia para que as empresas norte-americanas continuem a fazer investimentos aqui.

“Se houver pressão para que façam os investimentos nos Estados Unidos vão-lhe dar preferência, até porque nesta administração espera-se que não haja foco na regulação como na Europa, o que tem sido prejudicial para muitas tecnológicas.” Por outro lado, o impacto negativo da guerra na Ucrânia mantém-se e não há sinais de que venha a resolver-se rapidamente.

A expectativa de alívio das regulações nos Estados Unidos explica, indicou o analista, que as grandes tecnológicas estejam focadas numa boa relação com a Casa Branca e os CEO tenham estado na tomada de posse. “Andam aqui a fazer um beija-mão ao Trump, porque sabem que podem beneficiar imenso se a opção dele for não regular os seus negócios e, principalmente, não regular a IA.” 

No segundo dia de mandato, Trump anunciou a iniciativa Stargate, um plano de infraestrutura de IA de 500 mil milhões de dólares a quatro anos, numa parceria entre OpenAI, Softbank e Oracle. O presidente disse que o projeto vai criar 100 mil empregos nos Estados Unidos. Será suficiente para compensar os despedimentos? 

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