A economia portuguesa chega a 2025 em melhor forma do que a da maioria dos parceiros da Zona Euro, entre eles mercados de relevo como Alemanha, França e Itália, colhendo por agora elogios pela “resiliência” do mercado de trabalho, pela força motriz de alguns setores, caso do potente turismo e das atividades imobiliárias, pelo caminho realizado na redução da dívida pública e pelas contas públicas disciplinadas, em consonância com as regras muito estritas do Pacto de Estabilidade..Mas assim é até ver. Começam a surgir sinais de alguma fadiga orçamental, motivada pelos aumentos de despesa para devolver rendimento a trabalhadores e pensionistas, pelo início de desagravamento fiscal para as empresas, no IRC, pela descida significativa no IRS..Um dos sinais mais recentes, que até causou alguma surpresa, é o reaparecimento do défice das contas públicas em 2025, segundo prevê o Banco de Portugal (BdP)..Outro sinal ou ameaça está diretamente relacionado com a travagem e estagnação (ou pior) de grandes economias, cujo modelo assente na exportação bateu no muro hostil da antiglobalização. O caso mais dramático é justamente o da Alemanha: é a maior economia da Zona Euro e inspira muitos cuidados. Nesse sentido, praticamente todos os economistas consideram que Portugal vai atravessar 2025 sempre de olhos postos na economia alemã..A Alemanha é a segunda maior fonte de turistas para Portugal, é o terceiro maior mercado para os exportadores portugueses, é um investidor estrangeiro histórico, sobretudo na indústria, tendo investimentos na ordem dos oito mil milhões de euros parqueados em Portugal, 400 empresas de capital alemão que geram quase 50 mil empregos diretos. Mas, por enquanto, mesmo com ameaças à espreita, Portugal aguenta-se e recebe elogios por isso..Não menos importante, as contas públicas e o investimento financiado com fundos públicos europeus ainda são um “plus”: todos esperam que ajude a potenciar a economia com mais conhecimento, competitividade, algo que continua em falta há décadas..Os analistas concordam que a dinâmica das contas portuguesas tem sido boa e promissora, mas avisam que o novo Pacto de Estabilidade pode exigir mais cortes na despesa ou subidas da receita do que atualmente se prevê..Em cima disto, como referido, os avaliadores mais focados no rating avisam que, caso Portugal regresse a uma situação de défice público (como já se prevê), pode haver consequências no rating da dívida, pode abalar o prémio de risco da dívida portuguesa (taxas de juro soberanas), que até tem estado relativamente baixo e contido, facilitando muito a execução, porque dão azo a despesas muito mais baixas com juros, por exemplo. Outro perigo em 2025 é o atraso ainda maior na execução dos fundos europeus, designadamente do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), cujo financiamento só estará disponível no final de 2026. Pode ser curto e há já quem peça uma extensão do prazo limite, caso contrário milhares de milhões de euros em subvenções (apoios a fundo perdido) e empréstimos baratos podem ser perdidos..As estrelas da convergência.Bert Colijn, economista-chefe para a Zona Euro do grupo financeiro holandês ING, observa que “Portugal, Itália, Grécia e Espanha ultrapassaram o crescimento médio da Zona Euro nos últimos anos e esperamos que esta tendência se mantenha em 2025”. “Estes Estados-membros do sul da União Europeia terão um desempenho superior pelo quinto ano consecutivo.”.O economista recorda “aquele horrível acrónimo PIGS [tradução literal, os porcos, o grupo formado por Portugal, Itália, Grécia e Espanha (Spain)] para descrever os países do sul da União Económica e Monetária (UEM) que foram alvo dos mercados financeiros durante a crise do euro”..“Como os tempos mudaram”, atira o ING. “Nos últimos quatro anos, Portugal, Itália, Grécia e Espanha ultrapassaram o crescimento da Zona Euro”, “tendência que se deve manter no próximo ano”..Acresce que “estes países receberam uma fatia significativamente maior dos fundos NextGeneration EU [o pacote plurianual dos fundos europeus, onde encaixam os PRR] em comparação com os homólogos do norte e ainda têm muito desse dinheiro para gastar” em investimentos e, certamente, em grandes obras. Além disso, acrescenta Bert Colijn, “o setor dos serviços nestas nações do sul medido em proporção do Produto Interno Bruto (PIB) é superior à média do euro, o que é positivo, uma vez que a indústria transformadora europeia enfrenta riscos decorrentes dos elevados preços da energia e das próximas tarifas de importação dos EUA”..Para o ING, Portugal, Grécia e Espanha prometem, mas “Itália, com uma base industrial maior e uma situação orçamental mais desafiante, pode ter dificuldade em acompanhar os outros três”, alerta. É uma meia boa notícia para a economia portuguesa, tendo em conta a importância de Itália como investidor e mercado para escoar as exportações nacionais..Antes “PIGS”, agora bons alunos.Benjamin Schroeder, também do ING, é especialista em mercados de dívida e taxas de juro. Segundo o economista, “os mercados estão a pôr em causa a hierarquia tradicional dos spreads [margens de risco nas taxas de juro cobradas ao país] que sempre conhecemos, a que vigorou nos últimos anos”..Assim é porque os países tradicionalmente vistos como de alto risco, duvidosos cumpridores com as suas obrigações aos credores – caso de Portugal, que foi submetido a um pesado programa de austeridade na altura da crise do euro (2010 a 2015) para tentar apagar esse estigma – ,“estão agora relativamente bem em comparação com França e Bélgica”, acrescenta Schroeder. Na poderosa agência de notação financeira Standard & Poor’s, que diz se o país é bom ou mau pagador, se a dívida pública é arriscada ou não, e cuja opinião pode fazer disparar ou cair as taxas de juro da República, as coisas abonam a favor de Portugal..“A perspetiva positiva que temos sobre Portugal reflete a nossa opinião de que as posições da dívida externa e pública do país podem melhorar ainda mais”, afirma Adrienne Benassy, a analista que segue o país..“Poderemos aumentar as notas [ratings] nos próximos meses se a posição externa de Portugal continuar a progredir graças aos excedentes da balança corrente e à melhoria adicional do balanço externo da economia, ou se a dívida das Administrações Públicas continuar a cair, num contexto de desempenho orçamental persistentemente forte”..Na Europa, sete países mostram uma “tendência crescente nos ratings”. Portugal é um deles, apontam Nichola James e Thomas Torgerson, da agência Morningstar DBRS..Razão? A dinâmica positiva observada em Portugal “deve-se ao forte crescimento económico e à melhoria dos indicadores da dívida”. Mas mais: “Os investimentos apoiados pela UE, como o Next- Generation EU e os fundos de coesão, foram e são fundamentais para apoiar o crescimento”, acrescentam..Contrarrelógio no PRR.E é aqui que surge o outro grande “desafio” de 2025. É preciso usar os fundos, sobretudo o PRR. “Tudo indica que vai ser muito difícil executar” o PRR no prazo previsto, até 2026, considera João Leão, ex-ministro das Finanças do PS, hoje membro do conselho do Tribunal de Contas Europeu (TCE)..Para o auditor, é um calendário apertado: para a “maioria dos Estados-membros está previsto um número significativo de marcas e metas que são muito difíceis de cumprir”. “No caso de Portugal diria que poderão estar em causa cerca de três mil milhões de euros.”.Mesmo tendo o país já executado (aprovado, mas ainda nem tudo pago) mais de 50% do PRR, um envelope avaliado em mais de 22 mil milhões de euros até final de 2026, João Leão insiste que é preciso pensar em “fazer uma reprogramação, sobretudo, no que toca às subvenções”..Em janeiro, é intenção do Governo fazer esta proposta, referiu. “É importante ver como a Comissão Europeia reage a estes primeiros exercícios.” Em vez de terminar em 2026, era “dar mais um ano”, prorrogando o PRR “até 2027”..Maior aperto orçamental para encaixar no Pacto.Outro desafio será, de certeza, Portugal entregar resultados consentâneos com as regras orçamentais europeias. Depois dos últimos excedentes, perfila-se um regresso ao défice público no horizonte..Para Mário Centeno, o governador do Banco de Portugal, que avançou com a primeira previsão nesse sentido, ainda “não é dramático”, mas é preciso fazer qualquer coisa o quanto antes. Cortar despesa ou subir receitas. Ou ambas..“A projeção para a evolução da economia enfrenta riscos descendentes, que reforçam a necessidade de uma reorientação da política orçamental que assegure o espaço adequado de resposta”, “na ausência de novas medidas de contenção da despesa ou de aumento da receita, o cumprimento das novas regras orçamentais europeias poderá estar comprometido”, avisa Centeno..Pelas contas do DN, estaremos a falar, em 2025, de um a dois mil milhões de euros em novas medidas (cortes de despesa, aumentos de receita), para conseguir encaixar as contas públicas portuguesas no que é exigido por Bruxelas, pelo Pacto de Estabilidade revisto em 2024.