Bruxelas quer que o Governo acabe com os apoios aos combustíveis, o que seria mau para o bolso dos portugueses. O ministro das Finanças já fez saber que o desconto no Imposto sobre Produtos Petrolíferos (ISP) mantém-se, para já, e promete uma retirada gradual. Os analistas alertam que o fim abrupto de apoios pode agravar a inflação energética e afetar os consumidores vulneráveis. A Deco Proteste estima que tal representasse um aumento de 15 a 20 cêntimos por litro, mais IVA, fazendo subir o preço dos combustíveis para valores próximos dos dois euros, o que é “completamente incomportável”. .As primeiras intervenções de contenção do ISP datam de outubro de 2021. É nessa altura que o Governo decide congelar a taxa de carbono, nos 5,4 cêntimos por litro de gasolina e 5,9 cêntimos no gasóleo, e fazer a primeira redução do ISP, de 52 cêntimos para 50 cêntimos por litro na gasolina e e de 34 para 33 cêntimos no gasóleo..Em 2022, com o agravar da crise energética, e o disparar das cotações do petróleo, o Governo introduziu então aquilo que designou por mecanismo de redução da carga fiscal equivalente ao que resultaria da redução da taxa do IVA de 23% para 13%, fazendo mexidas amiúde. No início de 2023, o ISP sobre o gasóleo estava nos 37 cêntimos por litro e nos 17 cêntimos no gasóleo. A estes valores acresce IVA. .Desde então, o caminho de redução dos apoios foi sendo feito, designadamente com o descongelamento da taxa de carbono e a revisão do próprio ISP. A soma de ambos está atualmente nos 63,4 cêntimos por litro na gasolina e nos 50 cêntimos no gasóleo. A que é preciso somar ainda os 23% do IVA..“Tendo em conta o preço atual dos combustíveis, de 1,59 euros no gasóleo e de 1,70 euros na gasolina, é fácil perceber que repor os níveis do ISP, que entretanto integra a taxa de carbono, que passou de 5 a 6 cêntimos em 2021 para 18 a 20 cêntimos atualmente, seria empurrar os preços de venda ao público para valores na ordem dos 1,90 euros na gasolina e 1,80 no gasóleo, o que é completamente incomportável”, diz Pedro Silva, especialista em energia da Deco Proteste. .Revisão da componente fiscal.Para este responsável, o importante seria que o Governo fizesse uma revisão da componente fiscal dos combustíveis, que já está novamente acima dos 50% do preço final no gasóleo e nos 56% na gasolina. “Isto pesa no bolso dos portugueses para uma mobilidade que ainda está baseada nestes dois combustíveis. Não defendemos a continuação ad eternum dos combustíveis fósseis, mas também não queremos a exclusão de consumidores por não terem acesso a meios para se moverem”, sustenta. .Paulo Rosa, economista sénior do Banco Carregosa, concorda que o fim abrupto dos apoios pode agravar a inflação energética e afetar os consumidores vulneráveis. “Países como Portugal, com maior dependência de combustíveis fósseis, e menores rendimentos disponíveis, enfrentam dificuldades adicionais”, diz, considerando que “a eliminação de apoios e o aumento das taxas de carbono devem ser acompanhados de fundos europeus e medidas de compensação, garantindo uma transição justa”..Já as petrolíferas alertam para a perda de competitividade face a Espanha e lembram que Portugal cumpre com as regras, na medida em que está acima do valor mínimo imposto pela diretiva europeia. “O Estado português não está em incumprimento, há Estados-membros com valores superiores e outros com valores inferiores. Portanto, dizer que o valor do ISP devia voltar a ser o que era é um bocadinho discutível”, diz o secretário-geral da EPCOL, a associação das empresas portuguesas de combustíveis e lubrificantes..Para António Comprido, a decisão do Governo em não retirar por completo os apoios nos combustíveis faz sentido do ponto de vista das famílias, porque todo e qualquer aumento no custos dos combustíveis tem implicações nos preços finais dos bens, com custos adicionais no orçamento familiar por esta via. .Quanto a quem argumenta que o agravamento dos custos dos combustíveis fósseis servem como elemento desencorajador do seu uso, António Comprido lembra que “a realidade nos mostra que não há grande correlação entre o preço e o consumo”, ou seja, não se transportam menos bens por isso. “A única coisa que acontece é que temos de os pagar mais caros e que isso afeta toda a economia”, frisa..Por outro lado, e dado que em Espanha o IVA é mais baixo, mas o ISP também, a associação alerta para a perda de competitividade portuguesa face a Espanha, fazendo com que os transportadores se abasteçam do lado de lá da fronteira, engordando a receita fiscal do país vizinho. “Seria ideal que a tributação entre dois países que têm uma economia cada vez mais integrada fosse muito idêntica, de modo a não haver benefícios aos operadores de um lado da fronteira em detrimento dos outros”, frisa..Preços estáveis em 2025.A instabilidade geopolítica foi uma das razões invocada por Miranda Sarmento para não pôr fim de imediato aos apoios aos combustíveis. Paulo Rosa concorda com a análise e considera mesmo que essa incerteza aliada à possibilidade de novas decisões [de cortes] da OPEP+, pode sustentar alguma volatilidade nos preços em 2025..O analista aponta para que o Brent se mantenha “em níveis moderados”, entre os 70 e os 80 dólares, especialmente se a procura global “continuar enfraquecida”. Em Portugal, a descida do Brent e os esforços para ampliar a oferta de gasóleo na Europa “podem levar a uma estabilização ou ligeira redução nos preços do gasóleo”, diz. A gasolina, “mais sensível às taxas de carbono e regulamentações ambientais, pode manter-se a preços mais elevados”. .Já António Comprido refere que, desde que nada de muito substancial se altere a nível geopolítico, é expectável que a situação dos preços do petróleo se mantenha estável. “Hoje em dia a oferta, apesar dos cortes feitos pela OPEP, é suficiente para satisfazer a procura, portanto, não é expectável que haja grandes variações nesse aspeto. Não antevejo nem descidas bruscas nem subidas em flecha”, sublinha.