Falta de mão-de-obra paga salários de 180 mil euros nas tecnologias de informação
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Falta de mão-de-obra paga salários de 180 mil euros nas tecnologias de informação

Desajuste entre oferta e procura também está a inflacionar salários de técnicos para os 38 mil euros. Requalificar mão-de-obra é solução para combater o défice de jovens com as competências desejadas.
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A requalificação da mão-de-obra será a chave para combater o desequilíbrio fundo entre a procura e a oferta de emprego disponível. “Sem isso não seremos capazes de fazer a transição digital de que precisamos”, asseguram os especialistas ouvidos pelo DN. Isto acontece pelo efeito combinado das rápidas alterações tecnológicas e do envelhecimento da população. “Ainda não existem suficientes jovens no mercado com as competências mais procuradas pelas organizações, nomeadamente as tecnológicas, pelo que não nos podemos dar ao luxo de descartar nem os trabalhadores mais velhos, nem os menos qualificados”, disse Pedro Amorim, diretor de vendas corporativas da Manpower. Por isso, acredita que “a solução tem de estar no reskilling e upskilling”, ou seja, na requalificação e na melhoria das qualificações da população ativa, dentro ou fora das empresas.

Se é verdade que o país produz cerca de 50 mil licenciados por ano - e 20 mil com cursos profissionais - , eles não correspondem necessariamente às competências que as organizações mais procuram. E, entre aqueles que as têm, uma grande parte tem emigrado para países onde os salários correspondentes são duas ou três vezes maiores do que os pagos em Portugal. Mais de 850 mil jovens entre os 15 e os 39 anos terão deixado o país e vivem no estrangeiro, estima o Observatório da Emigração. Desde 2019 temos tido mais cerca de 70 mil licenciados por ano entre a população ativa, num total de cerca de dois milhões. Mas, por todo um conjunto de razões, as empresas nacionais têm tido dificuldades em recrutar determinadas competências, que, por isso mesmo, acabam por tornar-se algumas das mais valorizadas a nível remuneratório.

Neste momento, o Grupo Manpower Portugal indica entre as profissões mais procuradas em 2025 as ligadas às tecnologias de informação (IT), como arquitetura de cloud, Data, Inteligência Artificial (IA) ou Business Inteligence, nas quais “o intervalo salarial pode ir dos 60 mil aos 180 mil euros anuais”. Segundo Pedro Amorim, um CISO (chief information security officer) pode auferir um salário anual em torno dos 120/130 mil euros anuais, enquanto um CTO ( chief technical officer) pode chegar aos 170/180 mil euros anuais. “Dada a falta deste tipo de mão-de-obra em quantidade, as empresas estão a recrutar a nível global, trazendo pessoas de outras geografias”, admite Pedro Amorim. “O mercado de trabalho mudou muito desde a pandemia. Já era um pouco assim no mundo das IT, mas, desde a Covid, a globalização intensificou-se e, hoje, as organizações têm o mundo inteiro onde recrutar”.

Profissões técnicas valorizadas

Mas nem só as profissões mais cotadas estão a beneficiar de uma valorização salarial, devido ao desequilíbrio entre a oferta e a procura. Também profissões menos diferenciadas, mais mais raras atualmente, estão a ganhar valor no mercado, porque a oferta existente em termos de força de trabalho é muito menor do que a procura pelas empresas. Entre elas estão, por exemplo o técnico de sistema Avac (ar condicionado), em que “a remuneração anual pode ir dos 25 mil aos 35 mil euros anuais”, encarregado de obras, que pode auferir entre os 30 e 38 mil euros, ténico de manutenção (25 mil a 35 mil euros), motorista de pesados internacional, responsável de ferramentaria de fábrica e afinador de máquina de injeção, “profissões, todas elas, muito difíceis de encontrar” garante aquele responsável. “Há empresas no setor industrial que têm de voltar a recrutar trabalhadores técnicos reformados para darem formação a trabalhadores mais jovens que não têms as qualificações necessárias”, exemplifica. Para os padrões de remuneração nacionais, “estamos a falar de salários muito razoáveis face aos níveis de qualificação”, considera aquele responsável de uma das maiores empresas mundiais de gestão de Recursos Humanos.

Ainda de acordo com os dados mais recentes da Manpower, os cargos/profissões melhor remunerados em Portugal são, em média, os de diretor-geral (110 mil a 150 mil euros), CTO/CEO (70 a 150 mil euros), diretor industrial (90 mil a 140 mil), diretor de centro de serviços partilhados (100 mil a 120 mil euros) CISO (70 mil a 120 mil) diretor de compras e diretor de RH (80 mil a 120 mil euros), arquiteto de cloud (60 mil a 95 mil) e engenheiro de IA (55 mil a 80 mil euros).

Na lista dos “cursos com mais perspetivas de futuro”, o IEFP (Instituto do Emprego e Formação Profissional) indicava, há pouco tempo, os ligados à eficiência energética, mobilidade elétrica, indústria 4.0, eletrónica, desenho assistido por computador, marketing digital e-commerce, Fresagem CNC, gestão de redes informáticas e cibersegurança. A experiência de multinacionais de RH como a Robert Walters aponta ainda a área da saúde, “sobretudo na área da gestão e análise de dados, em que cada vez há mais procura”, para além de tudo o que está relacionado com a economia verde, disse ao DN David Ferreira, o seu administrador para Portugal.

Engenharias já são mais procuradas por jovens

Quando se analisam as licenciaturas que mais atraem os jovens portugueses elas só agora começam a corresponder aos perfis mais desejados e, ainda assim, parcialmente. A área de estudos mais procurada em 2024 foi a das engenharias, com cerca de 8500 colocados no Ensino Superior, depois surgem as ciências empresariais e, em terceiro lugar , a área da Saúde. As ciências sociais e de comportamento surgem em 4º lugar.

Mas se esta evolução parece estar a seguir no caminho certo, o mercado de trabalho nacional padece de outro problema. “Nem sempre as qualificações das novas gerações encontram mercado em Portugal”. Não há suficiente massa crítica empresarial em Portugal para certas áreas altamente qualificadas, como acontece, por exemplo, em determinadas áreas científicas.

Isso pode ajudar a explicar o significativo desemprego deste escalão etário, bem como uma parte da emigração. Com efeito, a taxa de desemprego jovem (entre os 15 e os 24 anos) ronda os 23%, sendo a 4ª mais alta da UE, em maio de 2024, e o dobro da média registada nos países da OCDE.

Mulheres de fora da formação

Mesmo assim, os especialistas são unânimes em apontar o défice de talento. “Temos desde há muito tempo um desfasamento entre a a procura e a oferta de talento a nível global. E isso acontece a todos os níveis da cadeia de valor, desde as mais complexas às menos especializadas, técnicos ou midle management”, observa Pedro Amorim.

Inverter esse défice é o objetivo de iniciativas de reconversão profissional para áreas onde há carência, como, por exemplo, o PRO_MOV. É o programa nacional que emerge da Iniciativa Europeia Reskilling 4 Employment (R4E), criada pela European Round Table for Industry (ERT), um fórum de executivos europeus focado na promoção da competitividade e prosperidade na Europa. Em Portugal estão, por exemplo, representadas empresas como a Sonae, Nestlé ou Sapo.

No terreno da requalificação, o CESAE Digital, focado no desenvolvimento das competências digitais dá formação a mais de 10 mil pessoas por ano e tem atualmente 700 formandos em cursos ao abrigo da agenda europeia da requalificação e no âmbito de um protocolo entre o IEFP (Instito do Emprego e Foramação Profissional) e a AEP (Associação Empresarial de Portugal), disse ao DN o seu diretor. António Pêgo aponta, contudo, um problema que ameaça desequilibrar as competências de homens e mulheres para jogarem em igualdade no competitivo mercado de trabalho. “As mulhres estão muito subrepresentadas nos cursos tecnológicos. De cada vez que abrimos um curso seja de Data Analytics, IA ou Cibersegurança, as mulheres rondam os 20 e tal por cento, 30% no máximo”.

A falta de competências das mulheres em tecnologias que vão marcar o futuro como a IA, ameaçam reduzir as suas oportunidades de emprego e agravar, ainda mais, o fosso salarial com os homens.

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