Empresas de distribuição pedem que seja suspenso regulamento anti-desflorestação
A Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED) quer que Bruxelas suspenda a aplicação do Regulamento Europeu para Produtos Livres de Desflorestação (EUDR) que, a partir de 30 de dezembro de 2024, obriga as grandes empresas a fazerem o rastreamento das cadeias de abastecimento de modo a garantirem que a carne, o café ou o cacau que importam não estão ligados a práticas de desflorestação. O setor garante que faltam os instrumentos para cumprir as obrigações decorrentes da nova legislação e alerta para que, no limite, serão os consumidores os grandes prejudicados, com disrupções na cadeia de fornecimento a levarem à escassez e ao aumento dos preços dos bens alimentares.
Publicado em junho de 2023, o EUDR pretende assegurar que os produtos vendidos na UE não levaram à desflorestação ou à degradação florestal. Em causa estão artigos como a carne de bovino, o café, cacau, óleo de palma ou a soja, entre outros, mas também os produzidos a partir destas matérias-base, como o chocolate, que, para serem vendidos no espaço comunitário, têm de ser acompanhados de uma declaração de “diligência devida” do fornecedor, atestando que não provêm de regiões que tenham sofrido desflorestações, após dezembro de 2020.
As empresas terão ainda de verificar se estes produtos cumprem com a legislação em matéria de direitos humanos e se os direitos dos povos indígenas foram respeitados. As sanções por incumprimento serão “proporcionadas e dissuasivas”, com a coima máxima a ser de, pelo menos, 4% do volume de negócios anual total na UE do operador ou comerciante em situação de infração.
“Para o setor da distribuição poder cumprir com todas as obrigações constantes do Regulamento, a partir do dia 30 de dezembro de 2024, seria absolutamente essencial que estivessem criadas e testadas com a devida antecedência a plataforma informática e a interface eletrónica para a emissão e validação das DDD (Declarações de Diligência Devida) e a partilha de dados”, diz a APED, sublinhando que, “apesar dos esforços nesse sentido, a Comissão Europeia não tem respondido atempadamente aos desafios que se colocam.”
Gonçalo Lobo Xavier, diretor-geral da APED, admite que não há cálculos nem estimativas sobre a aplicação desta nova legislação, mas admite que “o risco de os preços subirem é evidente.” E explica: “As empresas têm de verificar a origem dos produtos e há um nível de compromissos e de reporte que obriga a uma burocracia demolidora, sobre a qual não temos esclarecimentos, nem existe plataforma informática, mas temos aqui uma simulação que mostra que um quilo de carne de bovino picada importada obriga ao preenchimento de 19 reportes diferentes. Isto é de uma complexidade e exigência tal que pode provocar perturbações muito grandes na cadeia de valor.” E se é verdade que agora, no final do ano, são as grandes empresas que têm de assegurar o controlo e submeter as respetivas Declarações de Diligência Devida, a partir de junho do próximo ano. Essa obrigação estende-se às pequenas e médias empresas. Um desfasamento que, no entender da APED, “fará com que possa haver quebras de informação ao longo da cadeia de distribuição.”
A associação pede que o período de transição para a implementação do regulamento seja de seis meses, pelo menos, “após os sistemas informáticos e os critérios de classificação de risco dos países estarem totalmente operacionais e harmonizados.” E não está sozinha neste combate, estando em conversações com os representantes de outros setores afetados, como a indústria agroalimentar.
O EuroCommerce - organização europeia que representa o comércio retalhista e grossista - tem vindo a manifestar “profunda preocupação” para com esta matéria, pedindo a clarificação de uma série de questões e tempo para as implementar.
Em junho, os EUA pediram à UE que adiasse a proibição de importação de produtos ligados à desflorestação, argumentando com os “desafios críticos” com que os produtores norte-americanos se confrontam para cumprir com a nova legislação a tempo. Já a Global Data apresentou um estudo dando conta de um custo potencial de 1,5 mil milhões de dólares (cerca de 1,3 mil milhões de euros) para a implementação das regras do EUDR, custo esse que, admite, “será muito provavelmente transferido para os consumidores europeus”, sob a forma de aumentos dos preços dos alimentos, bebidas e outros produtos abrangidos.