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FMI. Nível de dívida pública "é pior do que parece" e saúde orçamental dos países também

Departamento de Vítor Gaspar avisa que é bem provável que "venham a ser necessários ajustamentos orçamentais muito maiores do que os atualmente previstos", até porque os países tendem a subestimar significativamente as previsões da sua dívida pública.
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O nível de dívida pública global "é muito alto", deve ultrapassar já os 100 biliões de dólares (cerca de 93% do PIB - Produto Interno Bruto) no final deste ano, e vai continuar a subir até que toda a dívida por pagar represente tudo o que a economia mundial consegue produzir num ano (100% do PIB em 2023), diz o novo estudo Monitor Orçamental, do Fundo Monetário Internacional (FMI), que é preparado pelo departamento de assuntos orçamentais dirigido por Vítor Gaspar, o ex-ministro das Finanças português.

Para o FMI, este estado de coisas não é viável, nem sustentável, é inclusivamente perigoso pois pode por em xeque a capacidade de crescimento económico num futuro próximo e de resposta contra choques e crise, mais as pressões crescentes da demografia, das guerras e das alterações climáticas.

"A dívida elevada reduz o espaço orçamental e a capacidade dos governos para responder às crises económicas, drena a capacidade para fazer os investimentos necessários em prol do crescimento e aumenta o risco de stress soberano [pode afundar a nota da dívida, o rating, tornando o endividamento muito mais caro]", recorda a equipa coordenada por Gaspar.

Segundo o FMI, desde a pandemia que o peso da dívida subiu 10 pontos percentuais e neste novo estudo a instituição diz ter descoberto que "embora se espere que a dívida pública estabilize ou diminua em dois terços dos países do mundo [cenário de base atual], o Monitor Orçamental de Outubro de 2024 mostra que os níveis futuros da dívida poderão ser ainda mais elevados do que os projetados". "Pode ser pior do que parece".

Se isto for verdade, continua o Fundo, também "serão necessários ajustamentos orçamentais muito maiores do que os atualmente previstos". 

Portanto, insiste o FMI, o cenário para a maioria dos países, incluíndo os europeus avançados, "é pior do que o esperado" e "por três razões: grandes pressões sobre a despesa, enviesamento otimista das projeções para a dívida e dívida considerável que ainda não foi identificada."

O FMI avisa que é hoje claro que "o discurso sobre finanças públicas que atravessa todo o espetro político  inclina-se cada vez mais no sentido de fazer despesas públicas mais elevadas".

No entanto, "os países terão de gastar cada vez mais para fazer face ao envelhecimento e aos cuidados de saúde; para financiar a transição verde e a adaptação climática; e ainda a Defesa [gastos militares] e a segurança energética, devido às crescentes tensões geopolíticas".

"Por outro lado, a experiência passada sugere que as projeções para a dívida tendem a subestimar os resultados reais por uma margem considerável." Segundo o FMI, o erro nas previsões a cinco anos chega a ser de 10 pontos percentuais de dívida efetivamente a mais face ao inicialmente projetado, em média.

Países desvalorizam o aperto que ainda é necessário

No entender do FMI, "se a dívida pública for mais elevada do que parece, então os atuais esforços orçamentais serão provavelmente inferiores aos necessários".

Na apresentação do Monitor, em Washington, Vítor Gaspar defendeu que "o momento para os países iniciarem os seus processos de ajustamento orçamental é agora".

Segundo o estudo do FMI, "o ajustamento orçamental desempenha um papel crucial na contenção dos riscos da dívida".

"Com a inflação a baixar e a atual redução das taxas diretoras dos bancos centrais, as economias estão agora melhor posicionadas para absorver os efeitos económicos dos apertos orçamentais" que necessitem fazer.

Atrasar estes processos de ajustamento "é dispendioso e arriscado, pois a correção necessária aumenta quanto mais tempo decorrer; e a experiência mostra que a dívida elevada e a falta de planos orçamentais credíveis podem desencadear reações adversas nos mercados, restringindo a margem de manobra dos países face à turbulência".

Tendo em conta os riscos específicos de cada país em torno das perspetivas da dívida, o FMI conclui que "os atuais ajustamentos orçamentais – em média, de 1% do PIB ao longo de seis anos até 2029 – mesmo que implementados na íntegra, não são suficientes para reduzir significativamente ou estabilizar a dívida, com uma elevada probabilidade".

Pelas contas do Fundo, "é necessário um aperto orçamental cumulativo de cerca de 3,8% do PIB durante o mesmo período para que uma economia média garanta, como uma elevada probabilidade, a estabilização da sua dívida".

"Nos países onde não se prevê que a dívida estabilize, como China e Estados Unidos, o esforço necessário é substancialmente maior, mas estas duas maiores economias têm um conjunto de opções políticas muito mais rico do que outros países", admite o FMI.

FMI dramatiza ao máximo

No Monitor Orçamental, Gaspar e o FMI avisam várias vezes. "Não há espaço para complacência. Os riscos em torno das projeções da dívida são elevados e altamente inclinados para cima [tenderão a ser revistos em alta]."

"Estima-se que a dívida global possa ser quase 20 pontos percentuais do PIB superior, daqui a três anos, ao atualmente projetado, sendo que níveis elevados de dívida amplificam hoje os efeitos negativos de um crescimento mais fraco ou de condições financeiras mais restritivas nos rácios da dívida futura".

A derrapagem na dívida têm várias explicações, enumeram economistas da equipa de Vítor Gaspar. "Pode dever-se a várias razões: crescimento mais fraco, condições de financiamento mais restritivas, derrapagens orçamentais e maior incerteza económica e política".

Além disso, continuam os peritos, "é importante realçar que os países estão cada vez mais vulneráveis ​​a fatores globais que afetam os seus custos de financiamento, incluindo as repercussões de uma maior incerteza política em países importantes do ponto de vista sistémico, como os Estados Unidos".

O problema das dívidas escondidas, ainda não identificadas

Outra fonte de derrapagem é a dívida que ainda está escondida e não foi assumida nas contas oficiais dos países. Acontece muito em Portugal, com os chamados passivos contingentes.

Diz o FMI que "uma dívida não identificada considerável é outra razão para a dívida pública acabar por ser significativamente superior ao projetado. Numa análise a mais de 30 países concluimos que 40% desta dívida não identificada provém de passivos contingentes e de riscos orçamentais que os governos acarretam, a maioria dos quais relacionados com perdas em empresas públicas".

No caso de Portugal, acrescem veículos públicos que serviram para financiar perdas astronómicas com bancos privados que faliram e caíram no colo dos contribuintes.

Historicamente, continua o FMI, a referida dívida não identificada "tem sido elevada, variando entre 1% e 1,5% do PIB em média, e aumenta acentuadamente durante períodos de stress financeiro".

A dívida por esse mundo fora

"Para as economias dos mercados emergentes e em desenvolvimento, os elevados níveis de dívida combinados com ​​necessidades brutas de financiamento consideráveis podem aumentar a probabilidade de dificuldades soberanas – mais de dois terços destas economias já se encontram ou correm um elevado risco de sobreendividamento", observa o Fundo.

E no caso dos países mais ricos, "mesmo que as economias avançadas tenham normalmente uma maior tolerância à dívida, os níveis elevados de endividamento e a incerteza em torno da política orçamental em países sistemicamente importantes, como China e Estados Unidos, podem gerar repercussões significativas sob a forma de custos de financiamento mais elevados e riscos relacionados com a dívida noutras economias" do globo.

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