O sector farmacêutico baseado em Portugal parece ter salvo este início de ano caótico e hostil no comércio com os Estados Unidos da América (EUA): conseguiu faturar mais 200 milhões de euros nos primeiros cinco meses deste ano (face a igual período de 2024), compensando desaires monumentais noutras atividades, como as exportações de combustíveis (quebra de quase 300 milhões de euros nas vendas para os EUA), de produtos informáticos, eletrónicos e óticos (menos 40 milhões de euros) e de vinhos (menos quatro milhões de euros nos primeiros cinco meses deste ano face a janeiro-maio de 2024).Cálculos do DN/DV com base em dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), mostram que o setor farmacêutico encetou uma autêntica corrida contra o tempo que teve início em janeiro, tendo quase duplicado (aumento homólogo acumulado até maio superior a 70% no valor dos produtos exportados para os Estados Unidos).O sector farmacêutico nacional, que faturou no ano passado 1,2 mil milhões de euros com o mercado norte-americano, conseguiu vender 700 milhões de euros, só ate maio.Esta sexta-feira, o INE atualizará as estatísticas do comércio internacional com os dados de junho, fechando assim o primeiro semestre amplamente marcado pelo quadro de guerra e confusão comercial.A antecipação de vendas aconteceu para evitar um choque frontal com tarifas das quais ainda não se conhece o valor final e definitivo (Trump deu um ano, ano e meio, para as farmacêuticas apresentarem planos de investimento em produção nos EUA).As empresas instaladas em Portugal, muitas delas grandes multinacionais, estão atualmente ameaçadas com uma tarifa que pode ir até aos 250%, segundo disse o Presidente dos EUA, esta semana. Antes, tinha acenado com 200%, mas como está insatisfeito, subiu a fasquia da eventual penalidade.O Fundo Monetário Internacional (FMI) confirmou que este movimento de antecipação nas exportações está a acontecer e que foi especialmente pronunciado no caso da Irlanda, tendo inclusive impulsionado o crescimento da economia europeia no primeiro semestre deste ano.Como referido, em Portugal, o fenómeno também aconteceu e teve efeito: as exportações totais portuguesas para os EUA já começaram a sofrer (ligeiramente, ate agora) com o ambiente hostil no comércio e com a tarifa genérica de 10% que Trump começou a cobrar no início de abril a todos restantes países Nos primeiros cinco meses deste ano, as exportações totais de Portugal para os EUA estavam a cair 0,1% face a janeiro-maio do ano passado (ficaram em 2,2 mil milhões de euros), mas sem a ajuda da corrida das "farmas", estariam a afundar mais de 16,5%, mostram contas do DN/DV.O caso irlandêsO Fundo Monetário Internacional (FMI), na atualização das perspetivas económicas mundiais (World Economic Outlook), divulgadas a 29 de julho, deu conta de um fenómeno raro, próprio destes tempos incertos na ordem económica mundial, que parece ter salvo in extremis o crescimento da Zona Euro de uma nova estagnação no início deste ano: com a guilhotina das tarifas dos EUA a cair sobre as vendas europeias, as farmacêuticas irlandesas aceleraram as exportações de tal forma que acabaram por impulsionar de forma significativa o crescimento da área do euro como um todo.De acordo com o novo outlook, prevê-se que o crescimento da Zona Euro acelere para 1% em 2025 e para 1,2% em 2026. Não é uma grande aceleração pois, em 2024, a Zona Euro registou uma expansão de apenas 0,9%, mas o efeito Irlanda acabou por ser relevante tendo em conta o ritmo relativamente fraco da atividade europeia como um todo.Segundo o FMI, a previsão de 1,2% reflete "uma revisão em alta de 0,2 pontos percentuais para 2025, em grande parte impulsionada pelo forte desempenho do Produto Interno Bruto (PIB) da Irlanda no primeiro trimestre do ano", ainda que esta economia "represente menos de 5% do PIB da zona euro", observa."A revisão em alta para 2025 reflete um aumento historicamente elevado das exportações farmacêuticas irlandesas para os Estados Unidos, resultante de vendas antecipadas e da abertura de novas instalações de produção", explica o FMI."Sem a Irlanda, a revisão [do crescimento da Zona Euro] seria de apenas 0,1 pontos percentuais", ou seja, cresceria 0,9% em vez de 1%.Sectores sob pressãoJá outros sectores exportadores portugueses não podem dizer o mesmo. Estão sob pressão.Os exportadores de vinho, que faturaram mais de 100 milhões de euros no mercado norte-americano, em 2024, defrontam-se hoje com um pesado declínio nas vendas. Estão a cair mais de 9% (até maio), esmagando a fatura em quatro mil milhões de euros desde janeiro.Portugal não tem petróleo, mas produz combustíveis (refinados), sendo a Galp a maior empresa do sector e um dos maiores exportadores nacionais. De acordo com os dados do INE recolhidos pelo DN/DV, nos primeiros cinco meses deste ano, o rombo nestas exportações foi superior a 42%, reduzindo o valor expedido para os EUA em 293 milhões de euros.A fileira da madeira e cortiça, outra proeminente exportadora nacional, acusa um embate de 8% nas vendas para os Estados Unidos, ou seja, faturou menos 7,4 milhões de euros nestes cinco meses em análise.Segundo trimestre, primeiro semestreSegundo o INE, o mês de junho não trará notícias boas para a economia e o sector exportador português."A estimativa rápida do comércio internacional de bens do 2º trimestre de 2025 aponta para um decréscimo de 1,3% nas exportações e um acréscimo de 6,4% nas importações, em termos nominais e em relação ao período homólogo", revelou o instituto no passado dia 29."Esta estimativa aponta para que as exportações de bens tenham recuado pela primeira vez desde o segundo trimestre de 2024", acrescentou o INE.O gabinete de estudos do BPI diz que "a União Europeia celebrou um acordo comercial com os EUA, resultando na implementação de uma tarifa global de 15%".No entanto, continua a equipa de economistas, "a incerteza em torno dos cenários permanece alta e deve-se, sobretudo, ao facto de que a Zona Euro terá de estabelecer operações com tarifas muito mais elevadas do que há apenas um ano"."Embora uma avaliação inicial do acordo comercial sugira que a Europa limitou os danos de uma potencial escalada comercial com os EUA, os nossos cenários já contemplavam um aumento de 10 pontos nas tarifas e estimavam que, para cada aumento de 10 pontos nas tarifas, o crescimento da Zona Euro seria reduzido em cerca de 0,3 pontos percentuais nos 12 meses seguintes", calculam os mesmos analistas.Ainda assim, "há impactos setoriais significativos, positivos para a indústria automóvel e componentes, que viram reduzida a sua tarifa dos atuais 25% para 15%, e negativos para o setor farmacêutico, anteriormente isento das medidas protecionistas".Mas, "a tarifa de 50% sobre produtos de aço e alumínio permanecerá em vigor enquanto se aguarda um acordo sobre um sistema de quotas".E "existe ainda um conjunto de produtos estratégicos (a serem definidos) que estarão sujeitos a um regime tarifário mútuo de 0%, incluindo o setor aeronáutico, medicamentos genéricos, produtos agrícolas e matérias-primas críticas".Resumindo: "Aguardarmos informações sobre esses pontos ainda em aberto, mas estimamos que o acordo estabelecido entre os EUA e a UE aumentará a tarifa média efetiva sobre produtos europeus dos atuais 11% para cerca de 15% em 2025, uma subida significativa em comparação com a tarifa média efetiva de 1,5% que se aplicava antes do segundo mandato de Trump", estima o gabinete de estudos do BPI.