A maior parte das perturbações do serviço da Fertagus deve-se a causas fora do seu controlo e responsabilidade.” O Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT) praticamente iliba a empresa do Grupo Barraqueiro pelos problemas causados nos últimos dois meses com a mudança nos horários dos comboios entre Roma-Areeiro (Lisboa) e Setúbal. A culpa é da Infraestruturas de Portugal (IP), alega ao DN a entidade que fiscaliza o contrato de concessão para a travessia ferroviária na Ponte 25 de Abril. Noutro âmbito, a Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT) defende, desde 2019, que deveria ser lançado um novo concurso público para operador neste percurso sobre carris.Desde 15 de dezembro, Setúbal substituiu Coina como destino da maioria dos comboios que atravessam a Ponte 25 de Abril. Como o DN indicou mais de uma semana antes, a Fertagus trocou serviços com maior capacidade por mais frequência de comboios. Não podendo reforçar o parque de 18 automotoras com quatro carruagens cada - tal implica, à cabeça, uma notificação com, pelo menos, dois anos de antecedência -, a concessionária tentou ajustar a oferta ao forte aumento da procura a partir de Setúbal, através de comboios consecutivos com apenas quatro carruagens em vez das anteriores oito.A realidade ultrapassou as previsões nas horas de ponta: de manhã, na direção a Lisboa, com os comboios a acumularem mais utentes a partir de Setúbal, os passageiros ficaram apeados em estações como Coina, Fogueteiro, Foros de Amora, Corroios e Pragal; de tarde, na direção para Setúbal, um comboio com partida de Roma-Areeiro chega completamente cheio a estações como Sete Rios e Campolide. A Fertagus tentou corrigir o problema com alterações cirúrgicas a 20 de janeiro, intercalando unidades simples com unidades duplas entre Coina e Lisboa. .Governo pediu ajuda à CP para resolver constrangimentos nos comboios Fertagus, mas empresa "não tem meios".Utentes da Fertagus querem regresso a horários anteriores para minorar transtornos de passageiros . O IMT alega que os efeitos das alterações “têm sido negativamente contaminados” por “dificuldades com a gestão da infraestrutura” e “condições climatéricas que afetam negativamente operadores e infraestrutura”. Avarias, obras, afrouxamentos e cantonamentos [divisão da linha férrea em que só pode circular um comboio de cada vez] “não permitiram ainda a estabilização do estrito cumprimento dos novos horários, o que tem motivado, em grande medida, atrasos, acumulação de passageiros nas plataformas e dificuldades no transporte dos horários seguintes”, justifica fonte oficial do IMT.O mesmo instituto público refere ainda que o gestor de infraestrutura tem dado prioridade na circulação aos comboios de longo curso face aos suburbanos, algo normal na gestão ferroviária do dia a dia. É por apontar grande parte das responsabilidades à IP que as penalizações à Fertagus relativas à pontualidade e regularidade custaram menos de 49 mil euros entre 2015 e 2023 - o montante relativo a 2024 ainda está a ser apurado.O DN perguntou ainda ao IMT se entende que estão atualmente “garantidas todas as condições de segurança, operacionalidade, e, eficiência, rapidez, comodidade, conforto e asseio” dos comboios, conforme determina o contrato de concessão. O instituto público relaciona o preço da viagem com a qualidade do serviço, sinalizando que o primeiro contrato, de 1999, “previa um quadro de oferta de muito elevada qualidade, tendo como contrapartida um tarifário reconhecidamente diferenciado, que era naturalmente limitador do acesso ao serviço”; desde abril de 2019, com a introdução dos passes a 30 e 40 euros na Área Metropolitana de Lisboa, o acesso aos comboios da Fertagus “massificou-se como nunca antes acontecera, e isso tem naturais repercussões no serviço, que apresenta agora um nível de qualidade ajustado à realidade existente”.Para reforçar o “comboio da ponte”, a Comissão de Trabalhadores da CP, em conjunto com vários sindicatos, sugeriu, como solução mais imediata, o fim da exclusividade da concessão da Fertagus, permitindo que o operador público prolongasse alguns comboios suburbanos com partida de Sintra e Castanheira do Ribatejo até Coina e Fogueteiro, respetivamente, em vez de terminarem nas estações do Rossio ou de Alcântara-Terra. A solução maximiza a frota da CP e não retira material circulante da linha suburbana mais procurada do país, como é a Linha de Sintra.AMT defende novo concursoAs mudanças na Fertagus entraram em vigor em 15 de dezembro para coincidir com o início dos horários relativos a 2025, refere o parecer da AMT sobre a nova prorrogação do contrato de concessão entre o Estado e Fertagus até 31 de março de 2031, ao abrigo de um acordo de reposição do equilíbrio financeiro que tinha sido pedido em janeiro de 2023 pela empresa do Grupo Barraqueiro. A transportadora privada queria uma prorrogação do contrato por 11 anos. No entanto, para reduzir o prolongamento da concessão, decidiu-se pela alteração de horários, por ser “a opção que melhor serve o interesse público, através do reforço de oferta que vai ao encontro do crescimento da procura, em particular do serviço a Setúbal”, alegou a comissão de renegociação do contrato no parecer da AMT. A autoridade dos transportes, no entanto, desde 2019 que defende o lançamento de um novo concurso público para a travessia ferroviária e entende mesmo que deve haver concorrência. “A entrada de novos operadores pode induzir efeitos positivos para a economia (nacional e regional) e para população, com oferta de novos serviços onde eles não existam ou de cariz complementar a existentes e pode também ter efeitos positivos em todo o sistema e em outros operadores, designadamente pela potenciação da procura, distribuindo-se por toda a rede”, salienta no parecer de agosto de 2024, assinado pela presidente da AMT, Ana Paula Vitorino.No entanto, quer em 2019, quer em 2024, a AMT alega que não houve tempo para lançar um concurso público. Em 2019, o contrato foi prorrogado para “evitar o aumento da despesa pública” e garantir que o serviço ferroviário não correria o risco de ser interrompido de um dia para o outro. A autoridade pretendia que o concurso público devesse “iniciar-se já em 2020”, para ficar concluído até setembro de 2024, quando terminaria o contrato de concessão. Contudo, “tal determinação não foi cumprida”, reconhece a AMT no parecer do ano passado. A culpa foi da covid-19 e dos impactos “particularmente intensos nos transportes públicos”. Resta saber se, desta vez, seis anos serão suficientes para evitar uma nova prorrogação do contrato da Fertagus.