Compra e venda de ouro está longe dos valores entre 2008 e 2015, com a crise financeira, diz o setor.
Compra e venda de ouro está longe dos valores entre 2008 e 2015, com a crise financeira, diz o setor.

Famílias aproveitam subida do preço do ouro, mas sem corridas

Casas especializadas em compra e venda de ouro notam aumento dos valores transacionados e maior atividade a norte. Onça de ouro subiu 20% desde o início do ano, mas a valorização também traz desafios.
Publicado a
Atualizado a

O preço de referência do ouro está acima dos 2500 dólares a onça (2250 euros aproximadamente). A matéria-prima tem valorizado nas últimas semanas perante os sinais de menor rentabilidade de outros instrumentos de investimento nos mercados de capitais, evidenciando-se mais uma vez como um ativo de refúgio. Em Portugal, as casas dedicadas à compra e venda de ouro notam uma subida dos valores transacionados.

“Sempre que há este movimento em alta nota-se um afluxo e, de facto, há um acréscimo em termos de valores transacionados”, afirma Luís Lopes, presidente da Associação Nacional do Comércio e Valorização do Bem Usado (Anusa), que representa cerca de uma centena de empresas dedicadas à compra e venda de artigos usados verificados, sendo o comércio de ouro junto dos consumidores uma das principais atividades. 

O preço da onça de ouro cresceu mais de 20% desde o início do ano e o responsável adianta que o aumento dos valores transacionados, em Portugal, “acompanha” a valorização dos índices dos mercados de capitais, apontando maior atividade no comércio de peças usadas de ouro no norte do país - historicamente, é a região com maior ligação “quer ao fabrico quer à compra”. Mas Luís Lopes diz que o acréscimo verificado não corresponde a um cenário de “corrida ao ouro” pelas famílias residentes no país ou pelo setor. 

O gestor garante, aliás, que a atividade está longe do que ocorreu entre 2008 e 2015, período em que o país atravessou uma crise financeira, medidas de austeridade e uma intervenção da pela troika. Naqueles anos, muitas famílias venderam peças antigas que ainda guardavam e as empresas também abriram mão de muitos valores a entidades estrangeiras, que “vieram minerar a Portugal, basicamente”. O presidente da Anusa considera que muito património português “foi delapidado”, fruto das “facilidades” criadas para estimular o comércio de ouro, surgindo a partir de 2009 “uma série de novos estabelecimentos para haver negócio nesta área”.

Atualmente, “as famílias têm na sua posse muito menos quantidade de ouro, sendo que também se reduziu a qualidade das peças” - muito do ouro transacionado hoje no país tem uma “pureza mais baixa”, sendo o ouro de nove quilates “o que se vende mais” - e o setor também está “mais regulado”. O líder da Anusa, porém, defende a necessidade de “melhorar” o regime jurídico da ourivesaria e das contrastarias, criado em 2015.

Valorização do ouro gera desafios às empresas

Para as ourivesarias, o momento atual “tem um impacto direto no setor” gerando um “misto de desafios e oportunidades”, segundo João Faria, presidente da Associação de Ourivesaria e Relojoaria de Portugal (AORP), que representa 540 empresas responsáveis por “mais de 1,5 mil milhões de euros” em volume de negócios e 9900 empregos em 2022 (últimos dados disponíveis).

“Por um lado, o aumento do valor do ouro beneficia os retalhistas e produtores que detêm reservas deste metal precioso, valorizando o stock. Por outro, para as empresas que necessitam de adquirir ouro para a produção de novas peças, o aumento dos preços pode representar um desafio, elevando os custos de produção e, consequentemente, os preços finais para os consumidores”, afirma João Faria.

Leitura idêntica tem João Carlos Brito, secretário-geral da Associação Portuguesa da Indústria de Ourivesaria (APIO), que representa 138 empresas. O responsável avisa que um aumento dos custos de produção “pode pressionar as margens das empresas, especialmente das mais pequenas”. 

Para João Faria, da AORP, “a pressão sobre os custos exige que as empresas sejam mais eficientes e estratégicas nas suas operações”. A estratégia pode passar pelo “uso de materiais alternativos ou a aposta no mercado de luxo, onde o impacto do custo pode ser mais diluído”.

“A valorização do ouro pode aumentar a procura por peças de maior valor agregado, beneficiando os produtores que apostam na qualidade e no design exclusivo”, acrescenta, por sua vez, João Carlos Brito, da APIO.

O líder da AORP nota que Portugal tem um “posicionamento de nicho” no negócio do ouro, visto que a produção nacional enfrenta desafios “em termos de escala e de volume de produção”. Itália e França são os “grandes produtores europeus” e, por isso, Portugal destaca-se pela “exclusividade” ao “competir em segmentos mais altos do mercado”. “Entre 2021 e 2022, o volume das exportações [do setor nacional] subiu mais de 20%, para 313 milhões de euros, o valor mais elevado desde 2017”, sublinha João Faria.

“É importante notar que o ouro é tradicionalmente visto como um refúgio em tempos de incerteza, como os que vivemos atualmente, o que pode gerar um aumento na procura. No entanto, as tendências de consumo também se têm alterado significativamente, e a capacidade do setor em se adaptar a estas mudanças será crucial para mitigar eventuais impactos negativos”, comenta ainda o presidente da APIO.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt