A Praia de São Torpes, em Sines, foi, durante várias décadas, famosa na região pelo seu magnífico areal e pelas suas ténues correntes de água... quente. Só que estas desapareceram nos últimos anos por ação humana - tal como era a sua origem: pela desativação da central termoelétrica local, cujas altas chaminés faziam já de tal forma parte da paisagem, nos últimos 35 anos, que a população e quem lá vai com frequência mal se apercebia da sua existência. A água do mar era usada para arrefecer o condensador da central (arrefecendo o vapor da água fervida pela queima do carvão que punha o gerador a criar eletricidade) e que era depois devolvida ao oceano, aquecida, mas pura, impoluta. Por isso era tão agradável tomar banho de mar naquela praia mesmo frente à central. Isto até 2021, quando ela foi desligada.Talvez já este ano, no entanto - ou no próximo... -, a Praia de São Torpes volte a ter o seu ‘aquecimento central’. É que as mesmas águas que arrefeciam aquela poluente forma de produzir eletricidade estão agora a ser usadas para arrefecer os servidores da Start Campus, o centro de dados que visa ser “o maior portal de Inteligência Artificial da Europa”, nas palavras do presidente executivo (CEO) da empresa, Robert Dunn.O maior e um dos mais sustentáveis. Não apenas o data centre utiliza um inovador sistema de arrefecimento dos computadores, que utiliza água do mar - desenvolvido em parceria com a Nautilus Data Technology- como se mantém firme no compromisso de utilizar, na sua operação, apenas fontes de energias renováveis, segundo disse na sexta-feira ao DN Rovert Dunn, à margem da inauguração oficial do edifício SIN01, o primeiro do complexo já em funcionamento desde o fim de 2024, com uma capacidade atribuída de 1,2 gigawatts de IT. “Neste momento temos este edifício ligado à rede [elétrica]. Temos contratos de energia renovável em vigor e com garantia de origem. À medida que ampliarmos o campus e construirmos a nossa carga-base, faremos parcerias com projetos solares e eólicos locais”, garante.No plano inicial, anunciado em 2021 pelo Governo de António Costa, seria a produção de hidrogénio verde que fazia parte integrante do projeto que garantiria “energia renovável de baixo custo, como a que permite instalar aqui este data center”, nas palavras do então primeiro-ministro. Mas hoje esta tecnologia - como muitos especialistas avisaram então - está, no mínimo atrasada (a Galp aponta o início de produção de hidrogénio em Sines apenas para o final do próximo ano). Algo que não preocupa o CEO da Start Campus. “Felizmente, Portugal tem uma ótima combinação de energia renovável”, assegura. “Temos aqui energia solar, eólica e hidroelétrica... E, com as parcerias certas, podemos ter energia renovável 24 horas por dia, 7 dias por semana”, diz Robert Dunn.“Investidores não vão a lado nenhum”Apesar de o poder político aparecer na linha da frente a dar a cara pelo projeto - esta sexta-feira, como o DN noticiou, foram os ministros da Economia, Pedro Reis, e das Infraestruturas, Miguel Pinto Luz, que cortaram (literalmente) a fita do SIN01 e com palavras gratias ao Executivo PS para a existência do projeto - o data centre de Sines não tem capital do Estado, nem recorre a subsídios, fundos públicos, benefícios fiscais ou financiamento europeu, segundo garante a Start Campus, a empresa que o desenvolve. . Os seus principais investidores são a americana Davidson Kempner Capital Management LP e a britânica Pioneer Point Partners, bem como conta com o financiamento de um banco norte-americano. “Os nossos investidores não vão sair daqui”, assegura o CEO da empresa, respondendo às perturbações do mercado originadas pela Operação Influencer, que investiga a forma como o ministério então tutelado por João Galamba negociou as concessões com a Start Campus. “Davidson e Kempner não vão a lado nenhum”, reforça o CEO.E quanto aos parceiros britânicos? “Sim, ainda fazem parte do conselho de administração e ainda são acionistas. À medida que crescermos, haverá obviamente necessidade de muito mais investimento e isso incluirá uma mistura de dívida e capital, mas isso ocorrerá à medida que desenvolvermos o projeto”, acrescenta Robert Dunn, que assumiu a presidência após a Operação Influencer e para quem este é assunto que, assegura, não o preocupa.“Não comento o processo”, começa por dizer, mas acrescenta: “Aproveitámos [o caso] como oportunidade para rever as nossas políticas internas. Há um ano e meio, fizemos grandes esforços para garantir que estávamos a fazer tudo na perfeição. Tenho o prazer de dizer que, naquela altura, atendíamos a todos os padrões da indústria e a todos os padrões portugueses, mas fomos ainda mais longe desde então, com equipas de especialistas vindas do nosso conselho de administração para nos dar apoio”, assegura este responsável.30 mil milhões até 2030?O investimento previsto em infraestruturas é de “8,5 mil milhões” de euros, “sendo que pode ser mais, dependendo da velocidade de construção e da solução final que encontremos para os nossos clientes”, afirma Robert Dunn. “Agora temos tudo em ordem, estamos prontos para construir [a próxima fase]. Será em 2025, com certeza.”. Ao todo, o valor investido poderá chegar aos 30 mil milhões de euros, segundo disse no seu discurso da cerimónia de inauguração o chargé d’affaires na Embaixada dos EUA em Lisboa, Douglas A. Koneff. Isto somando “o investimento adicional que os clientes [do centro de dados] trarão quando instalarem os seus servidores, as suas GPU, os seus equipamentos, etc.”, concretiza Robert Dunn.Com a perspetiva de criar 900 empregos diretos - para já, está a empregar 70 pessoas -, não admira que o atual Governo se esforce para garantir estabilidade a quem aqui quer deixar este dinheiro. “Isto é o melhor do Estado a contribuir para agilizar, para trabalhar e atrair investimento, fazer acontecer”, nas palavras de Pedro Reis. Um projeto que, diz Pinto Luz, “não é para cada um de nós, é para todos, é para os nossos filhos e para os nossos netos”.