Estão à procura do elevador social? Não procurem mais

Publicado a
Atualizado a

Paulo Arruda tem 26 anos e é professor contratado de Geografia e Cidadania. Começou a dar aulas no ano passado e em agosto acaba-se-lhe o contrato. Mas está feliz. “É algo que quero fazer para a minha vida”, diz-me, emocionado, explicando que, apesar de todas as contrariedades, está a viver o que lhe parecia um sonho impossível e que só se tornou realidade porque há escola pública e porque há rendimento social de inserção (RSI).

Paulo tinha tudo contra si desde o primeiro dia. Nasceu em São Miguel, nos Açores, com uma mãe esquizofrénica e um pai violento. Com um ano e meio foi viver com os avós, mas o avô tinha Alzheimer e a avó problemas de alcoolismo. Aos 12 anos, o sistema deu-lhe duas hipóteses: ou uma instituição ou viver com o pai. Escolheu a segunda e arrependeu-se. “Sofri muita violência física e verbal até aos 14 anos.”

Desesperado, foi chorar para a porta da CPCJ (Comissão de Proteção de Crianças e Jovens). Estava quase a vir-se embora quando uma técnica o viu. O encontro mudou-lhe a vida. Foi para uma instituição gerida por freiras e ganhou gosto pelo estudo. “A escola pública era boa”. Aos 18 anos, começou a sentir a pressão para sair. Sem ver outra solução, foi parar ao seminário. Mas não tinha vocação. E foi novamente a escola pública e o apoio da psicóloga que lá trabalhava que o seguraram.

Aos 20 anos, estava a concluir o 12.º ano, graças ao RSI. Recebia 189 euros e só o quarto custava 110. “No fim de semana e à noite não tinha refeição nenhuma. Estava no centro de emprego mas ninguém me chamava. Mas era mesmo muito bom aluno e a psicóloga da escola perguntou se não queria ir para a universidade. Nunca tinha pensado nisso”.

Conseguiu uma bolsa e foi estudar para a Universidade de Coimbra. Recebia 400 euros, dos quais tinha de pagar as propinas e um quarto numa residência que custava à volta de 80 euros. “Vivia mal”. Mas nunca soube o que era viver de outra maneira. Não desistiu. Acabou o curso de Geografia com 15 valores.

Gosto pouco de histórias de exceção. Porque elas são isso mesmo: excecionais. Mas esta não é uma história sobre um indivíduo que triunfa sozinho, apesar das adversidades. Este é um testemunho da diferença que pode fazer uma sociedade organizada para dar respostas aos mais frágeis.

Quando estiverem à procura de um elevador social, olhem para a escola pública, olhem para os apoios sociais, olhem para o SNS. Foi essa estrutura, hoje tão degradada, construída quase do nada, que transformou o Portugal que saiu do 25 de Abril. Foi a partir dessas conquistas que famílias em que mal se sabia ler conseguiram levar até à Universidade os seus filhos e os viram subir na vida.

Não é preciso inventar nada que já não esteja criado. Não são precisos unicórnios nem outras fantasias. É preciso um sistema mais justo que ajude aqueles que, como o Paulo, nascem com tudo contra si.

Sim, talvez o Paulo seja especial, porque resistiu a adversidades que a outros teriam feito desistir. E isso só nos deve fazer pensar em quantos poderiam ter dado a volta à vida se não fossem tão magros os apoios que damos a pessoas como o Paulo.

Agora que o Paulo é professor, só falta que quem governa perceba a importância que isso tem e valorize quem trabalha todos os dias para mudar o mundo.


Jornalista

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt