Guerra tarifária leva OCDE a cortar muito no crescimento da Europa, EUA e outras 11 grandes economias do mundo
O aumento de riscos e ameaças, sobretudo o que decorre da escalada da guerra comercial e tarifária entre Estados Unidos e outras grandes economias do globo, como a Europa, e fora dela, México, Brasil, Canadá ou Austrália, levou a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) a cortar de forma significativa e quase transversal as previsões de crescimento da maioria das principais economias do mundo: num conjunto de duas dezenas de países de referência escolhidos pela OCDE, 12 viram as suas perspetivas emagrecer de forma substancial, mostra o novo outlook, publicado esta segunda-feira.
As economias mais fustigadas (face há três meses, ao outlook de dezembro) são os dois vizinhos dos Estados Unidos, que foram os primeiros e especialmente visados com a brutalidade tarifária do governo de Donald Trump. O Canadá leva um corte de 1,3 pontos percentuais (p.p.). no crescimento previsto para este ano, que assim cai para apenas 0,7%.
O caso do México é ainda pior: a grande economia latino americana entra em recessão este ano. A OCDE cortou a previsão de 2025 em 2,5 pontos percentuais, para -1,3%.
No grupo de duas dezenas de economias de referência seguidas pela organização, a economia mexicana é a primeira a capitular.
A OCDE refere que "a economia mundial tem sido resiliente em 2024, mas estão a surgir sinais de fraqueza num contexto de crescimento mais lento, inflação persistente e um ambiente político incerto".
De acordo com as novas Perspetivas Económicas Intercalares da OCDE, "o crescimento global abranda para 3,1% em 2025 e 3% em 2026", mas "com diferenças importantes entre países e regiões".
"Prevê-se que o crescimento do PIB dos Estados Unidos seja de 2,2% em 2025", na sequência de uma revisão em baixa de duas décimas face a dezembro, e depois a maior economia do mundo deve "abrandar para 1,6% em 2026".
A Zona Euro sofre um corte na previsão de 0,3 p.p., crescendo apenas 1% em 2025 e 1,2% em 2026.
A Alemanha leva com uma revisão em baixa de 0,3 pontos e assim caminha para a estagnação, prevendo-se agora uma expansão anémica de 0,4% da maior economia europeia e das maiores do mundo. Um mau resultado, tendo em conta que em 2024 a Alemanha teve uma recessão de 0,2%.
França não vai além de 0,8% este ano (mais fraco do que os 1,1% do ano passado), Itália cresce apenas 0,7% (o mesmo que em 2024)
Espanha destoa do geral, mas pelo bom sentido, o que acaba por ser um bom augúrio para Portugal, já que é o nosso maior parceiro económico e comercial. A economia espanhola cresce 2,6% em 2025, mais 0,3 pontos do que se previa em dezembro, indica a OCDE.
A organização, também apelidada de clube dos "países desenvolvidos ou mais ricos", liderada pelo secretário-geral Mathias Cormann, prevê ainda que o crescimento da China, que disputado com os EUA o título de maior economia global, "abrande de 4,8% este ano para 4,4% em 2026".
A instituição sediada em Paris alerta que "o elevado nível de incerteza geopolítica e política atual acarreta riscos substanciais para as projecções de referência" e que um deles e mais proeminente "é a escalada das medidas restritivas do comércio".
Cenário mau nas tarifas deprime PIB mundial em 0,3% até 2027
"Um exercício ilustrativo, em que as tarifas aduaneiras bilaterais são aumentadas sobre todas as importações de bens não essenciais com destino aos Estados Unidos, com os correspondentes aumentos dos direitos aduaneiros aplicados às importações de bens não essenciais provenientes dos Estados Unidos destinados aos outros países, mostra que o produto mundial pode cair cerca de 0,3% até ao terceiro ano [até final de 2027 se o ano de base for 2024] e que a inflação mundial pode aumentar 0,4 pontos percentuais por ano, em média, ao longo dos primeiros três anos", calcula a OCDE.
O impacto destes choques "será amplificado se a incerteza política continuar a aumentar ou se se verificar uma reavaliação generalizada dos riscos nos mercados financeiros. Estes fatores agravam as pressões no sentido da redução das despesas das empresas e das famílias em todo o mundo", diz o estudo.
Inflação tende a subir
Segundo o novo estudo, a inflação deve ser "mais elevada do que o anteriormente esperado, embora continue a moderar-se à medida que o crescimento económico abranda".
"A inflação dos preços dos serviços continua elevada, num contexto de mercados de trabalho pouco flexíveis, e a inflação dos preços dos bens começou a aumentar em alguns países, ainda que a partir de níveis baixos."
"Prevemos que a inflação global anual nas economias do G20 [20 maiores do mundo] seja de 3,8% em 2025 e de 3,2% em 2026", valores que refletem uma revisão "em alta em 0,3 pontos percentuais em comparação com as nossas Perspetivas Económicas de dezembro".
A subida média de preços no consumidor da Zona Euro foi revista em alta ligeira, em uma décima, para 2,2%, o que pode sinalizar mais certezas da parte do Banco Central Europeu (BCE) em não descer tanto os juros, ou então ir mais devagar nas descidas que ainda restam. Em 2026, a inflação da Zona Euro desce para 2%, ou seja, já está em linha com o objetivo da instituição presidida por Christine Lagarde.
“A economia mundial demonstrou alguma resiliência, com o crescimento a manter-se estável e a inflação a descer. No entanto, surgiram sinais de fraqueza, impulsionados pelo aumento da incerteza política”, afirma Mathias Cormann.
“O aumento das barreiras comerciais contribuirá para aumentar os custos de produção e consumo" pelo que "continua a ser essencial assegurar o bom funcionamento de um sistema de comércio internacional baseado em regras e manter os mercados abertos”, defende o mesmo responsável.
Segundo a OCDE, estamos perante "uma série de riscos", designadamente "uma maior fragmentação do comércio que pode prejudicar o crescimento global".
E chama "especial atenção para o risco de volatilidade macroeconómica" porque "uma desaceleração inesperada, uma mudança de política ou um desvio da trajetória de desinflação projetada podem desencadear correções do mercado, saídas de capital significativas e flutuações das taxas de câmbio, em especial nos mercados emergentes", mais pobres.
"Os elevados níveis de dívida pública e as elevadas valorizações dos activos aumentam ainda mais estes riscos" pelo que "os bancos centrais devem manter-se vigilantes, dada a incerteza acrescida e o potencial para que os custos comerciais mais elevados façam aumentar as pressões sobre os preços".
Além disso, do lado do poder público (governos), "são necessárias medidas orçamentais decisivas para garantir a sustentabilidade da dívida, preservar a margem de manobra para reagir a choques futuros e gerar recursos para fazer face às grandes pressões de despesa iminentes".
E "são necessários esforços mais vigorosos para reafetar as despesas públicas a atividades que apoiem o crescimento a mais longo prazo", insiste a OCDE.