Ganhos com a IA “não serão substanciais” e Portugal é dos que menos vai aproveitar
Os ganhos gerados pela implementação de novas tecnologias baseadas em Inteligência Artificial (IA) deverão ser “importantes”, mas “não substanciais”, como muitos peritos defendem, conclui um estudo sobre o passado, presente e futuro da produtividade do trabalho e do capital nos próximos anos, na Europa, apresentado no último dia do Fórum do Banco Central Europeu (Fórum BCE), que decorreu em Sintra, Portugal, entre esta segunda-feira e quarta-feira.
O trabalho de Antonin Bergeaud, um jovem economista francês (35 anos) da Escola de Altos Estudos Comerciais de Paris (HEC Paris), usou modelos já estabelecidos de outros peritos na área, como Daron Acemoglu (professor do MIT), para estimar o impacto de tecnologias avant-garde como a IA generativa.
Os ganhos de produtividade e de crescimento económico que se podem já projetar nos próximos dez anos são bem mais modestos do que se diz, conclui o professor.
O estudo faz ainda um exercício para 18 economias da Europa no qual Portugal fica abaixo da média no aproveitamento do potencial da IA nos ganhos de produtividade, por exemplo. Atrás da Eslovénia e das três economias bálticas (Lituânia, Letónia e Estónia).
A investigação também atualiza o já famoso ranking das profissões mais ameaçadas pelo advento artificial. Os contabilistas e o pessoal do telemarketing são os mais ameaçados pela adoção da IA; no extremo oposto, no grupo dos menos expostos, estão enfermeiros, cabeleireiros e profissões da construção civil. Sobre os advogados, há uns anos um grupo quase blindado face aos avanços da nova informática, há agora mais dúvidas: estão mais expostos, quase tanto como os arquitetos e os jornalistas.
Na apresentação ao Fórum BCE, Antonin Bergeaud conclui que “os ganhos com a adoção da IA serão provavelmente importantes, mas não substanciais”. E “a maior parte dos ganhos virá da produção de IA para criar novas ideias”, mas “isto exige estar na fronteira tecnológica e ser capaz de produzir novos modelos e ferramentas”, sobretudo focados na realização de novos avanços no conhecimento e, ato contínuo, na produtividade do trabalho das pessoas e do investimento feito por empresas e Estados.
O estudo endereçado ao Fórum organizado pela autoridade presidida por Christine Lagarde conclui que, no caso da União Europeia (UE), “o fosso [o diferencial de produtividade face aos EUA] tem sido particularmente acentuado desde 1995, o que levanta grandes preocupações sobre o futuro do crescimento económico europeu, especialmente, tendo em conta que o panorama da inovação [na UE] continua a sofrer dos mesmos problemas que contribuíram para o seu relativo abrandamento após a crise petrolífera”.
Assim, o futuro da produtividade europeia “poderá depender da adoção efetiva da Inteligência Artificial e das inovações relacionadas com o clima”.
O autor assume que “estas tecnologias têm um potencial significativo para gerar ganhos de produtividade e poderão inverter esta tendência negativa”.
No entanto, “os ganhos da substituição de tarefas fáceis de automatizar pela IA são relativamente modestos”. O grosso do emprego ainda está radicado numa grande proporção de empregos onde a IA pode, com alguma facilidade, ocupar o espaço disponível em termos de tarefas.
Um certo vazio de novas ideias?
Outro ponto a ter em consideração, diz o economista, é que “para concretizar todo o potencial da IA, a Europa deve incentivar as empresas a investir no desenvolvimento de novos modelos que melhorem a qualidade dos bens e serviços, que criem novas ideias e resolvam problemas complexos”.
Da mesma forma, surge o aviso de que há atrasos do passado recente que é preciso resolver, recuperar: “O desenvolvimento de inovação verde [tecnologias mais amigas do ambiente], impulsionado principalmente por novas empresas, foi interrompido com a grande crise financeira devido a restrições de crédito”.
“Haver ganhos significativos destas revoluções tecnológicas, exigirá, portanto, intervenções políticas mais bem direcionadas que garantam uma melhor afetação de recursos e promovam um ambiente que apoie a adoção e o desenvolvimento tecnológico mais radical”, defende o economista.
Antonin Bergeaud, que também recuou aos primórdios da idade industrial contemporânea (Revolução Industrial, finais do século XIX), não esquece que desde meados dos Anos 70 do século passado se assistiu a um declínio da Europa na liderança do impulso da produtividade, face aos EUA, mais recentemente face a outras economias, como a China, por exemplo.
É o caso das patentes, da autoria de novas ideias e fórmulas tecnológicas, é o caso da Inteligência Artificial, também. A Europa faz isto, claro, mas faz muito mais devagar, mostra a investigação.
“Esta tendência europeia pode estar relacionada com políticas industriais e de inovação inadequadas que sofreram com a falta de coordenação entre países, incentivos inadequados para a colaboração com o ecossistema universitário e um sistema financeiro que não apoia adequadamente a assunção de riscos e o desenvolvimento de startups de rápido crescimento preparadas para se tornarem líderes em novas vagas tecnológicas”, constata o professor.